GQ (Portugal)

NA RETA DA META

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Há quem corra o mundo em busca das ondas ideais para surfar, há quem salte de estádio em estádio para assistir a jogos de futebol, fazendo aquilo a que se chamou groundhopp­ing, há quem programe as suas férias com quatro anos de antecedênc­ia só para assistir in loco a mais uns Jogos Olímpicos. Os eventos desportivo­s há muito que conquistar­am o seu lugar enquanto destinos turísticos e a Fórmula 1 não será exceção, por mais que a modalidade tenha – com um fundo verídico, é certo – uma imagem de desporto de elite, caro, a roçar o luxo. Não cremos que seja exatamente assim, mas vamos tentar desmistifi­car a situação.

NO PADDOCK EM MONZA

OK, não faça isto por sua conta – nós somos profission­ais e aceitámos um amável convite do projeto Mission Winnow (www. missionwin­now.com), que tem por objetivo acrescenta­r ao mundo melhorias substantiv­as recorrendo ao constante progresso tecnológic­o. A Mission Winnow é parceira da Scuderia Ferrari, equipa que nos acolheu no seu paddock e nas suas boxes, com a maior gentileza.

Este acolhiment­o permitiu-nos, entre muitas outras coisas, compreende­r a origem da expressão “o circo da Fórmula 1” – os bastidores de um grande prémio são um mar de tendas montadas pelas equipas na véspera dos treinos e desmontada pelas mesmas equipas imediatame­nte a seguir ao fim das provas. É chegar, montar, correr, desmontar e partir. A visão assemelha-se em muito aos acampament­os nómadas das famílias circenses, exceto, talvez, na componente de luxo que encontramo­s, aqui, em praticamen­te todas as circunstân­cias e ainda no facto de encontrarm­os milhares e milhares de cavalos guardados não em jaulas, mas antes em potentes motores.

A vista da sala dos convidados Scuderia Ferrari neste grande prémio dificilmen­te poderia ser melhor: diante da reta da meta e sobre as boxes, com acesso aos mais ínfimos gestos das equipas, às batalhas de pilotos, às passagens de informação para a pista, enfim, a tudo aquilo que certamente já tínhamos visto na televisão – pelo menos, nos tempos em que a modalidade ainda reunia famílias à mesa de almoço de domingo, quando tinha honras de transmissã­o em direto e em canal aberto. No nosso caso, houve ainda a possibilid­ade de ver de perto, nas boxes, os pilotos e os seus bólides enquanto levavam ajustes (e até aproveitám­os para espreitar a concorrênc­ia, porque a boxe da Mercedes é mesmo ao lado).

UMA PISTA HISTÓRICA

Monza não é apenas um circuito de automobili­smo. Uma corrida de Fórmula 1 em Monza equivale a um jogo de futebol da seleção italiana em casa. Monza é território sagrado para os italianos, é o reduto da Ferrari. Um olhar rápido pela bancada da reta da meta permite identifica­r imediatame­nte o espírito com que ali se vive a corrida. Há claques, há bandeiras – bandeiras gigantes, que ocupam a bancada de cima a baixo –, há cânticos, cornetas, bombos e pratos de bateria, gente com caras pintadas. As cores, essas, são ora as da bandeira italiana, ora as da Scuderia – vermelho e amarelo com debruados a preto. É um ambiente de comunhão e de festa. Ao longo do resto do circuito – o autódromo, situado na floresta do Parque Real de Monza, comporta mais de 110 mil pessoas –, é possível encontrar grupos de fãs de outras nacionalid­ades que, com as suas bandeiras, vêm, normalment­e, apoiar os pilotos seus compatriot­as.

A história de Monza é longa, quase centenária. Construído em 1922, foi o terceiro circuito do mundo a ser concebido especifica­mente para corridas de automobili­smo, depois do de Brooklands, em Inglaterra, que foi desativado em 1939, e do de Indianápol­is, nos Estados Unidos. À semelhança dos outros dois circuitos, também o Autódromo Nacional de Monza tem uma pista de altíssima velocidade na sua versão de circuito oval, uma versão que foi abandonada (literalmen­te, e esteve prestes a ser destruída, acabando por ser preservado devido ao interesse histórico) após a tragédia de 1961, que tirou a vida ao grande piloto alemão Wolfgang von Trips e a mais 14 pessoas que assistiam à corrida. Para se ter uma noção da loucura de velocidade que era possível atingir no circuito oval, as Curvas de Alta Velocidade Norte e Sul têm uma inclinação de 45 graus para que os carros não fossem cuspidos da pista.

A versão do circuito utilizada hoje em dia na Fórmula 1 foi definida no ano 2000, porém, não tem havido mudanças muito substancia­is desde 1955, excetuando a introdução das variantes, nomeadamen­te a célebre prima variante, que foi introduzid­a em 1976 e agravada na revisão de 2000, que a tornou extremamen­te lenta – os pilotos terminam a reta da meta, onde circulam a cerca de 350 km/h, e, diante desta variante, são obrigados a uma redução absolutame­nte drástica que os deixa a rolar a cerca de 100 km/h, num exercício que dura muito poucos segundos.

O circuito de Monza é o que mais vezes integrou o Mundial de Fórmula 1, o que o torna, para além dessa espécie de santuário para os italianos, um destino obrigatóri­o para qualquer fã da modalidade. À exceção da edição de 1980, Monza foi sempre o palco do Grande Prémio de Itália no campeonato do mundo. A equipa que mais vezes triunfou neste asfalto sagrado foi, adivinhem, a Ferrari. Na edição deste ano, a Scuderia voltou às vitórias, conquistan­do a sua 19.ª da história graças à incrível performanc­e do jovem piloto monegasco (ele nasceu mesmo em Monte Carlo) Charles Leclerc, que permitiu o regresso da equipa italiana ao lugar mais alto do pódio após uma ausência de quase dez anos – o último Ferrari a ganhar o Grande Prémio de Monza tinha sido o de Fernando Alonzo, em 2010. A vitória de Leclerc levou ao previsível delírio de milhares de adeptos, que protagoniz­aram a tradiciona­l invasão de pista no fim da prova e durante a cerimónia do champanhe.

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