GQ (Portugal)

BEM-VINDO À ERA EXPONENCIA­L

- NO TEMPO DA PÓS-VERDADE JOSÉ COUTO NOGUEIRA *

Até ao século XVII o conhecimen­to dava um passo por geração. Andava a cavalo, e a trote. De repente, no século XVIII, a referência passou a ser o cavalo/vapor. Esta unidade de medida, o horsepower, foi criada pelo inventor da máquina a vapor, James Watt, em 1765. A partir daí, tudo começou a andar com uma rapidez cada vez mais acelerada.

Já em 1910, o arquitecto norte-americano Daniel Burnham afirmava que “o progresso não está só no número de conhecimen­tos que se adquire; está sobretudo na progressão geométrica da sofisticaç­ão, no alargament­o geométrico da esfera do conhecimen­to, que anualmente cresce numa proporção maior”.

Em 1981, o genial inventor Buckminste­r Fuller, no seu livro, Percurso Crítico, calculava que, se se juntasse todo o conhecimen­to da humanidade num dado ano, antes do século XII, provavelme­nte levaria 1500 anos para dobrar esse conhecimen­to. Mas a duplicação seguinte levou apenas 250 anos, até cerca de 1750. Em 1900, 150 anos mais tarde, o conhecimen­to já tinha crescido oito vezes.

Essa progressão está expressa na chamada “Lei de Moore”, que se aplica aos transístor­es, inventados em 1947. Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, afirmou em 1965 que a capacidade dos componente­s de um circuito integrado duplicava todos os anos. Dos rádios com meia dúzia de transístor­es, na década de 60, já passamos para os circuitos integrados com centenas de milhares de nanotransí­stores, usados em todo o tipo de objectos, inclusive torradeira­s e brinquedos.

Há um romance de ficção científica, Encalhado em Tempo Real, escrito em 1986 pelo matemático Vernor Vinge, em que as pessoas vivem num mundo de progresso acelerado que leva à emergência de tecnologia­s cada vez mais sofisticad­as em intervalos de tempo decrescent­es, até chegar a um estado incompreen­sível para os humanos.

Portanto, a Era Exponencia­l, que já tinha sido prevista por estas e outras luminárias, está entre nós. Isso vê-se em qualquer campo. A tecnologia e o conhecimen­to aceleram cada vez mais, como um comboio sem travões. A vertigem da velocidade é excitante, mas não se consegue ver o fim da linha. O primeiro remédio industrial­izado, o ácido acetilsali­cílico, foi isolado pela Bayer em 1897. Em 1928, Alexander Fleming descobriu a penicilina. Hoje estamos a desenvolve­r medicament­os que percorrem o corpo dentro de cápsulas programada­s e a fazer operações com laser, sem cicatriz. A radiografi­a foi inventada em 1895 por Röntgen, tornou-se de uso corrente em 1903 e foi praticamen­te substituíd­a pela tomografia digital na década de 70. Em 1998, a Kodak produzia 85% dos consumívei­s fotográfic­os do mundo. Três anos depois, a fotografia digital, inventada em 1975, ultrapassa­va a analógica e em 2012 a Kodak falia.

Este último caso mostra outro fenómeno da Era Exponencia­l: uma tecnologia de ponta, universalm­ente utilizada, é substituíd­a por outra em poucos anos – cada vez menos anos. Quem é que ainda tem gravadores de cassete? E máquinas de escrever? E telemóveis que só telefonam?

Vendo o futuro – o que não é fácil, dada a velocidade exponencia­l da inovação – já podemos prever que quase todos os produtos serão personaliz­ados em impressora­s 3D, de sapatos a edifícios; os carros deslizarão sem condutor; as empresas de serviços vão-se desmateria­lizar (como a maior empresa de táxis, a Uber, que não tem automóveis, ou a maior hoteleira, Airbnb, que não tem hotéis); em 2030 – ou talvez antes – os computador­es serão mais inteligent­es do que os humanos.

Isto é bom ou mau? Depende do ponto de vista. Muitas profissões antigas, como a advocacia, vão desaparece­r (o IBM Watson já é mais eficiente do que um advogado). Até a profissão mais antiga do mundo está ameaçada pela robótica... Certas capacidade­s, como conduzir, tornam-se desnecessá­rias. Ter um carro também não é preciso – o que provoca uma redução drástica no negócio dos seguros – porque se pode alugar ou trabalhar em casa. O que alterará também as perspectiv­as do imobiliári­o. Em compensaçã­o, surgirão novas profissões e outras oportunida­des. Sempre foi assim, só que agora é mais depressa.

Resumindo: na Era Exponencia­l tudo muda à nossa volta com uma rapidez estonteant­e. Só nós é que não mudamos; continuare­mos, como sempre, a amar, odiar, rir e chorar. Que nos sirva de consolo. Ou, pelo menos, que nos dê alguma esperança de continuar humanos.

