GQ (Portugal)

MÚSICA

- Por Paulo Narigão Reis‚

Foi há 50 anos, numa sexta-feira 13, que o rock ‘n’ roll ganhou um novo peso.

A 13 de fevereiro de a banda britânica Black Sabbath lançou

o seu primeiro e homónimo álbum E foi nesse dia há  anos uma sexta feira que nasceu o heavy metal O rock ‘n’ roll acabara de se tornar mais pesado

Achuva cai com força e, por entre os trovões, ouve-se um sino a tocar, em breve acompanhad­o por uma guitarra elétrica cujo som, pesado, ainda se estranha naqueles primeiros dias da década de 70. A música chama-se Black Sabbath, tal como o álbum que abre, tal como a banda que a toca. O heavy metal, tal como o conhecemos, acabara de nascer, numa sexta-feira, dia 13 de fevereiro de 1970, faz este mês meio século.

O primeiro álbum da banda formada por Ozzy Osbourne (voz), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria) é hoje universalm­ente aceite como o primeiro disco de um novo estilo de rock que marcaria as décadas seguintes e que se dividiu em inúmeras variações e subgéneros, do doom metal ao black metal, do thrash metal ao death metal, do grindcore ao metalcore, sem esquecer uma série de géneros cujas origens podem ser traçadas ao heavy metal, como o grunge ou o stoner.

Embora a origem do termo seja geralmente atribuída a William Burroughs, o seu uso remonta ao século XIX quando se queria falar de canhões, grandes e barulhento­s, e é também utilizado para designar, por exemplo, o envenename­nto por metais pesados.

O heavy metal como género musical não nasceu, naturalmen­te, da noite para o dia. Bandas britânicas de meados da década de 1960, como os Cream, de Eric Clapton, J, os Yardbirds ou o Jeff Beck Group, ou músicos do outro lado do Atlântico como Jimi Hendrix, já se tinham aventurado para além do blues rock com a criação de um som mais pesado e com o uso da guitarra propositad­amente distorcida. E até podemos situar, liricament­e falando, o uso da expressão: “I like smoke and lightning/Heavy metal thunder”, cantavam os Steppenwol­f em 1968, no clássico Born to Be Wild.

Foi, assim, com o primeiro álbum dos Black Sabbath que nasceu verdadeira­mente o heavy metal, apesar de o mundo já conhecer, na altura, os Led Zeppelin ou os Deep Purple, cujo rock, indubitave­lmente pesado, bebia mais nos blues ou no rock psicadélic­o.

Black Sabbath, o álbum, foi gravado em 12 horas. “Fomos para o estúdio e fizemos a coisa num dia, e até achámos que era demasiado tempo. No dia seguinte fomos à Suíça tocar por 20 libras”, recordou o guitarrist­a Tony Iommi numa entrevista à Music Week em 2009, quando contou também que o som pesado que os Sabbath mostraram ao mundo ficou a dever-se em grande parte a um acidente industrial. Com metal, como só podia ser. “Quando tinha 17 anos, trabalhava numa fábrica com chapa e um dia uma lâmina fugiu-me e cortou as pontas do dedo médio e do anelar.” Todos os médicos a que foi disseram-lhe que nunca mais conseguiri­a tocar guitarra. “Já estava a ficar desesperad­o quando o meu encarregad­o na fábrica apareceu em minha casa com um disco e disse-me para ouvir.” A última coisa que apetecia a Iommi era ouvir música, mas o encarregad­o insistiu. “Era música de guitarra e tenho de admitir que era fantástica, mas era como se estivesse a esfregar as cordas. E o meu chefe disse-me então que era o Django Reinhardt, o fabuloso guitarrist­a de jazz, que tinha perdido dois dedos num incêndio e usava os outros dois para fazer aqueles solos incríveis. Foi ele que me inspirou a continuar e a desenvolve­r o meu próprio estilo de tocar.”

Ao contrário de Django Reinhardt, Tony Iommi queria usar os dedos todos. E foi assim que construiu um par de falangetas de plástico tirado de uma garrafa de detergente para poder pressionar as cordas e que forrou com cabedal (que depois trocaria por próteses). Passou também a usar cordas ultraleves para reduzir a pressão. O resultado, não intenciona­l, foi um estilo completame­nte novo que muitos veem como a base da guitarra de heavy metal.

Para Chris Ingham, editor da revista Classic Rock e historiado­r dos Black Sabbath, “foi um ato de Deus”: “Como não conseguia sentir as cordas da guitarra, mudou a afinação e desenvolve­u aquele fraseado mecânico que resultou no som dos Sabbath e de onde partiu o heavy metal.”

O álbum atingiu um respeitáve­l lugar número oito no top do Reino Unido e, do outro lado do Atlântico, chegou ao número 23 da Billboard 200. Mas a crítica musical não ficou convencida. O mítico Lester Bangs foi particular­mente arrasador, escrevendo-se na Rolling Stone que os Black Sabbath soavam “como os Cream, mas piores”. “A vocalizaçã­o é escassa, a maioria do álbum é preenchida por pesadas linhas de baixo sobre as quais a guitarra faz Claptonism­os retirados dos piores dias do mestre nos Cream”, escreveu o crítico. A Rolling Stone acabaria por reconsider­ar e colocou Black Sabbath na sua lista dos 100 melhores álbuns de estreia de todos os tempos e no Rolling Stone Album Guide já se fala de “um álbum que come hippies ao pequeno-almoço”. Outro crítico famoso, Robert Christgau, que fez a sua carreira na Village Voice, também não foi meigo para o debute dos Sabbath. “Bullshit necromancy”, escreveu, um reflexo do “pior da contracult­ura”.

A verdade é que, de entre todos os pioneiros do metal, dos Led Zeppelin aos Deep Purple, dos Steppenwol­f aos Blue Cheer, o som dos Black Sabbath é o que, ainda hoje, depois de meio século de evolução e do aparecimen­to de milhentos subgéneros, continua a ser instantane­amente identifica­do como heavy metal.

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