GQ (Portugal)

A ENTREVISTA DO BRUNO ALEIXO

Um Ewok, um busto de Napoleão Bonaparte, uma personagem saída d’O Monstro da Lagoa Negra e um homem pré-histórico da serra do Buçaco sentam-se numa esplanada…

- Por Ana Saldanha.

Apremissa está lançada. Bruno Aleixo, o Ewok coimbrense mais querido do público português – e que também já conquistou corações para lá do Atlântico –, recebe uma chamada que é um convite: um homem que tem uma empresa quer que faça um filme lá para a empresa dele. O resultado foi para os cinemas a 23 de janeiro e a estreia foi pretexto para conversar com João Moreira (JM) e Pedro Santo (PS), que dão voz e emprestam o pensamento às personagen­s.

Já sabemos como foi para Bruno Aleixo aceitar o convite para fazer um filme. Como é que foi para vocês?

JM: Foi mais ou menos parecido. Nós acabámos por aplicar ao boneco exatamente a proposta que nos tinham feito: façam um filme com o que vocês quiserem, escrevam um guião. E quando as diretrizes são vagas torna-se mais difícil porque, ou temos um projeto em gaveta, uma ideia pré-feita que queremos usar, ou, como a ideia do filme não partiu de nós, partiu do produtor que nos fez o desafio, ainda não tínhamos nada pensado. Acabou por não ser muito diferente daquilo que vamos ver no filme. Claro que é diferente porque as cabeças dos bonecos não são as nossas, quer dizer, vêm da nossa cabeça, mas a personalid­ade é completame­nte diferente.

PS: De vez em quando vinham-nos uns zunzuns, sobretudo de pessoas bêbedas na rua [risos] que diziam que devíamos fazer um filme, mas ali foi um bocadinho mais a sério. Nós sabemos que quando uma pessoa do cinema quer falar connosco, à partida teria alguma coisa a ver com uma aparição do Bruno Aleixo no cinema, mas não sabíamos o que seria, se seria para o boneco aparecer só eventualme­nte, se seria mesmo um filme, não tínhamos ideia. Mas não deixámos propriamen­te para a última como o Aleixo acaba por fazer no filme.

Já é automático porem-se na pele das personagen­s para saber como iriam reagir em determinad­a situação?

JM: Neste caso é superfácil. Por eles terem já quase 12 anos acaba por ser quase piloto automático, eles estão tão bem caracteriz­ados, pelo menos na nossa cabeça, que eu sei exatamente o que é que ele vai dizer naquela situação, como é que vai reagir se estiver com fome, se estiver com sono e, sobretudo, em momentos mais complicado­s e de tensão. O que depois é mais complicado é apurar a ideia e dar os retoques finais, perceber se aquela piada resulta bem ou não resulta, mas é um processo que não é só de guião, também se faz na rodagem e, sobretudo, na parte da montagem porque é aí que estamos a controlar melhor os tempos.

PS: Quando o Aleixo vai para a televisão nós somos desafiados a fazer um programa com o boneco e pensamos como seria se o Bruno Aleixo fosse para a televisão, basicament­e ele apresenta um talk show e há uma desconstru­ção absoluta porque ele é uma pessoa – um Ewok de Coimbra, vá –, que tem uma vivência normal, não tem uma vivência de TV e por isso é que tem aqueles ritmos, aquelas pausas, aquela falta de respeito pelo telespecta­dor... E as ideias para filmes seguiram essa toada de imaginar como aquelas personagen­s, que são pessoas normais, não trabalham naquele meio, reagiriam perante aquela situação.

O cinema já estava nos planos?

PS: Não estava… Nós gostamos muito de cinema, mas, se quiséssemo­s chegar rapidament­e ao cinema, não seria propriamen­te através destes bonecos toscamente animados e com movimentaç­ão muito limitada. Escrever coisas para cinema está sempre nas perspetiva­s de quem escreve qualquer coisa ao nível de personagen­s e narrativas, mas com as nossas coisas, com o universo do Bruno Aleixo nunca foi uma hipótese muito palpável...

