GQ (Portugal)

ROMEU E JULIETA À LUZ DO NOSSO TEMPO

Após três anos longe dos palcos, o encenador John Romão volta com um clássico adaptado à velocidade dos nossos dias.

- Por Beatriz Silva Pinto.

Será difícil refletir o teatro e a arte contemporâ­nea nacional sem tropeçar no nome dele. Além de ator, encenador e programado­r, John Romão é fundador e diretor artístico da BoCA, a Bienal de Artes Contemporâ­neas que teve a primeira edição em 2017, em Lisboa e no Porto, e que, em 2019, iniciando um modelo de descentral­ização da oferta cultural, se expandiu até Braga.

Foram cerca de três anos de pausa dos grandes palcos, que deixaram o encenador de 35 anos com “uma enorme vontade de voltar a criar”. Em 2020, ano entre bienais, regressa em dose dupla: com Virgens Suicidas, apresentad­o em janeiro na Culturgest (Lisboa) e no Teatro Municipal Campo Alegre (Porto), e com um Romeu e Julieta reimaginad­o no mundo contemporâ­neo, que estreia a 14 de fevereiro no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Duas peças intimament­e ligadas pela ideia de transgress­ão: na primeira, o suicídio é uma forma de libertação de um sistema educativo autoritári­o sob o qual um grupo de raparigas vive; na segunda, a morte, como se sabe, é também um gesto libertador. “Há muito esta ideia, no espetáculo [Romeu e Julieta], de que eles têm saudades da morte. Como se o estado natural deles fosse a morte e tivessem sido acordados para viver qualquer coisa que não lhes interessa. A peça é um caminhar ou um regresso à morte. E a morte é a consumação do amor dos dois”, revela Romão.

O encenador, que diz nunca ter tido pretensão de trabalhar um clássico, interessou-se por este por lhe dar a possibilid­ade de brincar com o imaginário coletivo. “Romeu e Julieta já não pertence apenas a Shakespear­e. Utilizamo-lo para descrever o amor romântico, mas também o requeijão com a marmelada. Já se entranhou na nossa cultura popular, nas nossas relações pessoais. E é um texto acerca do qual toda a gente tem expectativ­as. Interessa-me jogar com isso para distorcer ou conduzir para uma outra realidade”, explica. “De alguma maneira, acho que é função do teatro ‘armadilhar a cena’ e pôr em diálogo as expectativ­as que um espectador tem sobre uma coisa e aquilo que é proposto.”

A peça parte de uma versão condensada do original de Shakespear­e que anula – pelo menos, materialme­nte – as personagen­s mais velhas, que representa­m o moralismo e a autoridade. “É quase um questionam­ento: se tirarmos estas personagen­s, será que o Romeu e a Julieta continuam impedidos de consumar o seu amor? Ou será que, a partir do momento em que tirarmos as pedras do caminho, a velocidade para a queda ainda é maior?” A velocidade é, aliás, o principal conceito sobre o qual Romão se debruça: “Vivemos à velocidade da luz, temos o tempo da Internet nos nossos corpos. Somos quase omnipresen­tes. Este é um conceito que me interessa trabalhar no espetáculo, porque a ação é superveloz... Mas é também essa velocidade que define as nossas relações humanas na contempora­neidade.”

O clássico repensado pode ser visto até 1 de março.

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Mariana Monteiro é um dos nomes do elenco de Romeu e Julieta, que conta ainda com João Arrais e João Cachola.

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