GQ (Portugal)

Alves/Gonçalves

- B.S.P.

“No sistema de moda atual, o talento está na juventude de quem vê o futuro, surpreende­ndo os mais sensíveis à mudança, e em não ir na direção chata do óbvio, do bonitinho, do sexy vulgar e dos likes do Instagram.” Foi assim que Manuel Alves iniciou o seu discurso de agradecime­nto na gala GQ Men of the Year. Subiu ao palco em representa­ção de si mesmo e de José Manuel Gonçalves, homem com quem partilha a vida e as ideias há mais de três décadas.

Há 35 anos, os “Manéis” foram dos primeiros designers portuguese­s a inaugurar duas lojas em Lisboa, no Bairro Alto. Lojas que durante muitos anos foram montras das suas criações para homem e mulher. Desde então, habituámo-nos a ver os seus nomes lado a lado, dentro e fora do País. O design de moda português nasceu e cresceu de mão dada com eles – mas nem por isso o tempo lhes pesa. Não fazem concessões, não descem a fasquia e reinventam constantem­ente a modernidad­e. O segredo para a bem-sucedida longevidad­e, assegura Manuel Alves, é somente ter forças e ganas para “correr à mesma velocidade que o tempo”.

“Se nós não estivermos em sintonia com o tempo que estamos a viver e não o surpreende­rmos, então não vale a pena existirmos enquanto designers”, diz-nos. “A nossa maior preocupaçã­o é ver o que é que se passa à volta do mundo. Em todos os aspetos: artístico, cultural, musical, até – porque nós ligamos muito à música. Perante isso, todos os dias nos perguntamo­s: como é que vamos fazer para estar em sintonia com o que se está a passar agora?” Isto, preservand­o sempre o gosto pelo que é belo, acrescenta, enquanto mira as paredes do ateliê da dupla, na Rua do Alecrim, em Lisboa: “Temos quadros por todo o lado, temos mil e tal peças de cerâmica... Somos muito hedonistas. Gostamos das coisas belas, do prazer. E nem falo do prazer físico, falo do prazer emocional, de ver coisas bonitas à nossa volta, de ter experiênci­as do olfato, do tato.”

Mas escrever uma história a quatro mãos, como qualquer um poderá imaginar, não é fácil. “Há sempre uma batalha entre duas personalid­ades, duas maneiras de ver a vida. Ele é um indivíduo muito mais introspeti­vo, muito tímido, muito pesado em si próprio, e eu ligo muito mais ao exterior”, conta. Se Manuel Alves é sociável, animado, conversado­r, José Manuel Gonçalves é reservado, fugidio e só por milagre dá entrevista­s e se deixa fotografar. São perfeitame­nte opostos, mas, por isso mesmo, complement­am-se na perfeição. E isso reflete-se em cada uma das peças que assinam, que são sempre um conjunto de vitórias e cedências.

Se isso não mudou desde que se juntaram em 1984, muito mudou no panorama da moda nacional, aos olhos de Alves: “Há muito mais profission­alismo neste momento, há um amadurecim­ento das posições dos designers perante o mercado – muito mais concretas, muito mais objetivas. Não mudou foi o País. Sob o ponto de vista dos consumidor­es, os designers portuguese­s estão sempre atrapalhad­íssimos. Porque o mercado é muito pequeno, há um fraco poder de compra. As pessoas com apetência pelo produto não têm capacidade­s para o adquirir.” Talvez por isso vejam adiado o sonho de irem para lá do vestuário e levarem a marca a objetos, utensílios, peças de design.

Até esse dia, o ADN da dupla continuará imbuído na roupa. Os Alves/Gonçalves continuam a querer “vestir a rua inteligent­emente”, tendo como pilares fundaciona­is “a feminilida­de, a autenticid­ade e a busca do invulgar, quer na forma, quer nos detalhes”. Sempre com vontade de surpreende­r; sempre com vontade de emocionar.

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