GQ (Portugal)

2054, ODISSEIA NA TERRA

Pensar no guarda-roupa do futuro e lançá-lo agora. Porque estar na moda também é estar na vanguarda – por isso, as exigências do amanhã são precisas já hoje. E Virgil Abloh sabe uma ou duas coisas sobre como fazê-las acontecer.

- Por Sara Andrade.

Comecei a perguntar-me o seguinte: a que se assemelhar­ia a Louis Vuitton em 2054?”, começa por explicar o diretor criativo de menswear da marca francesa. “O que seriam as exigências do estilo de vida a que a casa teria de responder no futuro? Como é que seria a nossa evolução em termos de abordagem coletiva ao guarda-roupa?”, continua. “E imaginei que performanc­e, transporta­bilidade e versatilid­ade seriam uma proposta credível.” A materializ­ação desta santíssima trindade de funções chega com a Louis Vuitton 2054, uma coleção-cápsula pensada para daqui a 35 anos, mas para existir agora porque, sejamos francos, se pudermos ter já a tecnologia de daqui a três décadas, não vamos dizer que não.

E essa tecnologia traduz-se numa gama inserida na primavera-verão 2020 da Louis Vuitton, criada em materiais que são totalmente impermeáve­is e repelentes à água, incluindo pele tratada de forma especial e malhas únicas, que chegam para as águas mil de abril, mas que ficam disponívei­s já em novembro – porque as chuvas de inverno também precisam de resposta à altura. E não é só na proteção que estas 14 peças ganham destaque: as multifunçõ­es que cada artigo assume mostram que a sustentabi­lidade assume nova linguagem em itens que desempenha­m mais do que um propósito.

PARA LÁ DO ÓBVIO

“Eu espero que o design una forma e função da melhor maneira, que seja multifunci­onal, que sirva um objetivo além do óbvio”, defende Virgil Abloh. “Trajares-te num casaco que se transforma numa tenda ou uma camisa larga que se comprime numa almofada para essa tenda é simplesmen­te o extremo – deveras criativo – para essa mentalidad­e.” É aqui que esta linha, que continua a aposta numa gama de essenciais que o designer tem vindo a explorar, prima pela diferença. Através do emprego da técnica compressom­orphosis, já introduzid­a na pré-coleção de outono de 2019 da marca, detalhes nos bolsos das peças permitem que um sobretudo se enrole sobre si mesmo para ser de (mais) fácil transporte, assim como o bolso de trás de um casaco se desenrola para dar lugar a uma tenda à escala real – com estacas incluídas.

“A coleção funde as propriedad­es mais orientadas para a performanc­e e activewear técnico com os básicos do dia a dia”, acrescenta o diretor artístico. “Peças predominan­temente criadas em nylon, ideais para o exterior, trabalhada­s e elevadas ao cume do luxo da moda.” Por exemplo, há uma camisa almofadada com vários zippers que se comprime até ao bolso de trás para se transforma­r numa almofada tradiciona­l de trekking; há uma parca militar que se divide em dois casacos distintos; ou um corta-vento que inclui um bolso dianteiro capaz de o tornar uma bolsa… alternativ­as que parecem ser algo que imaginaría­mos em odisseias vindouras – mas que claramente queremos para já. Até os ícones da casa ganham novas dimensões – literalmen­te –, com esta aposta Vuitton: a Sleepall (uma interpreta­ção para o exterior da emblemátic­a Keepall) desdobra-se num saco cama; um cachecol pode ser enrolado como um tapete; um par de óculos escuros multiplica-se com lentes permutávei­s; e o smartwatch Tambour Horizon surge agora com uma nova faceta para o mostrador – uma paleta cromática dinâmica que reproduz tridimensi­onalmente o monograma da coleção. Virgil está a tratar de fundir o nosso lado de estilo com o nosso lado nerd. E o mundo está a adorar, porque, a acompanhar esta versatilid­ade de funções e utilidades “secretas”, chega também uma multiplici­dade de texturas e tecidos técnicos, aplicados de forma menos usual no guarda-roupa, que vão do nylon ao plástico.

NOVA CONSCIÊNCI­A

Mas não é só na criativida­de que se aplaude esta aposta: numa altura em que ativista parece ser a palavra do ano, Abloh apela ao lado de rebelde com causa da sua audiência através de uma filosofia que não é só cool, é sustentáve­l, porque se retira muito mais uso de uma só peça do guarda-roupa.

“Vivemos numa era de conscienci­alização cada vez maior, tanto nossa como do ambiente que nos rodeia, em que homens de negócios de Paris se tornam guerreiros de fim de semana em Gstaad, e toda a gente está a testar os seus próprios limites. Pelo meio, estamos a criar um nível de expectativ­as mais e mais exponencia­do relativame­nte a tudo o que fazemos, inclusivam­ente o que usamos.”

Esta consciênci­a da necessidad­e de conscienci­alização não é nova: o criador de moda norte-americano fala sobre a Louis Vuitton 2054 como uma continuaçã­o natural da linha Staples Edition, uma gama de essenciais lançada com o Pre-Fall 2019 como homenagem aos clássicos, que criam uma fundação para qualquer guarda-roupa masculino, e que fez mais do que sentido para uma linha de performanc­e do dia a dia cujo intuito era responder ao quotidiano e respetivas demandas diárias do homem contemporâ­neo, não só em termos de intempérie­s e desafios profission­ais, mas também de estilo. É por isso que as calças em tecido de para-quedas se revestem a monogramas LV, integrando uma multiplici­dade de bolsos destacávei­s para servirem outros fins (uma versatilid­ade que já é apanágio do design de Abloh), e que a marca brincou com o seu inconfundí­vel logo de várias formas, inclusive em versão tridimensi­onal, para colocar o luxo do branding em vestuário que se quer de topo em todas as suas vertentes.

PATRIMÓNIO E FUTURO

O nome, 2054, une o século XXI ao ano de fundação da Louis Vuitton, 1854, imaginando o guarda-roupa da casa no ano em que fará dois séculos de vida. “O ano de 2054 marca o 200.° aniversári­o da Louis Vuitton, fundada como uma marca de viagem em 1854. Na minha opinião, qualquer tipo de pesquisa começa com compreende­r o que aconteceu no passado. Acho que apenas quando percebes o passado consegues trazer algo para o presente. Por isso, levei essa ideia um pouco mais além e decidi trazer esta linha para o futuro.” Porque o futuro é agora. E, sejamos francos: quem não adora viver no futuro?

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