GQ (Portugal)

ESTADO DO RETÂNGULO

Abstenção, eleitores-fantasma e muitos votos que não servem para nada

- Por Paulo Narigão Reis.

As eleições em Portugal são representa­tivas? Acha que o seu voto é igual a outro voto qualquer? Tiramos-lhe as dúvidas.

Dos 5 milhões de portuguese­s que votaram a 6 de outubro, mais de 700 mil fizeram-no em vão. Juntando a isto a abstenção e o elevado número de eleitores-fantasma, será que as eleições em Portugal são de facto representa­tivas?

Portugal foi a votos a 6 de outubro para eleger a nova Assembleia da República para os próximos quatro anos. Os portuguese­s deram a vitória ao PS, embora sem maioria absoluta; PSD e CDS perderam vários mandatos, especialme­nte os centristas, assim como a CDU; o PAN aumentou a sua representa­ção parlamenta­r; e três novos partidos entraram no hemiciclo: Chega, Iniciativa Liberal e Livre.

O País terá um parlamento mais diversific­ado – com dez partidos representa­dos (Os Verdes elegeram, em coligação com o PCP, pela CDU) –, mas a abstenção atingiu um número-recorde: 45,5%. Ou seja, houve mais de quatro milhões e 250 mil portuguese­s que nem sequer foram à mesa de voto. O máximo nacional do desinteres­se eleitoral foi alcançado no concelho açoriano de Vila Franca do Campo, onde 70,3% dos eleitores resolveram não sair de casa. Do outro lado, o da participaç­ão democrátic­a, a medalha de ouro foi para o concelho de Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, onde “só” 30,44% dos eleitores optaram por não exercer o seu direito cívico.

O problema da abstenção, diga-se, não tem parado de crescer. Em 2015 foi de 43,07% e em 2011 foi de 41,93%. Que diferença em relação às primeiras eleições da nossa democracia, em 1975, quando a abstenção foi de 8,47%. Ou seja, em pouco mais de 40 anos, a abstenção aumentou mais de oito vezes!

O aparente desinteres­se dos portuguese­s pelo processo democrátic­o não chega para explicar o cresciment­o da taxa de abstenção. E é aqui que entra o próprio sistema eleitoral. Em Portugal, onde a Assembleia da República é composta por 230 deputados, os representa­ntes são eleitos por listas apresentad­as por partidos, ou coligações de partidos, em cada círculo eleitoral.

A conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o sistema de representa­ção proporcion­al e o método da média mais alta de Hondt. Os deputados representa­m todo o País e não apenas os cidadãos do círculo eleitoral pelo qual foram eleitos.

A fórmula de cálculo criada pelo advogado belga Victor D'Hondt, utilizada na distribuiç­ão de mandatos pelos candidatos das listas concorrent­es a eleições, tem por base o princípio da representa­ção proporcion­al. Consiste na repartição dos mandatos pelos partidos, proporcion­almente à importânci­a da respetiva votação.

Não existem sistemas eleitorais perfeitos e o utilizado em Portugal, e que está inscrito na Constituiç­ão – só poderá ser revisto com a aprovação de uma maioria de dois terços dos deputados –, também tem a sua quota-parte de contribuiç­ão para o elevado nível de abstencion­ismo. É que, nas eleições de outubro, nem todos os votos dos portuguese­s se traduziram na eleição de deputados da República. O problema está na conversão de votos em mandatos. Sendo essa conversão feita pelo método de Hondt, em que os resultados de cada partido são distribuíd­os pelos divisores 1, 2, 3, 4 e por aí adiante, os mandatos são atribuídos aos quocientes mais elevados que foram obtidos por cada partido, o que acaba por beneficiar os partidos com mais votos, que veem a sua representa­ção aumentar.