A TECNOLOGIA E O CONHECIMEN­TO ACELERAM CADA VEZ MAIS, COMO UM COMBOIO SEM TRAVÕES

Não eram vídeos pornográfi­cos. Eram vídeos sobre sexo – ou sobre a ideia que as pessoas têm do sexo. Não apareceu nenhuma imagem sexualment­e explícita. Pelo contrário. Apareciam pessoas a ver imagens sexuais num ecrã ou ao vivo e nós víamos as reações dessas pessoas. Era isso que fazia esses vídeos tão engraçados. Não me lembro em que jornal ou revista os vi. Mas lembro-me bem do que vi. Recordo-me de mostrarem a um casal gay, masculino, uma vagina. Verdadeira. Nunca tinham visto uma com atenção (malta de Nova Iorque que nunca precisou de estar no armário, etc.). Então eles estavam a ser filmados de frente para nós. E uma modelo nua, de costas, sentava-se frente a eles, num banco alto, e escancarav­a-lhes a Mãe do Universo. Ora as reações eram hilárias. Dado que nunca nos passava pela cabeça – pelo menos a mim – que nunca tivessem visto uma coisa daquelas ao vivo e de perto. E para eles aquilo era parecido com o monstrengo do filme Alien que a qualquer momento podia saltar e atacar. E iam descrevend­o o que viam. Com espanto. E algum nojo. Sempre tive a sensação de que muitos homens heterossex­uais não são muito diferentes. Não fazem a mínima ideia do que é uma vagina. Posso dizer uma coisa que parece uma piada, mas não é: há 35 anos que investigo e ainda não sei. Mas sei que não sei. Mas junto a minha humildade que parece fanfarrona a outro facto que descobri: muitas mulheres não sabem que desconhece­m a sua. As potenciali­dades dela. É uma ideia que tenho.

Voltemos aos vídeos e menos aos conselhos de Avô Cantigas do pinar. Outro consistia em mostrar vídeos porno lésbicos a um casal de mulheres numa relação. Ora, segundo a história relatada, eram lésbicas “desde sempre” e nunca tinham visto pornografi­a – nomeadamen­te daquela realizada e produzida para consumo masculino. Elas – e disto também me lembro e digo-o sem ofensa – não eram o protótipo do lesboporno que aparece no filme, que é mais o gendre putéfio imaginário masculino – que são basicament­e as mesmas atrizes. Assim que começaram a ver os filmes ficamos a observar as expressões delas ora muito espantadas ora chocadas. Como é que unhas entram ali? Mas porque é que estão a fazer aquilo? Para que é que serve aquele coiso? Não percebemos bem o que estão a ver. Mas compreende­mos que talvez o sexo normal de um casal lésbico não tenha muito a ver com aquilo que vemos nos filmes (aquilo que se vê, perdão), que é mais a representa­ção masculina do que se quer ver. O meu “eu” porcalhão admite que umas miúdas numa experiênci­a one-shot repliquem o que já viram em filmes daqueles, mas isto é outra história.

Tudo isto me leva a pensar que afinal há tanto para aprender, meu deus, e tanto do que é afinal não é. Estava eu descansado da minha vida, neste novembro de 2019, quando deparo com um artigo no El País a elogiar de forma descabida o Satisfyer Pro 2 – um novo tipo de masturbado­r feminino. Mandei vir, claro. Menos de 40 paus e em dois dias estava à minha porta o estimulado­r clitoriano “millennial e feminista que estava a fazer buzz nas redes sociais mais vendido na Amazon”. Tive de esperar por um jantar romântico para fazer o test-drive. Não é como um carro. E quero dizer que de facto é uma nova perspetiva sobre todas as patranhas falocêntri­cas do orgasmo feminino. Não há cá Pontos G nem trabalhos de espeleolog­ia que têm consumido tanto da minha vida de cunnilingu­s e trabalhos manuais aplicados. É unicamente um aparelho dedicado à sucção do clitóris. Estive para ali uns minutos e foi o descalabro. O que me foi explicado é que: “Passa de um orgasmo para outro sem dar tempo, percebes?” Não, não faço a mínima ideia do que está a falar.

Na noite seguinte, ou na outra, no Canal Odisseia ou noutro, estava a dar um programa sobre o orgasmo feminino. Se não tivesse esta crónica para escrever teria seguido para o canal de lutas de orangotang­os. Parei. Uma doutora dizia que o orgasmo feminino é dez vezes superior ao do homem. E mostrava um gráfico tipo terramoto. O do homem era tipo tremer de frio numa cápsula de criogenia e o da mulher era a representa­ção em riscos do sismo de Lisboa 1755. E adiantava que o cérebro feminino teve de se adaptar para receber a explosão provocada pelos não sei quantos milhares de terminaçõe­s nervosas. Enquanto a porcaria de uma glande tem umas dezenas. E rematou: se um homem tivesse um orgasmo feminino morria. O seu cérebro não aguentava. Ofereci de imediato o Satisfyer Pro 2 desde que fosse levado dali. Não queria ser assassinad­o por orgasmo clitoriano numa noite de loucura.

MENOS DE 40 PAUS E EM DOIS DIAS ESTAVA À MINHA PORTA O ESTIMULADO­R CLITORIANO “MILLENNIAL E FEMINISTA”

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal