GQ (Portugal)

O HERÓI URBANO

- Por Diego Armés.

Jimmy Choo lançou um novo perfume e nós não quisemos perder a festa. Viajámos até Berlim para assistir ao lançamento e entrevista­r uma das criadoras da nova fragrância Urban Hero. Ainda tivemos oportunida­de de conversar com o artista que empresta o rosto à campanha, L’Atlas.

As ruas de Berlim ganham um encanto especial naquela altura em que o verão começa a ceder à persistênc­ia do outono e a luz se torna menos luminosa para ganhar um tom pardo. Ainda estávamos em setembro, mas a chuva já fazia as suas ameaças – viria a concretizá-las mais tarde –, o que não é necessaria­mente mau. Pelo contrário: acrescento­u beleza a uma cidade que já é naturalmen­te bela, com todas as suas feridas, tão largas quanto as suas avenidas, e toda a sua imponência, tão impression­ante quanto a sua história, cheia de heróis (e de vilões), uns mais urbanos que outros.

Atravessám­os a cidade desde o centro até à Reibeckstr­asse, onde fica a Reinbeckha­llen, um armazém que pode ter sido uma fábrica durante os tempos da RDA e que foi, entretanto, transforma­do num polo cultural e artístico, uma galeria muito contemporâ­nea, tudo muito 2019. Chegámos à Reinbeckha­llen, a festa é aqui. Dignos representa­ntes da Jimmy Choo fazem as honras de abertura, apresentam o perfume – uma fragrância cosmopolit­a, um frasco a pensar no homem dos nossos dias, um conceito que aposta, mais do que em transgredi­r, em desfrutar do que a cidade tem para oferecer nos dias que correm. São dias em que, por exemplo, a street art é tão respeitada e conceituad­a quanto a arte que encerramos nas galerias e nos museus. A arte nas paredes dos prédios deixou ser crime para se tornar manifesto e, com o tempo, foi ocupando outros espaços e outros imaginário­s.

L’ATLAS

Não surpreende que o rosto da campanha do perfume a que chamaram Urban Hero seja precisamen­te um artista plástico que tem as suas raízes na street art e no grafíti. Jules Dedet é o nome oficial deste francês gentil e brilhante que assina as suas peças com L’Atlas. É um tipo com graça. “Dinheiro”, responde ele bem alto e sem hesitações quando lhe pergunto o que o levou a aceitar o desafio de ser o rosto desta criação da Jimmy Choo. Solta uma gargalhada logo a seguir – “com a verdade m’enganas”, penso para comigo. “Não, agora a sério, foi a ideia de haver muita a gente a ver a minha arte, eles têm uma comunicaçã­o tão poderosa que eu vou chegar a imensa gente”, esclarece. “Se eu usar só as ruas ou o meu Instagram, nunca atingirei esta escala de comunicaçã­o.” L’Atlas não esconde o jogo, a ideia é chegar às multidões, “na verdade, eu uso-os”, diz ele e ri-se de novo, mas acreditamo­s que esteja a dizer a verdade.

Peço-lhe que me diga o que é um herói urbano e o que é preciso para se ser um. A sua ideia de urban hero é curiosa, diz que tem a ver com uma determinad­a narrativa, “não és ninguém, és só um tipo qualquer a vaguear pelas ruas e consegues espalhar a tua mensagem”. “De repente, dás por ti e frequentas festas em rooftops.” Esta ideia de sucesso é curiosa, até porque parece correspond­er à sua própria história. “Vestes boa roupa, tens dinheiro, é um pouco o sonho americano.” Acaba por confirmar a nossa suspeita, “no fundo, é a minha história – dantes, era perseguido por pintar paredes e agora sou pago para estar aqui a falar contigo”. It figured.

A conversa segue e acabamos por tropeçar naquela pergunta tão rotineira quanto inevitável: que raio de nome é esse, L’Atlas? Conta que, no início, o seu trabalho se concentrav­a em mapas e geografia. “Além disso, é uma palavra universal que toda a gente consegue entender,” acrescenta, demonstran­do que em comunicaçã­o não pede lições a ninguém. Confirma que foi um aspeto em que pensou, logo em 1996 quando vivia no Brasil. “Primeiro que tudo, tem de ser universal”, sublinha. “Já na altura, eu pretendia fundir carateres e ideogramas de diferentes origens, então tinha de ter algo que fosse legível e compreensí­vel.” L’Atlas estudou mesmo caligrafia­s de diferentes longitudes e latitudes, andou pelo Médio Oriente, pela China, por lugares remotos, aprendeu os traços dos árabes e do hebraico, bem como os carateres chineses.

MARION COSTERO

Para além da imagem, ou antes da imagem, há um perfume. E antes do perfume há uma ideia. Quem o diz é Marion Costero, a perfumista que vive no Brasil, que tem um vasto currículo e que assina este perfume a meias com Antoine Maisondieu. “Primeiro, você precisa de uma sensação. Para este perfume, por exemplo, o briefing assentou na street art. Logo, eu precisava de uma coisa urbana. Pode não ser uma base óbvia, eu procurei cimento, procurei asfalto.” Depois, entra a criativida­de do perfumista. “Aí, você pega e transforma noutra coisa. Comecei por aí, por algo contrastan­te nessa base urbana e depois deixei que a criativida­de lhe desse o brilho e o abrisse.”

Urban Hero é um perfume com presença de madeira e com um twist de limão-caviar, cujo aroma é tão distinto e caracterís­tico – mais azedo, nada doce – quanto fresco. A pimenta-preta empresta o seu calor para equilibrar a combinação, enquanto o âmbar-cinza e o vetiver concluem a mistura conferindo elegância à composição.

Marion confirma que este é o seu modus operandi, que começa sempre por uma ideia e por uma sensação para conceber as suas criações. “Às vezes, vou às memórias, que evoco. Cada ingredient­e está relacionad­o com uma lembrança. Procuro no meu arquivo mental, como se fosse a uma prateleira onde guardo os aromas.”

Para terminar, quero saber se Marion reconhece automatica­mente um perfume criado por ela caso se cruze com alguém que o tenha posto. “Sim”, diz, não sem aquela ponta de vaidade saudável. “Ao longo do processo de criação do produto, um perfumista teve tempo para se familiariz­ar muito com o perfume, conheceu-o em todas as facetas”, justifica. “É uma emoção muito forte quando você percebe que alguém está usando o perfume que você criou.”

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