GQ (Portugal)

TEMA DE CAPA

Aos 53, e com quase tantos anos de vida como de palco, garante que o seu segundo ato ainda está a começar e que será ela própria a decidir quando cai o pano.

- Por Ana Saldanha. Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Nelly Gonçalves.

Dos palcos e ecrãs até às páginas da nossa revista, Claudia Raia fala-nos sobre o velho sonho de ser bailarina, do corpo como instrument­o de trabalho e da importânci­a de saber envelhecer.

Portugal viu-a pela primeira vez em 1987 como Ninon em Roque Santeiro, mas foi Claudia Raia que nos entrou pela casa adentro e não saiu mais. Atrás dos papéis de comédia, drama ou em modo femme fatale, estavam anos de dança clássica e moderna, de teatro musical e de revista, de passagens por companhias de dança em São Paulo, casas de espetáculo­s em Buenos Aires e uma curta passagem por Nova Iorque. Estreou-se como produtora com 19 anos, sem medo de estar a ocupar um lugar que era dos homens. De mulher grande fez-se grande mulher, mulher furacão e, no meio das bandeiras que levanta pela artes, há uma que hoje lhe fala mais alto: a de Mulher 50+ que não se esconde atrás desse número e que muito menos deixa que a escondam. Fala do seu caminho, que se fez da coragem ampliada pela inocência da juventude e pela ingenuidad­e de quem sonha muito alto. Mas Claudia não se ficou pelo sonho.

Como é que uma Claudia de 7 anos chega a uma figura como Lennie Dale e diz “eu quero dançar”? Pior que isso! “Eu sou Maria Claudia Motta Raia e eu danço igual a você.” E antes eu tinha enlouqueci­do a minha mãe para me levar até ao Lennie Dale. É o auge da coragem, da cara de pau, como a gente fala no Brasil, a pessoa chegar ao maior bailarino do mundo, um dos maiores coreógrafo­s do mundo e falar isso... E ele achou graça, né? Porque eu tinha 7 anos de idade, era uma criança. Ele falou “Ai é? Então dança para mim. Quero ver.” E eu subi no palco e dancei para ele. Não fiquei pensando se eu ia dançar ou não. Dancei. E ele disse “é Lennie Dale de saia!” E me adotou para sempre. Ele é meu grande mestre, minha grande inspiração... Ele e Bob Fosse, que também é o maior coreógrafo da vida inteira. Eu assisti a todos os filmes que ele dirigiu e que ele coreografo­u e acabei fazendo todos os papéis da obra dele como o Sweet Charity, o Cabaret... Engraçado, né? Inspirou mesmo. E depois o Lennie Dale, para além de me ter adotado, ficou sendo responsáve­l por tudo. A minha ida para Nova Iorque foi por causa dele, foi porque ele descobriu que estavam fazendo uma audição no Brasil para o American Ballet Theater e ele me inscreveu para eu ir. Morei um ano nos Estados Unidos por causa dele.

O plano era ficar lá? Quando eu estudei lá, dos 13 aos 14 anos, foi uma vida muito difícil, eu tinha muito pouco dinheiro, a minha mãe não podia me manter lá... E eu percebi isso e fui ser garçonete porque precisava ajudar. Mas depois arranjei outro emprego que fui eu que inventei. Passei numa casa noturna que se chamava Cachaça e dizia “procuram-se novos artistas brasileiro­s” e eu entrei. O dono era brasileiro e falou “o que é que você faz?” e eu falei “Eu danço samba nas pontas!” Mentira. Não dançava samba nas pontas. E ele disse “Ai é? Deixa eu ver, porque isso me interessa, isso é diferente.” Eu botei a sapatilha de pontas pensando no que eu ia fazer, pedi para ele colocar uma música e fiz um número para ele sambando nas pontas. Ele ficou enlouqueci­do e me contratou. Nos finais de semana ganhava 150 dólares e consegui tirar toda a despesa da minha mãe.

Mas nunca houve a vontade de ficar? Houve, mas eu ainda estava muito focada na dança, no ballet. Se eu já tivesse descoberto que o meu caminho era o teatro musical, talvez eu tivesse ficado. Mas eu era muito nova, fiquei um ano longe da minha mãe, era uma adolescent­e sozinha naquela cidade que te engole... Eu tinha saudades de casa. Eu acho que se fosse um pouquinho mais velha teria ficado.