Falando do público brasileiro, qual foi a resposta no Festival de São Paulo, sendo o filme feito na perspetiva cultural portuguesa e sendo os atores portuguese­s?

PS: O primeiro guião até tinha mais coisas com o Brasil, na altura pensava-se até na possibilid­ade de fazer uma coprodução do próprio filme, depois acabámos por fazer esta versão que pode ser um bocadinho fechada no sentido de termos o [Rogério] Samora e o Adriano Luz que são atores consagrado­s em Portugal, mas no Brasil pouca gente os conhece...

JM: O próprio trailer… eles fizeram um diferente. A gente lançou um trailer em que aparece o Rogério Samora com a voz do Homem do Buçaco e toda a gente aqui sabe quem é o Rogério Samora, mas esse trailer lá não pega. Eles dizem exatamente isso no trailer: com muitos atores famosos em Portugal. Eles assumem que, “ok, estes gajos que fazem vídeos manhosos para a Net pegaram numa série de atores conhecidos e fizeram cenas com eles”. A reação foi boa. Nos festivais acabas por ter dois tipos de pessoas: as que queriam mesmo ir ver o Bruno Aleixo, e foram, e aquelas que vão aos festivais ver os filmes todos e que ficam um bocadinho: “O que é isto?” Nós acabámos por ter tudo, desde o crítico mais sério que achou “isto não é para vir para um festival sério, isto são bonecos a dizer parvoíces”, mas desde o início que o nosso projeto é assim, é fazer um tipo de humor diferente e, quando fazes uma coisa dessas, acaba por não ser para todos.

“O NOSSO PROJETO É FAZER UM TIPO

DE HUMOR DIFERENTE E, QUANDO FAZES

UMA COISA DESSAS, ACABA POR NÃO SER PARA TODOS”

JOÃO MOREIRA

E foi fácil no início pôr as pessoas a gostar e a acompanhar "um boneco que diz parvoíces"?

JM: A coisa começou num contexto orgâ‑ nico que é o YouTube e no YouTube, quem quiser vê, quem não quiser não vê. Não é como a televisão que a gente tem de papar – agora cada vez menos, porque há uma série de canais e Netflix. Portanto aquilo foi completame­nte orgânico, quem gostava partilhava, havia amigos que viam e que gostavam... funciona como os fenómenos virais. E a coisa aconteceu relativame­nte depressa, nós começámos a fazer os vídeos para a Net em março e em maio tivemos o convite para fazer a série, o fenómeno viral foi em dois, três meses.

Este filme é só para fãs do Aleixo? É fácil para quem não está familiariz­ado com o universo desta personagem perceber e gostar do filme?

JM: Dá para uma pessoa que não conhe‑ ça gostar porque as pessoas conseguem perceber logo, ao fim de cinco, dez minu‑ tos de filme, quem é quem ali, quais são as relações de hierarquia, os mais velhos que tratam mal os mais novos, o que é mais bru‑ to e responde mal a um e já não responde mal a outro… É óbvio que quem conhece vai gostar mais, ajuda conhecer as perso‑ nagens e o universo, até porque há muitas referência­s e coisas que se prendem com a questão cultural. Se calhar os mais novos não reconhecem o Fernando Alvim, por‑ tanto, quando ele aparecer não vão reagir da mesma maneira... Agora, há pessoas que podem não achar graça a esse tipo de humor e, se não acharem graça, nada fei‑ to. Porque o filme é de humor e é difícil ser visto de uma forma não humorístic­a. Não é como aquelas comédias românticas em que, se a gente não se riu nenhuma vez, fica contente na mesma porque o Hugh Grant fica com não sei quem.

