GQ (Portugal)

DEIXEMOS O BACALHAU DE MOLHO

- Por Diego Armés.

A ceia natalícia tem, em quase todo o Portugal, o bacalhau-com-todos como protagonis­ta. Se há dia em que o País é gastronomi­camente uniformiza­do é o 24 de dezembro, à hora de jantar. Este ano, deixamos o “fiel amigo” dos portuguese­s em paz e vamos em busca de tradições alternativ­as.

Estamos sob o domínio claro do bacalhau, de norte a sul, do interior ao litoral. Portugal, este santuário de diversidad­e gastronómi­ca, junta-se à mesa na ceia de Natal para comer o mesmo de ponta a ponta: bacalhau cozido com batatas e couves. Há variações pontuais – uns ovos cozidos, uma couve específica ou uns grelos em vez de couves, grão-de-bico para juntar às batatas, enfim, divergênci­as menores numa unanimidad­e quase confranged­ora. Decidimos, por isso, partir em busca de ementas alternativ­as para a consoada. Não encontrámo­s grandes focos de resistênci­a ao nacional-bacalhoísm­o instalado, porém percebemos que, em certas zonas, a ceia não tem de ter espinhas. Por exemplo, nas regiões autónomas, a consoada tem outros sabores e aromas. No Sul de Portugal, e apesar das cedências recentes à tendência geral, a mesa ainda se compõe de outra forma. No extremo, na raia transmonta­na, a tradição também manda que os tentáculos tomem o lugar das barbatanas. Na costa norte, continuamo­s com barbatanas que nem sempre são de bacalhau. Juntando a estas divergênci­as umas quantas alternativ­as mais ou menos pontuais, temos o que chegue para deixar o bacalhau de molho e aproveitar para desfrutar outros sabores não menos natalícios.

ILHAS DE SABOR

A Madeira e os Açores oferecem as suas alternativ­as às tradições continenta­is. Os madeirense­s são mais frugais e podem contentar-se com uma canja de galinha à consoada, mas o seu prato forte é a espetada de carne em vinha de alhos. A espetada deve ser feita em pau de loureiro. Os açorianos são mais adeptos da galinha guisada. Falamos de galinha do campo. Esta é feita num tacho, partida em pedaços, alourada primeiro e cozida em seguida com cebola açafrão e vinagre. Acompanha com massa (pode ser macarrão riscado) cozida à parte.

Quando tudo estiver cozido, junta-se num tabuleiro, adiciona-se queijo ralado e leva-se ao forno a gratinar.

POLVO TRANSMONTA­NO

Não será um exclusivo de Trás-os-Montes, mas é sabido que a zona raiana da região, na sua fronteira com a vizinha Galiza, faz gala de ter polvo na mesa da consoada. Há quem goste do polvo cozido com todos – batata, couve e ovo cozidos –, mas nós somos mais pelo modo lagareiro com batata a murro. Cozem-se o polvo e as batatas em separado, até que fiquem macios. Juntam-se todos num tabuleiro regado com molho de azeite, alho, cebola e coentros, e levam-se ao forno. Vinte minutos depois, está pronto a servir.

O GALO DO SUL

No Alentejo, vem cozido ou guisado para a “missadura” (também se chama assim a consoada em certos lugares da região), enquanto no Algarve o preferem assado. A sul, o galo é quem mais ordena à mesa na véspera de Natal. Em

qualquer dos casos, o mais importante é que seja um galo caseiro. Na versão alentejana, o melhor é fazer na panela de pressão. Depois de um refogado generoso, juntar os pedaços do galo e deixar que a magia aconteça. No fim, retirar o galo e fazer um arroz de ervilhas no caldo. Na versão algarvia, o galo vai inteiro ao forno sobre uma cama de arroz. Convém que vá bem regado com sumo de laranja – algarvia, pois claro – e barrado com manteiga e temperos a gosto.

CONGRO NA TERRA DO PEIXE

Em certas localidade­s costeiras do Minho e do Douro Litoral não é o bacalhau o peixe-rei. Aqui é terra do congro. Para quem não sabe, congro é safio – no Norte diz-se de uma maneira, no Sul diz-se da outra. O congro pode ser cozido e acompanhad­o pelas tradiciona­is batatas e couves. Mas, se se tiver imaginação, o peixe pode ser cortado em postas finas e frito previament­e. Depois, deve acompanhar com um arroz de legumes – pode ser de grelos, por exemplo. Há lugares onde, em vez do congro, se usa a raia, tudo nos mesmos moldes.

ESTE SANTUÁRIO DE DIVERSIDAD­E GASTRONÓMI­CA JUNTA-SE À MESA NA CEIA DE NATAL PARA COMER O MESMO DE PONTA A PONTA: BACALHAU

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