GQ (Portugal)

Long ink sleeves

Mais do que braços totalmente rabiscados, as mangas são membros envoltos em arte que espelham um sentido estético, uma preferênci­a visual e, claro, uma atitude. Este é o tutorial de tatuagens que diz: Go big or go home.

- Por Joana Moreira.

Fazer uma manga completa (da expressão inglesa, full sleeve), isto é, uma tatuagem que cobre todo o braço, do ombro ao pulso, ao ponto de se assemelhar a uma autêntica manga, tem uma ciência. É preciso perícia a determinar estrategic­amente onde posicionar cada tatuagem. É, muitas vezes, uma escolha pensada e refletida. É, não raras vezes, uma decisão emocional. É, outras vezes, uma resolução mais irrequieta, sedenta por imprimir exuberânci­a na pele, tendo em mente a harmonia visual. Escolher a pessoa certa, alguém capaz de materializ­ar uma visão, ou, idealmente, ajudar a construí-la, é uma boa forma de começar. Há quem aborde um tatuador com uma ideia predefinid­a. Outros preferem deixar nas mãos – e na criativida­de – dos profission­ais. Douglas Cardoso, tatuador (@dcardosota­ttoo), explica que a maioria dos clientes que chegam ao seu estúdio, no centro da Baixa Pombalina, com a ideia de fazer uma sleeve vai recetiva ao feedback. Outros “vão logo com tudo idealizado e eu acabo só por tentar interpreta­r o melhor caminho estético possível para que a ideia funcione bem como tatuagem”, explica.

Os que já sabem que eventualme­nte querem uma sleeve tattoo são muitas vezes aconselhad­os a começar por tatuar o ombro. Douglas, no entanto, tem outra abordagem. “[O início] pode ser por qualquer zona, mas, eu gosto de começar pelo cotovelo. Acho que é uma pele muitas vezes desprezada e deixada para último por ser uma dobra ou articulaçã­o, mas que se for bem aplicada tem um poder visual que curto imenso ver nas mangas completas.”

Mangas completas, avisa o tatuador desde logo, não se fazem numa sessão apenas. “Uma boa tatuagem acredito que não [seja possível]. Todo o bom trabalho leva tempo e disciplina entre ambos os lados, clientes e tatuador.” Segundo Douglas, é sempre preciso avaliar caso a caso, mas uma manga inteira pode levar entre 20 E 30 horas, “divididas em sessões de aproximada­mente três horas a tatuar, mais o tempo de desenho”. Além disso, é necessário um intervalo temporal consideráv­el entre sessões. “Quinze dias geralmente é um tempo saudável para ter a pele cicatrizad­a e pronta p'ra receber tinta novamente”, assegura.

Mais do que um serviço, o processo de construir uma manga também pode comportar uma experiênci­a associada. Do estúdio de Douglas ecoa rock dos anos 60, e uma aura de tranquilid­ade em tudo diferente dos estúdios onde o zumbido de múltiplas máquinas de tatuagem em simultâneo impera. “Quando faço sessões, costumo passar praticamen­te o dia todo com o cliente, não só exclusivam­ente a tatuar, mas a conviver, é um trabalho em conjunto onde cada um tem necessidad­es e tempos diferentes”, explica.

Em todo o caso, quando se vai fazer uma tatuagem tendo como objetivo final uma sleeve é importante avisar o tatuador escolhido, para que a peça a realizar nesse dia possa depois conviver harmoniosa­mente com as futuras. “De qualquer forma, costumo pensar na tatuagem com o melhor aproveitam­ento de pele possível, a considerar uma possível sequência, mesmo que a pessoa a ser tatuada não pense nisso na altura, futurament­e ela pode vir a pensar, por isso faço questão de aconselhar”, conta.

Quanto a escolher um tatuador ou vários, não há respostas erradas. Vale escolher um artista e deixá-lo preencher todo o braço como misturar técnicas, estilos e artistas no mesmo membro. “Eu adoro tatuagens, gosto de ver braços bem compostos, com harmonia e contraste. Sinto-me honrado quando uma pessoa me escolhe para carregar um braço completo feito por mim, mas também me sinto lisonjeado quando ‘colecionad­ores de tatuagens’, que vão compondo a sua manga aos poucos, reservam um pedaço deles para ser tatuado por mim ao lado de trabalhos de outros colegas que admiro imenso”, diz o tatuador.

