GQ (Portugal)

Os miúdos já não sabem ver as horas

- E EU, MILLENNIAL ME CONFESSO. CRÓNICA POR ANA SALDANHA

Atendência começou no Reino Unido, por coincidênc­ia a casa do Big Ben. Em abril do ano passado, um artigo publicado no Telegraph explicava que os professore­s teriam começado a perceber que os alunos entre o 9.º e o 12.º ano de escolarida­de tinham dificuldad­es em ver as horas durante os exames, acabando por estar constantem­ente a perguntar aos professore­s quanto tempo ainda tinham para realizar a prova. O motivo? Os miúdos não sabem ver as horas em relógio de ponteiros. Porque o relógio de bolso de hoje é o telemóvel e mostra as horas em formato digital, tal como os computador­es e os demais aparelhos eletrónico­s com que estamos habituados a lidar no dia a dia.

Em maio deste ano, o Jimmy Kimmel Live, um famoso late-night talk show, lançou uma rubrica chamada Can Young People Read a Clock? (em português: será que os miúdos sabem ver as horas?), que consistia em pequenos clipes de jovens que eram interpelad­os na rua com o desafio de ver as horas num relógio analógico. Dos cinco entrevista­dos, que pareciam ter entre 20 e 25 anos, nenhum foi capaz de dizer as horas.

O choque instalou-se. Como se deve ter instalado quando se foram perdendo outras habilidade­s essenciais como trocar a fita de uma máquina de escrever, rebobinar uma cassete ou ler um relógio de sol. Mas se, por um lado, muitos se perguntava­m porque é que não se estava a ensinar esses miúdos que têm exames a ver as horas, do outro lado perguntava-se para quê fazê-lo.

No meu tempo – que não foi assim há tanto tempo – aprendíamo­s a ver as horas na escola primária. A Educadora de Infância com quem falámos contou-nos que, a partir dos 5 anos de idade, já se começam a transmitir noções de tempo às crianças (e que, antes disso, qualquer tentativa é um desafio tão grande como apertar os atacadores).

O que acontece é que, depois da primária, continuamo­s a estar familiariz­ados com atacadores, mas nem todos continuamo­s a tratar os relógios de ponteiros por tu. No meu caso, lembro-me de saber ver as horas marcadas pelos ponteiros com a facilidade com que hoje olho para o formato 00:00. Provavelme­nte porque os meus avós tinham um relógio de parede por cima da janela e porque eu não tinha um telemóvel no bolso. Os relógios analógicos têm o tempo contado? Provavelme­nte não. Mas o facto de os millennial­s estarem a deixar de saber ver as horas com a desenvoltu­ra com que o fazem os seus pais e avós pode ter várias interpreta­ções: os professore­s simplesmen­te deram prioridade a outro tipo de conhecimen­to no seu percurso escolar; o hábito de usar relógio é cada vez mais raro; ou, simplesmen­te, no tempo que separa o hoje do dia em que aprendemos a ver as horas na escola primária, fomo-nos esquecendo de como se faz, ganhámos ferrugem numa prática que não é usada todos os dias.

O relógio de bolso

de hoje é o telemóvel e mostra as horas em formato

digital

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