“A MULHER DE 50+ É LIVRE PARA

RECOMEÇAR UM CASAMENTO, PARA TER TESÃO, PARA QUERER

RENOVAR A SUA VIDA”

Qual foi a influência que a dança teve na sua vida, na carreira e no seu método de trabalho? Total! A dança é o meu grande diferencia­l das outras atrizes porque isso me facilita muito o trabalho de corpo, a composição de personagem... Em televisão, quando o diretor entra no set e marca a cena – é tudo muito rápido em televisão –, eles marcam e vão para a switcher. E os atores ficam se retocando, conversand­o... eu fico ensaiando o que ele acabou de marcar, passo a cena pelo menos três, quatro vezes até ele chegar no switcher. É o ballet que me dá essa disciplina, essa coisa de ser muito focada no trabalho, é muito do ballet. Eu fui bailarina anos, a minha mãe teve uma academia de dança, eu fui criada com essa disciplina. Não sei fazer diferente.

Então a Claudia antes de ser atriz é bailarina... Eu sou essencialm­ente bailarina. Fui bailarina clássica bem-sucedida muito cedo, participei numa companhia de dança em São Paulo que se chamava Ballet de Câmara de São Paulo com 11, 12 anos, fui primeira bailarina do Teatro Colón de Buenos Aires aos 15 anos e depois, quando eu comecei a crescer muito e a ficar muito alta, comecei a ter muitos problemas em arranjar partner… dançava com russos, com eslavos, com homens enormes... Mas depois fiquei muito alta. Eu tenho 1,78 m, mas nas pontas fica 1,88 m. Eu era uma gigante [risos], um poste. E tive de abrir mão, aos poucos, do ballet clássico para ir para outros tipos de dança. Geralmente há cinco primeiras bailarinas numa companhia e a quinta é sempre a jovem promissora e eu entrei nessa categoria porque eu era muito jovem, tinha 15 anos. Eu fazia a matiné de quinta-feira, era Romeu e Julieta que a gente dançava... e aí eu saía do Teatro Colón com as pérolas na cabeça, arrancando tudo e correndo para o teatro de revista, onde eu descia as escadarias de biquíni, pelada, cantando em espanhol. Era uma vida de bailarina clássica e de vedete ao mesmo tempo.

PRIMA BALLERINA

Quando regressou ao Brasil, veio meio desamparad­a ou tinha um plano? Não sabia... Eu queria ser bailarina. Queria ser a primeira bailarina do mundo... só. Coisa simples [risos]. E a minha carreira foi andando. Fui para Buenos Aires em passeio com a minha avó e fui fazer uma audição no Teatro Colón, por curiosidad­e, e fui contratada para dois trabalhos; acabei os meus estudos à distância e depois só vim embora para o Brasil – e não vim definitiva­mente, vim de férias – porque o teatro El Nacional, que era onde eu fazia o teatro de revista, pegou fogo. Estavam abertas as inscrições para o Chorus Line, que foi o primeiro musical que eu fiz na vida, e foi daí que me chamaram para a TV porque o Jô Soares me viu nesse musical, em que eu fazia a protagonis­ta, e foi um sucesso incrível. E eu nem sabia o que estava fazendo porque eu nunca fiz um curso de arte dramática, nada. E depois produzi o meu primeiro espetáculo com 19 anos. E é uma coisa que pouca gente sabe, até no Brasil, porque a minha carreira de atriz parece muito mais do que a de produtora, né? E aí foi indo, uma coisa atrás da outra…

E depois tornou-se num dos cartões postais da ficção brasileira e do teatro musical… Do teatro musical, principalm­ente. As pessoas enaltecem muito o facto de eu ter levantado de novo esse género. E eu defendia-o com unhas e dentes porque eu achava que o Brasil é um país muito musical e rítmico. Como é que um país desses não gosta de musical? Não tinha como! Isso era a minha visão. E as pessoas falavam: “Não, aqui ninguém gosta disso, isso é coisa de americano!” E o que é que eu fiz? Eu fui pelo teatro de revista, que está no ADN do brasileiro, como as novelas, porque desde os anos 50 que o teatro de revista acabou no país, mas as pessoas têm essa memória. Então eu fui pelo teatro de revista, quer dizer, era um musical disfarçado de teatro de revista.

A Claudia é uma cara que toda a gente conhece… quando se sobe tão alto é fácil ter vertigens? [Risos] Eu vivo caindo! Mas não é de vertigens, é porque eu tenho o pé pequeno para a minha altura... Na minha juventude eu caía muito e depois eu descobri que o meu pé é pequeno, eu calço o 38. Mas gosto de ver as coisas por cima, de um outro ângulo... Quando eu era adolescent­e cresci muito e cresci compartime­ntada. Eu era meio disforme, as coisas foram crescendo fora de ordem e eu não era bonita. Eu era feia. Tinha um narigão, era... não era bom. Mas eu tinha a altura a meu favor. E ainda botava salto. Era alta e botava salto. Gostava de ver tudo por cima, eu achava que estava acima do bem e do mal.

E em termos de vertigens na carreira... é difícil não ficar deslumbrad­a? É muito difícil, muito difícil... Mas eu só tenho uma pessoa a agradecer: minha mãe. Quanto fui fazer a audição do Chorus Line, eu tinha vindo da Argentina, era a primeira bailarina do Teatro Colón e fui a inscrição número 1 entre 1.500 candidatas, olha que louca, eu fui às 4h da manhã para a fila! Quando eu dei de caras com o produtor, eu disse “Olha, eu sou a Maria Claudia Motta Raia e tenho dois problemas: sou menor e eu quero fazer a Sheila Bryant” – que é a protagonis­ta da peça que eu tinha visto em Nova Iorque umas 4 ou 5 vezes, eu era louca para fazer aquela peça. E ele riu, achou engraçado a minha coragem de falar isso e disse: “Olha, eu ‘tou trazendo um americano para ele escolher quem ele quer para fazer a protagonis­ta da peça.” E eu disse: “pode escrever aí que sou eu” [risos]. Fiz a audição e o americano estava visivelmen­te passado comigo porque a personagem era a minha cara, eu tinha o physique du rôle da personagem, a voz da personagem, só não tinha a idade – ela tinha 32 anos, estava acabando a carreira de bailarina e eu tinha 16. Mas eu fiz a audição e a única pessoa que competiu comigo foi a Clarisse Abujamra, que era uma atriz bem famosa, bailarina, professora de ballet moderno, era uma ídola minha... E ela veio competir comigo e era muito conhecida no Brasil, era uma pessoa importante e eles não podiam dizer “a novata é melhor que você”, então eles me colocaram como substituta. Eu fiquei com ódio daquilo... Peguei minha bolsa, olhei para a banca examinador­a e saí muito dona de mim. A minha mãe me pegou pelo cabelo e disse “volta aqui, onde você vai? Você tem que começar por baixo, quer começar por onde? Você é uma jovem iniciante”. E eu lembro desse dia, desse momento. Se ela não tivesse feito isso, tinha dado tudo errado. Eu tive uma mãe maravilhos­a, uma mãe que me colocou com os pés no chão.

NO PALCO

O teatro musical é o culpado por voltar a trazer Claudia Raia a terras lusas. Desta vez, a atriz sobe aos palcos ao lado do marido, Jarbas Homem de Mello, num Conserto Para Dois. Ao todo são 12 personagen­s interpreta­das apenas pelo par, sete a cargo de Claudia e cinco feitas por Jarbas, numa troca de pronúncias, timbres e personalid­ades que aparecem e desaparece­m em

trocas de figurinos de apenas 9 frenéticos segundos. O espetáculo estreou-se em Lisboa, no Tivoli BBVA, a 22 de janeiro, e estará em exibição até 23 de fevereiro antes de seguir

para o Porto, Braga, Coimbra, Aveiro e Figueira da Foz.

DO PALCO AO ECRÃ

Acha que se a sua mãe não estivesse envolvida com a dança não teria entrado no mundo do espetáculo? Olha... claro que eu ter nascido numa academia de dança facilitou muito todo o caminho. E no Brasil não tinha quase ninguém que cantasse, dançasse e representa­sse e eu acabei tendo um bónus por isso, eu era meio única porque eu vim dessa formação muito cedo e fiquei meio polivalent­e, aquela que faz tudo: drama, comédia, apresenta ao vivo, dança, canta... Isso foi muito legal. Mas, se eu não fosse atriz ou artista, eu seria médica cirurgiã [risos]. Porque eu sou louca por Medicina, sou uma médica frustrada, fico falando de remédios, receitando coisas para todo o mundo… louca! Mas eu não teria temperamen­to para ser médica, sabe? Eu sou muito falante, muito comunicati­va, então eu acho que iria para as artes de qualquer maneira, acho que só o caminho é que foi mais curto.

Em algum momento teve medo de falhar ou de não correspond­er às expectativ­as? Super... Porque eu não tive tempo de treinar para ser boa. Eu tinha que ser boa. A minha carreira começou muito cedo, eu comecei a fazer sucesso muito cedo e tudo isso já cria uma expectativ­a, um “lá vem ela que é boa”... E por me incomodar um pouco eu não ter base de arte dramática, eu comecei a estudar junto com a minha carreira. Eu estudava, eu lia, eu fazia um curso aqui, outro ali, para poder ter um pouco mais de embasament­o. Porque me incomodava, por eu ser bailarina e ser muito estudiosa e ter aprendido a ser assim, eu achava que também tinha que estudar muito as artes cénicas. Só que não deu tempo... Na verdade, foi na vida que eu aprendi a representa­r.

O que é que a completa mais: teatro, novela ou cinema? São coisas bem diferentes umas das outras... Eu sou um bichinho de teatro, eu nasci dentro de um teatro, é o meu lugar mais quentinho, mais confortáve­l, eu adoro estar no teatro, eu sou do ao vivo. Mas eu amo fazer televisão, amo. As pessoas perguntam: “Você tem 36 anos de TV Globo, você ainda não enjoou de fazer novela?” Eu adoro fazer novela. Adoro. Me dá uma agilidade, sabe? É muito difícil fazer novela. As pessoas acham que é menor fazer televisão, mas não é.

E é mais fácil fazer rir ou chorar? Fazer rir é muito mais difícil. Fazer chorar, se você pega a pessoa numa TPM, mais sensível, a coisa vai. Claro que a cena tem de ser bem feita, mas rir... a pessoa não finge que está rindo. Ou é engraçado ou não é, não tem meio termo. A gargalhada é uma explosão de sentimento. Ou você entende imediatame­nte e você ri ou não funciona. A comédia é muito técnica. É timing. Você tem que descobrir o timing daquela personagem, o que realmente faz sentido para a graça não ficar gratuita. É para quem é muito inteligent­e. Eu digo sempre que os comediante­s são os atores mais inteligent­es.

O que é que lhe falta fazer? Muita coisa! Nossa Senhora! Eu estou no meio do caminho, estou começando o meu segundo ato. E dizem que o segundo ato é sempre melhor que o primeiro e eu também acho. E ainda tem o grand finale, ainda tem um monte de coisa pela frente.

Sabe exatamente o que quer fazer a seguir? Olha... Eu não sou uma estrategis­ta, mas eu tenho noção da carreira que fiz, eu tenho noção do legado que deixei e eu tenho noção de para onde eu quero ir nesse segundo ato. Vou continuar esse caminho, tenho muita coisa para fazer ainda, muita coisa para produzir, muita personagem boa. E eu tenho muita vontade de ter um programa dedicado à mulher, a essa mulher dos 50 e tantos que eu tenho defendido... Isso é uma coisa que eu gostaria de fazer para além de representa­r, além de fazer os musicais... vamos ver.

O SEXO FORTE

Sente que precisou de trabalhar o dobro para ser levada tão a sério como os homens da indústria? Especialme­nte no trabalho de produtora. Sim, com certeza. E sempre que acontece alguma coisa errada tem alguém que diz “ah, mas é mulher, né…”, é uma loucura. E eu respondo porque eu sempre fui feminista. E eu tive que trabalhar o dobro para provar o meu talento porque, por ser um país muito machista, a bonita e a gostosa vinham primeiro que o talento. Eu claramente entendi que tinha dois caminhos: ou eu virava a bonita e gostosa e a minha carreira acabava aos 35 anos ou eu me tornava uma atriz. Uma atriz bonita e gostosa, que eu uso quando eu preciso. As mulheres ficam tão apavoradas de serem vistas assim, que elas renegam, quando, na verdade é mais inteligent­e a gente aproveitar isso e mostrar o quanto se é talentosa. Porque quando você tem um trabalho bom e comprometi­do, as pessoas acabam tendo de se curvar. As pessoas vão falar sempre que é bonita – quer dizer, sempre não, porque eu agora estou indo para outro lugar né [risos] – uma mulher de 50 e tantos bonita, mas não é mais “ai, o símbolo sexual chegou”, é outra coisa, mudou. E é bom que mude.

Acha que o Brasil é um país machista? Acho. Acho sim. Mas não acho que é só o Brasil, eu acho que o mundo é muito machista. Mas o Brasil com certeza é... é cultural, né? E isso me incomoda bastante. Mas as pessoas falam “como é que você, nos anos 90, virou uma empresária artística, como é que você ia pedir patrocínio? Os homens não te cantavam?” Se cantavam eu não queria saber, eu queria ir lá mostrar o meu projeto. E eu tinha esse empoderame­nto porque eu venho de uma família de mulheres: a minha mãe, a minha avó, a minha irmã e eu. Eram quatro mulheres que vestiam as calças. Eu não tive a figura masculina porque o meu pai morreu quando eu tinha 4 anos. Eu aprendi a ser uma mulher empoderada desde a vida inteira. Em Nova Iorque eu estava hospedada no Harlem, eu era a única branca no Harlem, na casa de um negro, que era a pessoa que a minha mãe confiava, porque ele tinha uma escola de dança em Nova Iorque e dava cursos na academia da minha mãe. E eu fiquei lá com ele e ele me assediou! E eu joguei uma coruja de cristal na cabeça dele e quase matei o homem... eu tinha esse temperamen­to, mas não é todo o mundo que é assim. As mulheres estão acostumada­s a se curvar, a se calar, a não dizer “não, isso eu não posso” e “não é não”... As mulheres estão acostumada­s a isso. A maioria das mulheres no Brasil, e no mundo, foram criadas para servir o homem. E eu não queria saber disso. Mas tinha aquela coisa tipo “vou receber a gostosa da Claudia Raia”, claro que tinha.

“EU PREFIRO SER OLHADA COMO UMA MULHER DE 50 ANOS BEM CONSERVADA, QUE FEZ UM CAMINHO BONITO, DO QUE COMO SEX SYMBOL. ISSO DURA POUCO, É EFÉMERO”

Em Portugal há um provérbio que diz que a mulher se quer pequenina como a sardinha… Ah é? Entendi [risos]...

Mas a Claudia é, desde sempre, sex symbol no Brasil e em Portugal… Nunca viu isso como uma desvantage­m? Não, porque eu não vivi isso, eu usei isso. É diferente. E foi muito importante porque, se eu tivesse acreditado nesse título, eu estaria colocando a minha carreira em função disso. E isso um dia vai acabar, inevitavel­mente. Eu vou, se deus quiser, ser uma mulher de 60 anos bonita, conservada, mas de 60 anos. Vou ser sex symbol até quando? Eu prefiro ser olhada como uma mulher de 50 anos bem conservada, que fez um caminho bonito, do que como sex symbol. Isso dura pouco, é efémero. Por exemplo, na última novela que eu fiz, que foi o Verão 90, eu era uma mulher completame­nte louca, uma ex-atriz de cinema porno. É ótimo brincar com isso e tudo isso cabe numa atriz como eu, com meu físico... E podemos brincar disso quase uma vida inteira, mas não podemos mais ser isso, não dá.

SEGUNDO ATO

No Brasil ainda há muito o culto da juventude? A gente fez uma pesquisa sobre a minha imagem, sobre o que as pessoas esperavam de mim, no país inteiro. E eles perguntava­m a minha idade e as pessoas não sabem dizer quantos anos eu tenho, não sabem se é 50, se é 40, se é 30, não sabem. Então a gente se apercebeu que isso não é uma questão e é por isso que eu tenho um público tão jovem. Portanto, quando vão perguntar para um publicitár­io: se você tiver uma atriz de 50 anos na sua mão, ela vai fazer que tipo de campanha? “Ah, vai fazer para cabelo branco, osteoporos­e, menopausa, incontinên­cia urinária, dentadura”... É uma loucura, isso.

Quando eu comecei a perceber tudo isso eu achei que tinha de fazer alguma coisa, porque eu sou uma mulher que chegou aos 53 anos desse jeito e posso ser inspirador­a para essas mulheres. E foi por isso que eu resolvi levantar essa bandeira da mulher de 50+, que é um movimento que o mundo inteiro está fazendo menos o Brasil, é inacreditá­vel. A Isabella Rossellini sendo a cara da Lâncome depois de 20 anos, uma mulher linda com 60 e poucos anos, a Jane Fonda com marcas incríveis atrás dela, enfim... Essas mulheres que hoje são empoderada­s e lindas porque a beleza não tem idade e é sobre isso que eu falo. A mulher de 50+ é livre para recomeçar um casamento, para ter tesão, para querer renovar a sua vida. Se eu quero engravidar aos 56 anos, hoje posso. Por exemplo, a minha filha, que tem 17 anos, primeiro quer fazer a carreira dela para depois construir a família... Porque as mulheres são diferentes hoje. Nos livros de ginecologi­a, a mulher com 27 anos é considerad­a idosa para parir, é inacreditá­vel isso. E também é inacreditá­vel que, aos 40 anos ou 45, a mulher fique sem óvulos e, se ela não tem óvulos, não serve mais. E é exatamente como eu ‘tou te falando, não ‘tou achando isso, eu sinto isso! Eu vivo isso! A pessoa vê você tendo um flushing de começo de menopausa e tem um olhar tipo “para essa aí já foi, acabou”, como se aos 45 anos você entrasse num buraco negro e aí você vai renascer aos 80 anos como a velhinha fofa.

Sente que são colocados prazos de validade nas mulheres artistas? Super. E na televisão todo o mundo está velho. “Ah essa fulana está velha”, mas gente, ela vai ficando velha. O público também. Não tem problema.

É preciso aprender a envelhecer? É preciso saber envelhecer e não é fácil, ‘tá? Porque você se olha, vê as suas marcas, a coisa que já está mais caída, um papo... E não tem o que fazer, não adianta enlouquece­r e tentar ficar com cara de 20, vai ficar uma merda, não vai funcionar! A única coisa que eu sinto da idade é quando eu tenho uma noite que eu não dormi. Eu vou trabalhar, eu consigo, mas eu ‘tou caída, ‘tou destruída. No resto eu acho que estou muito mais produtiva e focada, não desperdiço a minha energia com coisas que não têm importânci­a e isso é uma maravilha na idade. Você fala menos, ouve mais... Eu digo que estou no modo económico.

Então como é ser uma mulher de 50 anos no país do culto da juventude e do corpo? É ruim! [Risos] É ruim, mas eu acho que posso fazer alguma coisa para combater isso. E é isso que eu estou tentando fazer. No outro dia eu fiquei superfeliz quando a Mônica Martelli, uma comediante maravilhos­a, que é uma mulher de 51 anos, fez uma capa de revista nua. Foi incrível. As pessoas estão começando a ter coragem para mostrar que são mulheres lindas em qualquer idade. Foi daí, desse sentimento, que me veio essa vontade muito genuína de fazer alguma coisa por essas mulheres e representa­r essas mulheres de alguma forma.

E como é ser uma artista num país em que a arte não é valorizada pelos seus dirigentes? É uma luta e sempre foi uma luta. Mas se a gente passou por uma ditadura, não é agora que a gente vai esmorecer. A arte também é um ato político. Eu acho que, enquanto a gente puder reagir e dar as mãos como foi agora quando o secretário da Cultura fez um discurso igual ao do ministro do Hitler e foi exonerado porque as redes sociais vêm com tudo, os artistas vêm com tudo, o povo vem com tudo. E aí a gente vai ganhando. Porque não tem como não ganhar. Mas é difícil... tem três anos pela frente de hard work.

E nunca pensou baixar os braços e vir, por exemplo, para Portugal? Ou acha que é importante que os artistas que são queridos do público se mantenham lá? Eu posso vir para cá, posso pedir licença à TV Globo e vir fazer uma novela aqui e eles vão adorar... Mas nunca pensei em me mudar. Vamos ver como é que as coisas vão andando... No começo do governo eu realmente pensei em vir embora, mas eu também achei que tinha que estar lá fazendo esse movimento e ajudando. Na hora que a coisa fica ruim eu saio covardemen­te e venho viver a minha vida tranquila aqui? Não! Eu posso até ter um lugar para ficar e trabalhar aqui de vez em quando, mas eu tenho que estar lá no momento da dureza, porque estar só no momento da alegria é fácil... Acho que não é hora de sair, é hora de ficar. Depois talvez eu saia... Quando estiver tudo bem.

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