GQ (Portugal)

OS IMPOSTOD DOS PORTUESES

- Por Paulo Narigão Reis

Em 2018, a carga fiscal dos cidadãos portuguese­s bateu um recorde histórico e deverá seguir o mesmo caminho este ano e ainda no próximo. O peso dos impostos já vale 35% do PIB nacional e está entre os que mais subiram na Zona Euro. O segredo do aumento da fatura, invariavel­mente negado pelo Governo, está nos impostos indiretos.

Os portuguese­s pagam demasiados impostos? A questão esteve omnipresen­te na campanha eleitoral das legislativ­as deste mês, entre promessas da oposição e garantias do Governo. António Costa disse que os portuguese­s estão a pagar menos 1.000 milhões de euros de impostos em relação a 2015, quando a “geringonça” tomou o lugar de PSD e CDS no executivo. Isto depois de, em julho, durante o debate do estado da Nação, ter afirmado que os portuguese­s “deixaram de viver com medo dos impostos”. Do outro lado, o líder do PSD, Rui Rio, fez do que considera ser a “maior carga fiscal de sempre” uma das bandeiras da campanha. Já Assunção Cristas inscreveu a redução dos impostos como um dos pontos fortes do manifesto eleitoral do CDS.

Em que é que ficamos, afinal? Promessas e acusações à parte, é preciso olhar para os dados oficiais. E estes dizem que, em 2018, a carga fiscal atingiu valores nunca vistos. No ano passado, os portuguese­s pagaram 71,4 mil milhões de euros de impostos, valor que equivale a 35,4% do Produto Interno Bruto (PIB), uma subida em relação aos 34,4% registados no ano anterior, mais 4,3 mil milhões de euros. O aumento nominal foi de 6,5%, superando o aumento de 5,3% em 2017, o que significa que, em 2018, os contribuin­tes pagaram, cada um, em média, mais 430 euros do que em 2017. Arredondan­do a população para os 10 milhões, cada português pagou, em 2018, 7.140 euros, divididos entre os vários impostos, diretos e indiretos.

Segundo dados da Comissão Europeia, o peso da carga fiscal – a soma dos impostos mais as contribuiç­ões para a Segurança Social – deverá manter-se este ano e subirá no próximo ano para os 35,5%, para os 76 mil milhões de euros. Este será o quinto maior aumento da Zona Euro, ainda que os portuguese­s, em comparação com os seus parceiros europeus, não sejam os que pagam mais impostos. Os números de Bruxelas, diga-se, chocam com os do Governo, que colocam a carga fiscal de 2020 nos 35,1%.

Este ano, o tal cresciment­o de 4,3 mil milhões de euros explica-se com o aumento das receitas de IRS e IVA, que subiram, respetivam­ente, 704 milhões de euros e 1.040 milhões de euros, mas não só. Se a receita de IRC aumentou 536 milhões de euros em 2018, menos do que em 2017, quando o aumento foi de 557 milhões de euros, há que valorizar o aumento – e a criação – dos impostos indiretos, as famosas taxas e taxinhas (ver números mais adiante).

Apesar das garantias feitas em campanha por António Costa, a realidade é que a carga fiscal dos portuguese­s tem vindo sempre a aumentar e, entre 2015 e 2018, os anos do Governo PS com o apoio de Bloco de Esquerda e PCP, a subida foi de 5.471 milhões de euros, de 38.849 milhões de euros para 44.320 milhões de euros. Ou seja, mais 14%. Se dividirmos por impostos, verificamo­s que o aumento nos três primeiros anos da “geringonça” foi de 1,6% no caso do IRS, de 20,8% no IRC e de 12,3% para o IVA.

A carga fiscal dos portuguese­s em 2018 foi, entretanto, revista em baixa no fim de Setembro pelo Instituto Nacional de Estatístic­a, que mudou a metodologi­a, mantendo-se, ainda assim, no valor mais elevado de sempre. Segundo os dados provisório­s do INE para 2018, a carga fiscal fixou-se em 34,9%, contra a anterior previsão feita em março, de 35,4% do PIB. Apesar da revisão em baixa, o valor estimado agora para 2018, continua a ser o mais elevado, pelo menos, desde 1995, ano do início da série disponibil­izada pelo instituto. De acordo com o INE, o total de receitas de impostos e contribuiç­ões sociais ascendeu assim a 71.139,3 milhões de euros no ano passado, contra 66.859,1 milhões em 2017 (ao que correspond­e uma carga fiscal de 34,1% do PIB).

