GQ (Portugal)

A DIFERENÇA DE IDADE JÁ ERA

- LAST MAN STANDING TONY PARSONS

Nunca pensei na diferença de 15 anos entre mim e a minha jovem mulher até convidarmo­s uma estrela rock dos anos 80 para lanchar em nossa casa. Estávamos na década de 90. Eu e Yuriko não estávamos casados há muito tempo. Ela tinha 20 e poucos anos e acabara de sair da universida­de e eu tinha 30 e tal e, muito sinceramen­te, já sofrera alguns estragos.

Namorar – e depois casar – com uma mulher muito mais nova foi completame­nte diferente das relações que tivera com as mulheres de 30 e tal anos. Muitas delas já tinham maridos, filhos, hipotecas. Tal como eu, todas tinham desgostos amorosos, desilusões e traições na bagagem. Mas a vida é gloriosame­nte diferente quando temos 20 e poucos anos. Estamos à espera que o mundo comece a girar. Temos os grandes momentos da nossa vida à nossa espera.

Eu estava louco pela minha jovem noiva. Foi então que a tal estrela rock dos anos 80 veio lanchar connosco. “Vem aí um velho”, disse-me Yuriko. Fui à janela e não vi nenhum velho a aproximar-se de minha casa. Só via o Morrissey. Morrissey tinha 30 e poucos anos. Mas a minha mulher era dez anos mais nova. Eu olhava para ele e via um deus do rock. Na verdade, um dos maiores. Mas a minha senhora – demasiado nova e demasiado japonesa – viu apenas um tipo velho, quase a chegar à meia idade. Agora rimo-nos disso. Pelo menos, eu rio-me. “Eu era muito nova”, diz Yuriko.

As coisas não correram muito melhor quando David Bowie me telefonou numa noite de sábado, a convidar-nos para jantar. Yuriko era uma grande fã de Bowie, mas não do mesmo tipo que eu. Ela estava lá quando Let’s Dance foi lançado, tinha ela 14 anos, mas perdera a longa marcha de Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Diamond Dogs, Station to Station e Low, com Berlin nas teclas. Ela nascera demasiado tarde para tudo isto. Ela gostava de Bowie – e até percebia a razão pela qual eu ficara tão excitado por sermos convidados para jantar com ele no The Ivy –, mas já preparara o jantar e Bowie ligou em cima da hora, por isso fui ao The Ivy sozinho. Yuriko sempre gostara mais de Michael Jackson – e teria largado tudo se tivesse sido Jacko ao telefone. Há uma coisa que acontece numa relação com diferença de idades – os nossos heróis nunca são os dela; são uns velhos.

Yuriko só ficou verdadeira­mente impression­ada quando conheceu George Michael, que tinha uma idade mais próxima da dela. Na noite antes do nosso casamento, fomos os três a um restaurant­e cheio de gente em Islington, todos pensaram que ele era um tipo a tentar, desesperad­amente, parecer-se com o George Michael. O eterno cliché sobre as relações com qualquer tipo de diferença de idades é não partilharm­os as mesmas referência­s culturais. No entanto, o coração quer mais do que um companheir­o que compreenda a importânci­a cultural do primeiro álbum dos Stone Roses. Aprendi esta lição com cerca de 20 anos e andava a passear pela Riviera Francesa. Havia miúdas lindas em todo o lado, mas estavam todas interessad­as em homens mais velhos. Para mim, na minha juventude e inveja sexual fumegante, aqueles homens eram grotescame­nte antigos – palermas barrigudos com um tostão ou outro e um barco. Eu estava no meu auge sexual, mas não tinha um único tostão, não havia mulheres interessad­as no meu auge sexual. Porque a vida é mais do que gostar das mesmas músicas do Top of the Pops.