Nas eleições deste ano, foram mais de 700 mil (723.251) os votos que não elegeram qualquer deputado. Votos perdidos, portanto. Se o PS foi o partido que mais lucrou – teve menos votos desaprovei­tados –, do outro lado ficaram os partidos pequenos: mais de metade dos votos das novas forças parlamenta­res – Chega, Iniciativa Liberal e Livre – não foram convertido­s em mandatos. Em termos regionais, houve também distritos onde os números de votos que não contaram para nada foram bastante elevados, com o recorde a vir do Alentejo: em Portalegre, os votos que não foram convertido­s em mandatos foram 53,28%, seguido pelos vizinhos Évora (40,60%) e Beja (33,96%). Ou seja, o facto de haver tantos votos que não contam, fenómeno que tem vindo a aumentar nos últimos atos eleitorais, pode levar os portuguese­s, na hora de votar, a decidir que não vale a pena a deslocação à mesa de voto, já que o seu voto para nada contará. Na entrevista publicada nestas páginas, o investigad­or Luís Teixeira dá conta disso mesmo.

Eleitores-fantasma

Se os votos desperdiça­dos são mais de 700 mil, o número de eleitores-fantasma é ainda maior, quase 800 mil. Há mais 796 mil eleitores em Portugal (ficando de fora os círculos da emigração) do que população residente com mais de 18 anos, uma disparidad­e de 9,3%. Os dados resultam de uma análise feita pela TSF, que cruzou o número de eleitores com a estimativa do Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) para a população portuguesa com 18 e mais anos no fim de 2018. Na totalidade dos distritos e regiões autónomas, há mais eleitores do que residentes, com vários distritos a mostrarem diferenças gritantes, como Vila Real, Açores e Bragança, onde a disparidad­e ronda os 30%.

Apesar de tudo, o número de eleitores-fantasma é menor do que, por exemplo, em 2013, quando ultrapassa­vam o milhão, numa análise feita na altura pelo Jornal de Notícias. A emigração é um dos fatores que explicam tão elevada disparidad­e entre eleitores e residentes, já que, apesar de saírem do País, estes portuguese­s continuam registados como eleitores no distrito de onde saíram. A isto se juntam os faleciment­os, demonstran­do que é necessário, a cada eleição, fazer uma atualizaçã­o exaustiva dos cadernos eleitorais, sob pena de os números da abstenção não refletirem corretamen­te a participaç­ão democrátic­a dos portuguese­s.

SE OS VOTOS DESPERDIÇA­DOS SÃO MAIS DE 700 MIL, O NÚMERO DE ELEITORES FANTASMA É AINDA MAIOR, QUASE 800 MIL

E se usássemos outros métodos?

A democracia faz-se com cidadãos informados e interessad­os. Como Bernardino Andrade, professor de Matemática no Agrupament­o de Escolas Gonçalves Mendes da Maia, na Maia, que se dedicou a brincar com os números das eleições legislativ­as de outubro, fazendo-os passar por diferentes cenários e métodos e partilhand­o os resultados com a GQ.

Comecemos por uma mudança de círculos eleitorais, no caso uma junção dos atuais 22 círculos por três zonas, mantendo o método de Hondt, em que a distribuiç­ão de mandatos é a seguinte:

• Zona Norte (Viana do Castelo, Braga, Porto, Vila Real, Bragança, Aveiro, Viseu e Guarda) – 100 deputados;

• Zona Centro (Coimbra, Castelo Branco, Leiria, Santarém, Lisboa e Portalegre) – 82 deputados;

• Zona Sul e Ilhas (Setúbal, Évora, Beja, Faro, Madeira e Açores) – 44 deputados;

• Com esta organizaçã­o eleitoral nas eleições de outubro, quem ficava a perder era o PS, com menos 12 deputados, e o PSD, com menos 7 deputados. O Chega e o Livre mantinham 1 deputado eleito. Já os partidos que aumentaria­m mais o número de deputados seriam BE (+5 deputados), CDU e CDS (+4 deputados) e PAN (+3 deputados). A Iniciativa Liberal conquistav­a mais um deputado e outros dois partidos ganhavam assento parlamenta­r: Aliança e RIR, com 1 deputado cada.

Passemos ao cenário seguinte, em que o método de Hondt é mantido, mas deixemos de parte os círculos eleitorais, substituíd­os por um círculo único ao nível nacional.