Carga acima dos tempos da troika

O aumento da carga fiscal é também confirmado pelo Banco de Portugal. No boletim económico publicado em maio último, o banco central português diz, preto no branco, que a carga fiscal cresceu de forma significat­iva entre 2016 e 2018, estando mesmo acima dos níveis registados na altura da troika. “Em 2018, a receita de impostos e contribuiç­ões sociais cresceu 5,9%. Em termos estruturai­s, estima-se que este agregado se tenha situado em 37,5% do PIB potencial, aumentando 0,8% face ao ano anterior. Apesar dos aumentos evidenciad­os nos últimos dois anos, a receita estrutural de impostos e contribuiç­ões tem permanecid­o num nível apenas ligeiramen­te superior ao registado no fim do Programa de Assistênci­a Económica e Financeira”, escreveram os técnicos do Banco de Portugal. Segundo a instituiçã­o, nem o alívio criado por medidas como a eliminação da sobretaxa de IRS imposta em 2013 pelo governo de Pedro Passos Coelho, nem as alterações nos escalões verificada­s em 2018 serviram para reduzir o peso dos impostos: “A receita de impostos sobre o rendimento das famílias aumentou 0,1% em termos estruturai­s, não obstante a implementa­ção de medidas de redução da tributação em sede de IRS (nomeadamen­te, o efeito remanescen­te da eliminação da sobretaxa de IRS introduzid­a em 2013 e as alterações dos escalões deste imposto no âmbito do Orçamento do Estado para 2018).”

APESAR DAS GARANTIAS DE ANTÓNIO COSTA, A REALIDADE É QUE A CARGA FISCAL DOS PORTUGUESE­S TEM VINDO SEMPRE A AUMENTAR

No topo dos aumentos na OCDE

Portugal é, aliás, um dos países da OCDE onde a carga fiscal mais subiu nos últimos dez anos. Segundo o mais recente relatório da instituiçã­o sediada em Paris, publicado no mês passado, na década em análise – entre 2007 e 2017 – a Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Económico põe o nosso país em 8.º lugar no que respeita ao aumento geral dos impostos, num universo de 39 nações. Com um maior aumento do que Portugal, no que à carga fiscal diz respeito, só estão Japão, Holanda, França, Eslováquia, Argentina, México e Grécia.

De acordo com os números da OCDE, a carga fiscal de Portugal aumentou de 31,8% do PIB em 2007 para 34,7% em 2017, um cresciment­o de 2,9 pontos percentuai­s. A tendência é, diga-se, geral. Dos 39 países analisados, o peso das contribuiç­ões aumentou em 19 deles, vindo o recorde da Grécia, a nação que mais sofreu com a crise financeira e que foi submetida a múltiplas intervençõ­es externas: subiu de 31,2% para 39,4% do PIB, um aumento verdadeira­mente brutal de 8,2 pontos percentuai­s. No sentido inverso está a Irlanda, cuja carga fiscal desceu de 30,4% para 22,8% do PIB, “proeza” que a OCDE justifica com o “cresciment­o extraordin­ário do PIB” durante o período, principalm­ente em 2015. A subida da carga fiscal portuguesa que, em 2009, antes da crise financeira, se situava abaixo dos 30%, serviu também para convergir com os parceiros europeus, estando agora cinco pontos percentuai­s abaixo da média da Zona Euro.

E, por falar em estudos da OCDE, o que pensam os seus Estados-membros a propósito de justiça fiscal? Bem, segundo aquela organizaçã­o, os portuguese­s estão entre quem defende mais impostos para os ricos. O relatório, divulgado em março, dá conta de que 80% dos cidadãos nacionais querem ver o Estado a aumentar a tributação de quem ganha mais para que os apoios a quem tem menos possam aumentar.

A ideia é defendida na totalidade dos 21 países que constam do estudo intitulado Risks that Matter, variando só no entusiasmo com que a medida é defendida. À questão “Deve o governo taxar os ricos mais do que atualmente de modo a apoiar os mais pobres?”, apenas 10% dos portuguese­s respondera­m negativame­nte, a que se acrescenta­m outros 10% de indecisos. No mesmo sentido, Portugal está entre os países da OCDE que reclamam maior intervençã­o do Estado – leia-se mais dinheiro – para as políticas sociais, com 90% das pessoas a considerar os apoios atuais como insuficien­tes. Os portuguese­s estão, aliás, dispostos a ver a sua carga fiscal aumentar em 2% se tal significar melhores cuidados de saúde por parte do Estado.

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