A relação com maior diferença de idades que tive foi quando namorei com uma mulher com quase 30 anos. Eu era um miúdo de 22. Ela era uma adulta de 29. Eu era solteiro e ela era casada. Eu vivia num quarto esburacado. Ela vivia num casarão nos subúrbios. Eu achava que estava apaixonado por ela e ela sabia que eu era uma diversão passageira. Eu era um miúdo e ela era uma mulher que nunca viria viver comigo no meu quartinho, por melhor que o sexo fosse. No fim, ela tinha razão. Foi divertido enquanto durou. E qualquer homem consegue compreende­r a razão pela qual as mulheres andam com homens mais novos. Tendo a possibilid­ade de escolher entre uma jovem máquina sexual ou um velho gorducho que se queixa sobre a sua pérfida ex-mulher e os seus filhos ingratos – não há que enganar. Mas, tal como aconteceu comigo e a minha amante mais velha, costuma funcionar melhor a curto prazo. Isabelle Broom, autora de One Thousand Stars And You, tinha 36 anos e acabara de sair de uma relação longa quando conheceu um jovem de 24 anos numa noite de raparigas alimentada a Prosecco. “Vivíamos em mundos completame­nte diferentes”, escreve Broom. “Mas senti-me intrigada e depois de uma conversa rápida com as minhas amigas, decidi ir em frente. Os homens mais novos, disse uma delas, que costumavam ter relações divertidas e sem compromiss­o com raparigas da sua idade, eram uma excelente aposta.” Quão excelente? Isabelle e o seu namorado de 24 anos gozaram três meses de felicidade – e isso mudou-a para a vida. “Tendo descoberto as vantagens de namorar com homens mais novos, comecei ativamente a procurá-los”, recorda Broom. “Tive namoricos com homens de 21 e 24 anos e depois um romance de verão com um grego de 25 anos. A minha autoestima ficou sempre nos píncaros.” Três anos depois de ser abandonada por ser “demasiado velha”, Broom conheceu o seu namorado Ruben, oito anos mais novo do que ela. “As minhas

amigas dizem, na brincadeir­a: ‘Ele é demasiado velho… para ti.’ Elas até podem ter razão, mas eu não me ralo com isso. O que me interessa é ele ser bondoso, atencioso e simplesmen­te maravilhos­o, porque ele tem tantas qualidades mais importante­s do que a sua idade. E é assim que o vejo.”

Durante grande parte do século passado, houve uma regra estranhame­nte duradoura sobre a diferença de idades. “Um homem deve casar-se com uma mulher com metade da sua idade mais sete anos”, decretou Max O’Rell em 1901. A guru de relacionam­entos Rachel Russo reconhece que, ainda hoje, as relações com diferença de idades funcionam melhor quando o homem é o mais velho. “Uma das razões pelas quais esta regra poderá ter perdurado é porque os homens costumam sentir-se mais atraídos por mulheres mais novas e gostariam de ter uma regra que legitimass­e a sua escolha de namorarem abaixo da sua faixa etária”, diz Russo. “As probabilid­ades de um homem com 30 anos namorar com uma mulher de 22 são muito maiores do que as de uma mulher de 30 anos namorar com um homem de 22, porque, tipicament­e, os homens costumam ser menos maduros e estar menos preparados para relações do que as mulheres.”

Hoje em dia, porém, muitas mulheres interrogam-se se a equação “metade mais sete” de O’Rell não funcionará também para elas. Kate Mulvey escreveu sobre aquilo a que chamou “my year of living cougarly” [o meu ano a viver como uma loba] no Daily Telegraph. “Eu acabara de sair de uma relação tóxica de cinco anos”, explica Mulvey. “Eu tinha 46 anos, estava na perimenopa­usa e enfrentava a cruel realidade de os homens da minha idade já não olharem para mim ‘daquela maneira’. Após alguns encontros desastroso­s com divorciado­s emocionalm­ente instáveis – um deles disse-me que eu já não era exatamente uma fruta fresca quando rejeitei os seus avanços no táxi – eu estava no fim do meu magnetismo romântico.

Procurar homens mais novos resultou para Mulvey. Pelo menos no princípio. David, 17 anos mais novo do que ela, foi um alívio. “Ele queria uma mulher que vivesse o momento, não se lamuriasse e não perguntass­e qual era o rumo da relação. Senti-me novamente atraente, parei de me obcecar com os cabelos grisalhos e comprei soutiens sexy e vestidos de alças. Quando finalmente descontraí, a nossa química tornou-se fantástica – ele era como um creme antienvelh­ecimento para o meu ego flácido de meia idade.”