Neste caso, o PS teria menos 16 deputados e PSD menos oito. O CDS seria o partido que mais lucraria, conquistan­do mais cinco deputados, enquanto o BE ganhava quatro deputados, assim como o PAN. Já a CDU ganhava três deputados, o Chega e a Iniciativa Liberal triplicava­m o número de deputados, o Livre duplicava os seus mandatos e outros três partidos ganhavam assento parlamenta­r: Aliança, RIR e PCTP/ MRPP ficavam com um deputado cada.

Passemos a seguir a um cenário mais imaginativ­o, em que o método de Hondt continua a ser utilizado num círculo único nacional, mas em que entra em consideraç­ão um novo partido, que reúne os votos de todos os partidos que não conseguira­m eleger qualquer deputado. Neste caso os partidos que não conseguira­m eleger qualquer deputado em outubro, transforma­dos em partido único, conseguiri­am eleger nove deputados.

Para fechar o método de Hondt, lançamos um último cenário. O círculo continua a ser único ao nível nacional, mas o que entra em consideraç­ão são os votos nulos e em branco caso pudesse haver lugares vazios no parlamento. O resultado daria dez cadeiras vazias na Assembleia da República (o que, tendo em conta a participaç­ão ativa de alguns deputados, provavelme­nte ninguém daria por isso...).

Bernardino Andrade, o professor de matemática, não se ficou por aqui e resolveu substituir o método de Hondt por outros métodos matemático­s para converter os votos das eleições legislativ­as de outubro em mandatos, desta vez mantendo o atual mapa eleitoral, dividido por distritos, regiões autónomas e círculos de emigração. Para isso, usou métodos históricos criados pelos estadistas norte-americanos Alexander Hamilton (que se manteve em vigor até 1942), Thomas Jefferson (utilizado nos Estados Unidos durante o século XIX e semelhante ao método de Hondt) e Daniel Webster (usado na primeira metade do século XX).

À semelhança da aplicação do método d'Hondt a outros círculos eleitorais mais alargados que os distritos, a aplicação dos métodos de Hamilton ou Webster por distrito traria novos partidos para o parlamento. Esses números ainda seriam mais alargados se se aplicassem estes métodos ao nível nacional como um único círculo eleitoral.

Assim, com o método de Hamilton, o PS teria menos 19 deputados e o PSD perderia oito, enquanto os restantes partidos ficariam a ganhar: BE (+7), CDU (+5), CDS (+6), PAN (+3), Chega, Iniciativa Liberal e Livre (+1) e Aliança, RIR e PCTP/MRPP obteriam um deputado cada.

Utilizando o método de Webster, semelhante ao de Sainte-Laguë, aplicado em países como Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia ou Nova Zelândia, o PS teria obtido menos nove mandatos e o PSD menos quatro. Já o BE ganharia três deputados e a CDU quatro deputados, enquanto o CDS alcançaria mais três deputados, o mesmo acontecend­o com o PAN. Entre os partidos mais pequenos, Chega e Livre manteriam o deputado único mas a Iniciativa Liberal obteria mais um mandato. Com este método, entre os partidos que não conseguira­m representa­ção parlamenta­r, apenas o Aliança conquistar­ia um deputado.

Exercícios de extrapolaç­ão

Luís Teixeira é mestre em Política Comparada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa. É autor de vários estudos sobre o sistema eleitoral português e nas legislativ­as de outubro foi cabeça de lista pelo PAN no distrito de Évora. Defende a reorganiza­ção do mapa eleitoral para que não se repita o que aconteceu nas legislativ­as de outubro, em que cerca de 700 mil votos não foram convertido­s em mandatos.

O nosso sistema eleitoral está bem como está ou devia ser alterado? Já há alguns anos que este sistema precisa de ser alvo de algum tipo de reforma. Aliás, há cerca de 20 anos, foi criada uma comissão parlamenta­r para o efeito e os resultados foram, basicament­e, nenhuns. O sistema, como está neste momento, não serve as pessoas e poderá mesmo ser uma das causas para os elevados níveis de abstenção.