PS: Nós tentámos não sobre‑explicar o fil‑ me, a existência daquelas personagen­s e a relação que têm entre elas, mas também não fazer uma coisa demasiado fechada, tentámos encontrar um equilíbrio. Lá está, para uma pessoa que vá ver aquilo pela pri‑ meira vez, eu imagino que seja muito bizar‑ ro, porque aquelas personagen­s são muito específica­s, não são muito user friendly ao início, mas temos tido, sobretudo quando estivemos em São Paulo, pessoas que nun‑ ca tinham visto o filme, nunca tinham ou‑ vido falar de nada daquilo e que gostaram. Tentámos que isto não fechasse portas a ninguém.

Houve receio de que as pessoas pudessem ter algum tipo de expectativ­a para os bonecos serem animados a 3D, que estivessem a andar, coisas que normalment­e não vemos?

PS: Eu acho que essa expectativ­a ainda po‑ derá existir, mas acho que a esperança já se foi esbatendo um bocadinho porque, as nossas coisas, desde 2008, não têm sofrido grande evolução... Há umas coisas mínimas de alguns ângulos que já estão um bocadi‑ nho melhores, os bonecos já aparecem de trás... Agora essa grande evolução para o 3D, só alguém que tenha estado muito dis‑ traído é que ia achar que agora íamos fa‑ zer os bonecos a mexer‑se demais. Poderá haver, mas acho que a maioria das pessoas não vai com a expectativ­a de ver os bone‑ cos em grandes cambalhota­s.

Qual foi o maior desafio na realização deste filme?

JM: Nós estamos habituados a fazer vídeos de cinco minutos, coisas para a rádio com quatro e, eventualme­nte, episódios com 25/30... Fazer com que aquilo aguentasse 90 minutos foi a parte mais difícil... Mas nós estamos tão por dentro que caberá mais ao público e à crítica perceber se conseguimo­s passar esse desafio. Eu acho que sim, que a coisa foi ultrapassa­da, tanto ao nível de design de som, banda sonora, edição, tudo isso influencia a maneira como “aturamos” o filme. Foi um trabalho de equipa muito maior, mas ainda bem que tivemos acesso à malta que trabalhou connosco.

PS: O filme teve um orçamento bastante humilde para um filme de cinema e nós, quando escrevemos, pensámos logo em atores que eram perfeitos para aqueles papéis e que nós sabíamos que tinham al‑ guma relação com a Som e Fúria. Isto con‑ tinua a ser um produto muito localizado, de nicho, nós nunca sabemos quem é que conhece... Essa fase do casting foi logo o problema inicial, mas acabou por correr bastante bem, conseguimo­s os atores que queríamos. Depois na prática, a rodagem em si foi muito rápida, foi o timing de ro‑ dar uma curta‑metragem, tivemos só duas semanas de rodagem… não filmámos em Lisboa, filmámos em Anadia, por isso os atores tinham que ir para lá ou ficar lá uns dias e eles têm TV, têm teatro... Toda a gente gostou muito de gravar lá, mas isso também trouxe algumas limitações, mas, pelo que me contam, filmar em Lisboa é cada vez mais caótico, controlar ambientes em Lisboa é quase impossível, tem de ser uma produção gigantesca para conseguir fechar um cantinho da cidade e nós lá não tivemos grande problema.

Como é que foi dobrar, por exemplo, o Rogério Samora?

JM: Foi uma trabalheir­a! Dobrar dá muito, muito trabalho. Dobrar bonecos é fácil, eu falo e a animação é feita depois, com base na minha voz. Quando são os atores que falam eu é que tenho que acompanhar o movimento da boca deles, portanto aquilo é um trabalho minucioso... e se não fosse o sonoplasta a ter uma paciência de santo comigo, a coisa não teria saído tão bem e saiu perfeita.

“ISTO CONTINUA A SER UM PRODUTO

MUITO LOCALIZADO, DE NICHO,

NÓS NUNCA SABEMOS QUEM É QUE CONHECE”

PEDRO SANTO

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