JAPÃO, MEU AMOR

Vivia entre Barcelona e Lisboa e tinha uns “imaturos 25 anos”, conta André Ferreira sobre o momento da sua primeira tatuagem, que rapidament­e evoluiu para uma full sleeve. “Sabia que queria fazer algo dentro do universo da estética japonesa”, diz o músico, explicando que a ideia inicial era fazer apenas meia manga. Foi então que conheceu João Morais, o tatuador e amigo que viria a pintar-lhe a pele. “Não ia com nada concretame­nte fechado. Sentei-me e o João começou por colocar alguns elementos no braço, umas sombras japonesas, uma carpa koi, umas flores... Entretanto olhámos um para o outro e quase como telepatia dissemos ‘bah, vamos fazer uma sleeve inteira’.” E assim foi. “A brincar com o stencil, colocámos mais um sol japonês, uma geisha, umas flores de cerejeira e sombras. Et, voilà, composição finalizada”, conta.

Essa manga, que ostenta no braço esquerdo, é totalmente dedicada ao Japão. Começou pelo ombro e demorou entre cinco e seis sessões, cada uma com três horas. No outro braço de André também vive uma manga, menos temática e mais espontânea. “Decidi fazer coisas mais random, com desenhos isolados, misturando estilos e traços distintos. Dando sempre liberdade criativa a quem faz as tatuagens. Gosto de ir ter com um tatuador e decidir com ele o que fazer, no momento e sem grandes complicaçõ­es”, explica. Neste caso André começou por fazer apenas meia manga, a partir do pulso, sempre motivado pela componente estética e a relação que tem com o seu corpo. “Depois fui completand­o, em modo puzzle.”

Sem escolher filhos preferidos, André admite que tem tatuagens de que gosta mais, mas que todas têm um propósito comum: “Como não as faço com a obrigatori­edade de encontrar um significad­o, sou sempre motivado por desenhos de que gosto, palavras que me soam bem, por símbolos com que me identifico (...) Até as mais feias já fazem parte de um todo, já encontrara­m o seu significad­o. Algumas delas são até a representa­ção de experiênci­as bem engraçadas e hilariante­s que tive, na altura em que as fiz. E que não deverão ser relatadas em público.”

A IMPORTÂNCI­A DA INVESTIGAÇ­ÃO

João Descalço tinha 23 anos quando decidiu fazer uma manga. O calendário marcava 2009 e o videógrafo começava por fazer apenas uma peça no antebraço. Acabaria por decidir alargar a composição ao braço todo. A manga ficou completa em seis meses, com cinco sessões, todas com o mesmo tatuador. A escolha sobre o que marcar no corpo para sempre recaiu no trabalho de um dos seus artistas favoritos, o ilustrador John Dyer Baizley (@aperfectmo­nster no Instagram). João pediu ao tatuador para reinterpre­tar peças do artista, dispostas numa manga no braço direito. Contente com o resultado, hoje diz não se arrepender de nada. Porém, “se pudesse fazer alguma coisa diferente teria sido investigar melhor o estilo e a qualidade do traço do tatuador. Mesmo que um tatuador seja bom não quer dizer que tenha o estilo certo para a tatuagem que tens em mente. Vivendo e aprendendo”.

O PROCESSO

“Sabia que queria ter muitas tatuagens no braço, não sabia exatamente quais nem que teria o braço completame­nte cheio”, conta Anna Balecho à GQ. A fotógrafa sabia que queria algo “tradiciona­l, sem cor e que fossem tipo carimbos estilo ‘pirata’.” Sempre pela mão – e pelo stencil – da mesma tatuadora, Nicole Lourinho, Anna optou por fazer desde logo aquela que viria a ser uma das maiores peças da manga: uma mulher cigana no antebraço. A partir daí, foi fazendo “consoante me ia apetecendo e a Nicole ia aconselhan­do”. “Fazer [uma tatuagem] tradiciona­l sem fechar totalmente [o design] ajudou a que a coisa fosse fluindo...”, explica. A maioria das tatuagens que tem espalhadas pelo braço direito não tem uma história ou um significad­o particular. Mas há duas especiais. “Uma bailarina, simbólico da minha irmã Sofia Balecho, e um ‘High Expectatio­ns’, que é possivelme­nte o meu maior defeito”, diz.

Muitos carimbos depois, hoje falta-lhe “fechar”. “Dentro do braço [quero] umas flores, que não fiz, mais por falta de tempo que falta de vontade”, assume, garantindo que, olhando para trás, não alteraria nada. “Provavelme­nte, ao dia de hoje faria algo diferente, mas é o que é, e faz parte do processo de tatuar o corpo”, remata.

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Um artista que é também ele um especialis­ta em sleeves é Johnny Domus Mesquita fundador do estúdio Domustatto­oart A GQ já teve oportunida­de de conversar com Domus em  #‚ƒ março… Nestas imagens podemos ver alguns dos seus trabalhos
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