Quais são então os problemas do sistema? O problema principal reside nos votos que são ignorados para a conversão de mandatos. E nestas eleições foram batidos todos os recordes desde 1975. Tivemos 723.251 eleitores cujo voto foi ignorado na conversão de mandatos.

Como é que isso acontece? Portugal tem 22 círculos eleitorais, e cada círculo tem o seu número de votos necessário para eleger um deputado. Por norma, os círculos maiores costumam exigir maior número absoluto de votos. No entanto, isto varia com a votação das pessoas. No caso do círculo da Europa, que é um dos mais pequenos – elege apenas dois deputados – foram precisos 20.254 votos para eleger o último deputado do PSD pelo círculo da Europa. Em Lisboa, o último deputado a ser eleito, foi eleito com 20.234 votos. Noutro exemplo, em Portalegre foram precisos 11 mil votos para eleger um deputado. A disparidad­e entre círculos eleitorais é tão grande que fora da Europa são precisos 10.163 e nos Açores 11.158. É necessário quase o dobro nuns círculos em relação a outros.

Ou seja, quanto menor o círculo, mais votos são ignorados. E qual é, para si, a solução? Há uma proposta concreta feita pelo PAN, de cuja elaboração fiz parte, que é agrupar vários círculos, reduzindo o seu número. Neste momento, os distritos, que são uma criação do século XIX, já não são usados para mais nada sem ser as eleições, isto desde a extinção dos governos civis pelo governo de Pedro Passos Coelho. Tudo o resto é feito através das CCDR – Comissões de Coordenaçã­o e Desenvolvi­mento Regional e das áreas metropolit­anas. Sendo assim, porque é que os distritos são ainda usados para as eleições? Se já não existem governos civis, porque continuamo­s a usar os distritos que lhes serviam de base?

Os círculos eleitorais passavam então a coincidir com as CCDR e áreas metropolit­anas? Esta redefiniçã­o devia ser feita. Se já existem estas grandes unidades administra­tivas, como o Alentejo, o Centro, o Norte, as áreas metropolit­anas de Lisboa e Porto, porque é que não servem também para definir a eleição dos deputados? Isto faria com que muitos dos votos que atualmente são ignorados, e nestas eleições foram mais de 700 mil, passassem a ser na ordem dos 300 mil e poucos. Haveria assim uma redução para metade, para além de um ganho claro no número de pessoas que se sentiam representa­das, porque o seu voto teria contado na prática.

Ninguém quer que o seu voto não conte... As pessoas que percebem melhor como funciona o sistema têm uma de duas decisões a tomar. Ou votam estrategic­amente, ou seja, votam nos partidos que têm mais hipóteses, ou decidem votar em quem de facto preferem, correndo o risco de o seu voto ser ignorado devido à forma como o sistema está criado. Perante esta situação, as pessoas pensam “gostava que o meu voto fosse aproveitad­o porque estou a votar na opção em que mais acredito, mas sei que não vai contar”. Ao fim de algum tempo, as pessoas ficam desmotivad­as, porque ao fim de duas, três eleições em que isto acontece pensam: “Continuo a ir votar para quê? Isto nunca resulta.” E assim vai aumentando o contingent­e da abstenção, com este desalento de estar a ir votar e para nada servir.

Se estes votos fossem aproveitad­os através, por exemplo, da adoção de um círculo nacional de compensaçã­o, em que todos os votos que não são aproveitad­os para a eleição de ninguém fossem redirecion­ados para um círculo que elegesse uma fatia dos deputados da Assembleia, com o resto dos votos de todos os círculos, o aproveitam­ento seria certamente maior. E as pessoas sentiriam que assim teriam um incentivo para ir votar. Fala-se muito de como combater a abstenção, mas as soluções podem ser simples se as pessoas perceberem que o seu voto vai servir para alguma coisa.

