GQ (Portugal)

Dino D’Santiago

“Foi um ano louco, ‘tás a ver? Daquelas cenas que tu achas que só acontece nos filmes. Aconteceu-me tudo num ano.” Sentámo-nos e foi sobre esse ano que falámos com Dino. O ano que o pôs nas bocas e nos ouvidos do mundo.

- Por Ana Saldanha. Fotografia de Branislav Simoncik.

Na noite de festa em que Dino D’Santiago subiu ao palco para receber a distinção de Homem do Ano na Música já tinha sido apresentad­o como sendo de Quarteira e de Santiago, de Lisboa e do Porto, do funaná e do hip-hop e, sobretudo, como sendo nosso. Embaixador e apaixonado pela Lisboa crioula que respira e que se alimenta das diferentes culturas e que se une na sua música, Dino não esconde a importânci­a de não se deixar deslumbrar. “Não é sonho nenhum” é a frase que repete em quase todas as publicaçõe­s que faz no seu Instagram. Talvez porque foi já a meio dos 30 que o cantor viu o seu nome marcado no panorama musical português e internacio­nal, no que foi a concretiza­ção dos anos de trabalho e de vontade que existiram desde sempre. Com Mundu Nôbu a fazer um ano, o cantor encheu salas por todo o mundo, recebeu distinções nacionais e internacio­nais e nunca parou de fazer música nem de sentir, de perto, o seu público.

2019 foi mesmo o teu ano, não foi? Quando tu metes o alfinete no ano que mudou a tua vida em tudo, eu sinto que 2019 é o meu ano. Um dia quando eu partir quero que as pessoas se lembrem de 2019 porque foi realmente um ano inesquecív­el a todos os níveis. Foi um ano de sonho... e eu sinto-me muito, muito feliz. Foram várias as coisas que acontecera­m. Foi ser reconhecid­o em Cabo Verde – que foi o país de onde as canções saíram – e receber o prémio de melhor artista nos Cabo Verde Music Awards e nos nossos Globos de Ouro, os Somos Cabo Verde, o prémio da música. E em Portugal também fui acarinhado pelos prémios Play, os primeiros da música portuguesa, com Melhor Álbum, Melhor Artista e Prémio da Crítica. Foi um ano em cheio, um ano em que levei 18 músicos numa tour mundial com a Madonna, que são 97 concertos. São 18 pessoas a representa­r Portugal –14 mulheres –, a representa­r as batucadeir­as e a viverem um sonho que muitos de nós nunca vivemos... a representa­r o que é esta Lisboa crioula e isso deixa-me muito feliz, não só pelo meu caminho, mas pelas pessoas que vou levando comigo.

Estavas à espera de tudo isto? Era uma ganda mentira se eu te dissesse que esperava isto tudo, não esperava. Esperava uma certa resistênci­a de um lado e do outro. Esperava resistênci­a de Cabo Verde por estar a trazer algo novo e a fundir as tradições rítmicas do batuque e do funaná para uma sonoridade mais global e eletrónica e, deste lado, esperava resistênci­a por ser um álbum 80% cantado em crioulo e os outros 20% em português. Mas foi um amor à primeira vista dos dois países… e de ambos os países recebi muitos elogios, desde o Presidente da República de Cabo Verde ao Presidente da República de Portugal... Mas melhor ainda é o público que se vai manifestan­do todos os dias. Já houve crianças a nascer enquanto as mães ouviam o Mundu Nôbu.

E qual era a mensagem que querias passar com o disco? Com o disco, o essencial era mesmo que nós não precisamos de reproduzir fórmulas americanas, anglo-saxónicas ou francófona­s para conseguir triunfar na música. Nós temos ritmos tão ricos no espectro lusófono, desde o Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé, Guiné… e o nosso Portugal que também é riquíssimo, do Norte ao Sul. E nós continuamo­s repetidame­nte a tentar copiar a fórmula anglo-saxónica por acharmos que é a que vence no mercado. E saber que os nossos ritmos tão ricos nos podem dar essa luz e que nos podem colocar no mapa – como o Fado já está – foi a maior proposta. E realmente funcionou. Senti que funcionou e que se abriu uma nova página.

Achas que foste bem-sucedido? Ou a mensagem foi mudando de acordo com a maneira como as pessoas a receberam? Felizmente, a proposta inicial foi mesmo trazer uma voz para algo que já existia, esta Lisboa crioula, esta mistura – e dar uma voz a um movimento que estava a ser

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