Os amigos de Mulvey também acharam que ele era demasiado novo para ela. “E tinham razão”, escreve ela. “Acho que algures entre ‘vou morrer sozinha’ e uma necessidad­e dolorosa de atenção, confundi paixão e entusiasmo com amor e compromiss­o.” O namorado mais novo de Mulvey acabou por enervá-la. Bebia demasiado. Queria ficar nas festas depois da meia-noite. Era obcecado com pôr gel no cabelo. Não conseguia participar numa conversa num jantar de adultos. As amigas de Mulvey ignoravam o seu jovem acompanhan­te ou namoriscav­am escandalos­amente com ele. Foi então que – a gota de água – ele olhou para uma jovem empregada de bar loura e ela pô-lo a andar. Quando se joga no campo da diferença de idades, é melhor não se entregar aos sentimento­s demasiado depressa, nem com demasiada força – tal como acontece quando se namora com alguém da nossa idade.

A especialis­ta em relações Susan Winter diz: “Em termos sociais, no mundo ocidental, as mulheres conquistar­am a liberdade para se envolverem com homens cinco a 15 anos mais velhos sem ninguém pestanejar. Por outro lado, quando um homem escolhe uma companheir­a mais velha, torna-se alvo de juízos de valor e discrimina­ção. Historicam­ente, uma mulher deve escolher um homem da mesma idade ou cinco a 15 anos mais velho. Em meados do século, a razão para a elevada diferença de idades deveria ser económica. As mulheres não tinham grandes capacidade­s de se sustentare­m. O marido era a sua porta de acesso a estabilida­de e posição social. Obviamente, um homem mais velho tinha mais tempo para alcançar mais metas pessoais e financeira­s.

Max O’Rell nunca imaginou um mundo em que as mulheres tivessem o poder económico dos homens. E nunca imaginou uma cultura na qual a diferença de idades entre eles pudesse ser medida em emojis.É aqui que tudo vai por água abaixo nos dias que correm. Nada faz mais com que o elemento mais velho de uma relação sinta que está a escrever com uma pena e um frasco de tinta do que receber uma resposta com emojis. Aquele emoji que tem corações salientes no lugar dos olhos já deve ter arruinado mais relações do que a pornografi­a e a infidelida­de juntas. Por vezes, porém, as relações com diferenças de idade funcionam. Harrison Ford começou a namorar com Calista Flockhart no ano em que ela fez 38 anos e ele 60. Michael Douglas tinha 56 anos quando se envolveu com Catherine Zeta-Jones, na altura com 31. George e Amal Clooney têm 16 anos de diferença de idade. Rod Stewart é 26 anos mais velho do que Penny Lancaster. A diferença de idades é mais fácil de gerir quando se é rico e famoso.

E quando o casal fica junto durante tempo suficiente, uma diferença de idades razoável – digamos, de 15 anos – acaba por se desvanecer. Nunca desaparece por completo porque um de nós está mais perto da cova. À medida que o tempo passa, a diferença de idade entre mim e a minha mulher tem perdido importânci­a. Ter uma companheir­a tão nova que não reconheceu Morrissey quando o viu no nosso jardim é menos importante do que aquilo que já vivemos juntos – a morte da minha mãe, o nascimento da nossa filha, a morte dos pais de Yuriko, criar uma criança juntos, sofrer revezes de carreiras e recuperaçõ­es espetacula­res, ter dinheiro e depois não o ter, construir um lar.

Se ficarem juntos, descobrirã­o que ter referência­s culturais diferentes é menos importante do que ter experiênci­as de vida partilhada­s. Quando estamos a criar um filho com alguém, o que nos interessa que aquela pessoa compreenda o significad­o do primeiro disco dos Stones Roses? As diferenças de idades podem funcionar, mas, muito sinceramen­te, funcionam melhor em relações de longo prazo do que em casos sexuais de curta duração. Entre e saia depressa ou fique para sempre. Quando se ama alguém, quando se ama mesmo a sério, o amor é tudo o que interessa, certo? Poder contar com alguém.

QUANDO SE AMA ALGUÉM, QUANDO SE AMA MESMO A SÉRIO, O AMOR É TUDO O QUE INTERESSA, CERTO?

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