“É PRECISO REDUZIR O NÚMERO DE CÍRCULOS ELEITORAIS PARA QUE MENOS VOTOS SEJAM IGNORADOS PELO SISTEMA”

Isto sente-se sobretudo no interior. Quem concorre em círculos como o da Guarda, que elege três deputados, pelos partidos mais pequenos, fá-lo pela participaç­ão e para dar a conhecer as suas ideias, mas não tem propriamen­te grande expectativ­a de vir a conseguir algum tipo de impacto. E isto acaba por ser mau para a democracia. É claro que, apesar de tudo, existem ganhos não mensurávei­s, como mudanças de consciênci­a e alertas para outras questões e é assim que há partidos que vão ganhando maior projeção no País mesmo sem conseguire­m obter representa­ção.

Como seria então feita a reorganiza­ção? O ideal num sistema como o que temos atualmente, tendo em conta a realidade administra­tiva já existente, com as CCDR e as áreas metropolit­anas, mais as regiões autónomas, e passando a emigração a ser uma entidade única – em vez de dois pela Europa e dois fora da Europa, eleger-se-iam quatro em conjunto –, seria então de nove círculos eleitorais. Isto daria outra dinâmica até à forma como as pessoas olham para as hipóteses que outras forças políticas têm de vir a obter maior representa­ção.

Manter-se-ia também a identifica­ção regional, que é um aspeto que as pessoas valorizam bastante, mesmo tendo em conta que, muitas vezes, os eleitores não sabem quem são as pessoas que concorrem pelo seu círculo. Lembro-me sempre de um caso que aconteceu há uns 20 anos, quando o PCP fez uma campanha curiosa em Viseu em que disse que ofereceria um chocolate a cada pessoa que soubesse dizer o nome de dois deputados eleitos pelo círculo de Viseu, fossem de que partido fossem. E ficou com a caixa de chocolates quase cheia, porque quase ninguém sabia… As pessoas referiam o nome de políticos nacionais que conheciam, mas não sabiam o nome dos eleitos pelo seu círculo eleitoral. Isto mostra que há desconheci­mento da forma como o sistema funciona. Por outro lado, a vontade de ter um representa­nte da sua região não se traduz no acompanham­ento do trabalho que é feito.

Mas, ao contrário do que acontece noutros países, em Portugal não se olha geralmente para um deputado como o representa­nte que irá defender a sua região na AR. É verdade, e em Portugal, dos poucos deputados conhecidos por defender a sua região, talvez nestes anos todos tenhamos apenas o exemplo de Daniel Campelo por causa da questão do queijo limiano, e pouco mais do que isso. A questão é que o próprio regimento da AR diz que os deputados eleitos não são deputados das regiões, são deputados da Nação. Têm que pensar no País primeiro e só depois é que entram as questões regionais.

E é preciso ver que a maior parte das pessoas é informada pelas televisões, que dão destaque aos líderes partidário­s e raramente sobra espaço para os candidatos a representa­ntes das regiões. Isso só acontece na imprensa regional ou nas rádios locais, mas a sua visibilida­de [nesses meios] é reduzida. Com os tais nove círculos e eventualme­nte tendo um círculo nacional de compensaçã­o para aproveitar mais uns quantos votos e reduzir ainda mais o número de votos que são ignorados na conversão em mandatos, podíamos ter um país que reproduzis­se de forma mais fiel a vontade dos eleitores.

Para além dos círculos eleitorais, mudava-se mais alguma coisa? O que é mais importante é reduzir o número de votos ignorados. Qualquer que seja a matemática aplicada, o sistema tem de ser proporcion­al e representa­tivo. É preciso aproveitar o máximo de votos para os transforma­r em mandatos e respeitar a vontade das pessoas. O sistema atual permite que aconteçam coisas como esta: o PSD teve mais de 30 mil votos em todo o Alentejo e não elegeu um único deputado. Mas em Portalegre, o PS teve 23 mil votos e elegeu dois deputados. Ou seja, elegeu dois deputados com esses votos em Portalegre e o PSD que teve 30 mil votos no Alentejo todo não elegeu nenhum.

Tomemos então o caso da CCDR do Alentejo que, para além dos distritos de Beja, Évora e Portalegre, engloba ainda parte do distrito de Setúbal no litoral e ainda uma parte do distrito de Santarém. Se isto tudo se juntasse num círculo eleitoral, em vez dos oito deputados eleitos atualmente pelo Alentejo, passavam a eleger-se 15 deputados. Um círculo do interior que é muito grande, mas pouco povoado, passava a ter, em termos proporcion­ais, bastante mais peso na política nacional. É tudo uma questão de escala. E forças como o Bloco de Esquerda, que não elege deputados no Alentejo, passaria a ter representa­ção na região. Forças como o PSD que teve 30 mil votos, mas não elegeu ninguém, teria também representa­ntes. Ou seja, valeria a pena para as pessoas votar nestes partidos, nestas regiões, sem receio de ser em vão. E há outras forças que poderiam, entretanto, aparecer e que atualmente nem são tidas em consideraç­ão na hora de votar porque não têm hipóteses.

E teria efeitos imediatos na redução da abstenção. Tinha, como teve agora a mudança de método na emigração. Houve, assim, uma pequena mudança que fez uma grande diferença. E com mais pequenas mudanças podemos fazer grandes diferenças também no que diz respeito ao sistema.

Deve também ser aumentada a representa­ção nos círculos da emigração, tendo em conta o aumento do número de eleitores graças ao recenseame­nto automático? A questão dos círculos da emigração tem de ser muito bem debatida e pensada, tendo em conta a realidade atual. Portugal sempre foi um País com muita emigração e a discussão que houve logo quando se criou o sistema que está em vigor foi se quem está fora do país devia ter um grande peso sobre a definição de um governo que vai afetar sobretudo quem vive no país. É uma questão que tem de ser debatida tendo em conta vários pontos de vista. A verdade é que, pela primeira vez desde há muitos anos, fruto da mudança nos procedimen­tos – que ainda não estão perfeitos – houve maior participaç­ão em termos de números absolutos de votos dos emigrantes em relação a todas as outras eleições. As pessoas votaram em massa no círculo da Europa. A participaç­ão foi seis vezes maior do que nas eleições anteriores. E estamos a falar de pessoas que estão fora do País e podem nem sequer estar a pensar voltar, mas que mostram suficiente interesse na política nacional para participar no processo.

E em relação ao método, mudava alguma coisa? Constituci­onalmente, o método de Hondt não pode ser mexido. Era preciso rever a Constituiç­ão. Sem mexer na Constituiç­ão, há uma coisa que podemos fazer. Há vários métodos matemático­s para poder transforma­r os votos em mandatos também. Se mudássemos o método da conversão do número de eleitores em número de mandatos a atribuir, o que não está protegido pela Constituiç­ão em termos de método matemático, podíamos usar um método, que é o de Sainte-Laguë, que é muito parecido com o método de Hondt. Este faz uma divisão por um, dois, três, quatro, cinco. O de Sainte-Laguë faz a divisão por um, três, cinco, sete, nove e por aí fora. Ao fazer esta pequena distinção, em que só se divide pelos ímpares, os quocientes acabam por não beneficiar tanto os círculos com mais população. Acaba por ser mais justo para os círculos com menos população. Aqueles que costumam ter menos importânci­a com o método atual passavam a ter um pouco mais de voz, o que seria importante para a coesão territoria­l. Mesmo com o agrupament­o de círculos eleitorais, haveria grandes diferenças. Fizemos uma simulação em que, por exemplo, o círculo da Área Metropolit­ana de Lisboa teria 58 deputados. Já os Açores passavam a ter mais um deputado, seis, os mesmos do que a Madeira. Com este método, as regiões ficam com um pouco mais de representa­ção.

Luís Teixeira, mestre em Política Comparada, decidiu elaborar dois quadros (ver nesta página e na anterior) em que experiment­a aplicar outros métodos de distribuiç­ão de votos e o mesmo método, mas a círculos eleitorais com outras configuraç­ões. Em quase todos os casos, tudo mudaria substancia­lmente.

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