ÍCONES
Quem não se recorda da rotina meticulosa de Christian Bale em Psicopata Americano?
Ou da depilação dolorosa de Steve Carrell em Virgem aos 40? Uma viagem pelos momentos de beleza mais emblemáticos do cinema.
Vivo no edifício American Gardens, na rua West 81st. O meu nome é Patrick Bateman. Tenho 27 anos. Acredito em cuidar de mim e numa dieta equilibrada e uma rotina de exercícios rigorosa. De manhã, se a minha cara está um pouco inchada, ponho um pack de gelo nos olhos enquanto faço os meus abdominais. Consigo fazer mil, agora. Depois de remover o pack de gelo, uso uma loção de limpeza para os poros. No banho, uso um produto de limpeza que se ativa com a água. Depois, um esfoliante de corpo de mel e amêndoa. E, no rosto, um gel esfoliante. Depois, aplico uma máscara de hortelã-pimenta, que deixo durante 10 minutos enquanto preparo o resto da minha rotina. Uso sempre uma loção after-shave com pouco ou nenhum álcool, porque o álcool seca a pele e faz-te parecer mais velho. Depois, uso creme hidratante, depois um creme de olhos antienvelhecimento, seguido de uma loção final hidratante e protetora.”
Assim começa Psicopata Americano (2000), que, há precisamente 20 anos, mostrava como um jovem profissional bem-sucedido em Nova Iorque podia ser mais do que um mero assassino em série, mas antes um homem comprometido com o seu skincare. Basta assistir ao momento em que Bateman (Christian Bale) retira a máscara após exatamente 10 minutos. Obviamente, trata-se de um serial killer, mas podemos apreciar-lhe dedicação a uma rotina matinal.
A personagem de Christian Bale, criada com base no livro de Bret Easton Ellis, e o seu comportamento obsessivo com tudo o que o rodeia – cuidados de rosto incluídos – ficariam marcados para sempre na nossa memória coletiva quando falamos de beleza retratada no cinema. Justificadamente: a pele do ator no filme estava muito próxima da perfeição (leia-se desprovida de rugas, irregularidades, manchas ou borbulhas). Aliás, é quase inevitável a vontade de seguir a rotina dele à risca – tirando a parte de assassinar pessoas.
O grooming faz parte da vida e, consequentemente, dos filmes que a retratan. No mes por excelencia da celebracao da setima arte, lembramos os filmes que ousaram fechar o plano, deixando pequenas grandes cenas inscritas na historia do cinema.
Contudo, falar em momentos emblemáticos de beleza (ou grooming) no grande ecrã é também constatar que são as mulheres as que mais frequentemente os protagonizam. No entanto, para a nossa felicidade (e para possibilitar a continuidade deste artigo), há exceções.
Cada indivíduo tem o seu ritual. Cada um sabe como gosta de ter a barba, mais comprida (ao estilo de Hagrid, de Harry Potter), mais rente (como o protagonista de qualquer comédia romântica), com trancinhas (à la capitão Jack Sparrow) ou completamente desfeita. Já o ritual de Richie Tenenbaum tem uma particularidade: acaba com uma nota de suicídio. É uma das cenas mais poderosas do mítico Os Excêntricos Tenenbaums (2001), quando, ao som de Needle in the Hay, de Elliot Smith, o ator Luke Wilson desfaz o cabelo e a barba, e acaba mesmo por tentar tirar a própria vida, tudo à conta de um desgosto de amor. Se nunca viu o filme, talvez seja tarde para dizer spoiler alert.
Menos dramático, mas não menos marcante, é o momento de grooming de Kevin McCallister. Sim, se no Natal passado se sentou no sofá a assistir a Sozinho em Casa (1990), reviu a cena em que o miúdo de 8 anos, deixado para trás pelos pais, se preparou para o grande dia que ia ter pela frente com um bom banho em que limpou “todas as partes do corpo com sabão” e no final terminou com uma boa dose de after-shave.
PELO SIM PELO NÃO
E eis... a depilação. Esse tema que, curiosamente, tantas cenas rendeu na filmografia das últimas décadas. No que toca a pelos, as referências na sétima arte são quase todas traumáticas. Dustin Hoffman, na pele de Michael Dorsey, descobre em Tootsie (1982) o poderoso instrumento de tortura que pode ser uma pinça. Em Um Corpo Perfeito (2003), o ator Rob Schneider sofre (gritos incluídos) com a cera quente no rosto. Em Hitch (2005), a personagem de Kevin James não dispensa uma depilação a cera nas costas como parte da sua rotina de beleza. E, claro, quem não se lembra de Mel Gibson em O Que as Mulheres Querem (2000) a fazer uso da cera, aqui em formato de banda, para depilar as pernas?
Todavia, o ponto mais alto do dramatismo estaria ainda por chegar. Sim, estamos a falar de Virgem aos 40 Anos (2005) e de um Steve Carell traumatizado após ter visto (e sentido) os pelos do peito serem-lhe arrancados sem dó nem piedade. Nunca a expressão “puxar o tapete” foi tão apropriada. Só que aqui pode ter envolvido lágrimas. “Consigo agora ter empatia com todas as mulheres que alguma vez se depilaram”, disse o ator ainda deitado na marquesa, entre cenas, num vídeo partilhado no YouTube que não teve o alcance devido (o que são 400 mil visualizações? Peanuts). “Doeu bastante mais do que estava a imaginar que doeria”, confessa ainda, minutos depois. Se a imagem – e o grito – do ator já não está na sua memória, basta ver o retângulo da imagem: o contraste entre uma secção e a outra do peito não engana.
E se em 2005 o riso era geral, hoje (shot de realidade: passaram 15 anos) a situação assoma-se como menos caricata. A depilação masculina – ou melhor, a depilação, independentemente do género – é encarada com mais naturalidade e inserida com mais frequência nas narrativas. Num pulo ao pequeno ecrã, é possível ver os três protagonistas masculinos da série New Girl (ainda em exibição) num momento de partilha de sofrimento numa esteticista, lado a lado, enquanto todos se depilam de forma casual.
NEXT STOP:
CABELO E MAQUILHAGEM
Falando de maquilhagem, são poucos os momentos no cinema que registam homens a aplicar produtos, ou a exibir indícios de maquilhagem sequer, com honrosas exceções como Joaquín Phoenix no papel de Joker (2019) ou Jared Leto n’O Clube de Dallas (2014).
Já no que diz respeito a cabelo, o oposto acontece: há uma série de cenas em que se executa na perfeição a arte de dominar o cabelo, e, também, uma multiplicidade de penteados que se tornariam autênticos fenómenos de popularidade mesmo fora da tela. Se comprou a primeira embalagem de gel ou cera depois de ver The Matrix (1999), não está sozinho. O trench coat de cabedal ou as calças de vinil até podiam ser um visual too much para recriar, mas o cabelo über cool de Keanu Reeves estava à distância de um pente e um produto fixador. Preto, brilhante, sleek e – o mais importante – capaz de resistir a qualquer movimento de uma qualquer arte marcial.
Numa estética completamente distinta, o visual de James Dean, que, em Fúria de Viver (1955), ostentava o seu icónico pompadour, viria a elevar uns centímetros o cabelo de muitos homens por esse mundo fora. Mais de duas décadas depois, era estreado Grease (1978), cujo título em português é precisamente Brilhantina, e John Travolta eternizava a magia de um verão interminável e, claro, um penteado memorável. E nos anos 90, quase 40 anos depois da aparição de James Dean, e já com Travolta como referência, o efeito repetia-se (ou quase) com Johnny Depp em Quem Não Chora Não... Ama (1990). Também em jeans, T-shirt branca, blusão e um penteado distinto (reconhece as semelhanças?), Depp usava o cabelo puxado atrás com cera, deixando apenas uma mecha a cair-lhe sobre o rosto. Isso aliado a uma pele imaculada levava a posters pendurados, alguns suspiros e expressões mais arcaicas que hoje designariam #hairinspo.
Já para os fãs de caracóis, há dois momentos-chave no cinema: o look natural de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction (1994) e a tão hilariante quanto falsa ondulação forçada de Bradley Cooper em Golpada Americana (2014). Sobre a personagem, o último ator resumia, aquando da estreia do filme: “Ele não tem uma permanente, mas encaracola o seu cabelo, e fá-lo todos os dias, durante quase três horas.”
Porém, é no mesmo filme de David O. Russel que vemos um momento em que a rotina capilar ganha efetivo destaque na grande tela. Não estivéssemos na sala de cinema e acreditaríamos tratar-se de um tutorial “como aplicar um capachinho”, já que a personagem Irving Rosenfeld, interpretada por Christian Bale, aplica a peruca com detalhe e minúcia, passo a passo, ripando a raiz do cabelo para criar volume, cruzando o seu cabelo com o da cabeleira, assegurando a fixação com cola própria e, claro, finalizando com fortes vaporizações da clássica laca Elnett.
Numa indústria que promete ser cada vez mais capaz de romper com os estereótipos de género, só fica a faltar uma cena: DiCaprio na manicura.
NO QUE TOCA A PELOS AS REFERENCIAS NA SETIMA ARTE SAO QUASE TODAS TRAUMATICAS O PICO DO DRAMATISMO? STEVE CARELL EM VIRGEM AOS 40 ANOS