VINHOS DE PACOTE O TIRA-TEIMAS
São eles os patinhos feios das prateleiras de supermercado. Quem procura um vinho bom vai imediatamente ignorar tudo o que não vem engarrafado. Será que este preconceito tem razão de ser?
Entramos numa grande superfície e dirigimo-nos aos corredores dos vinhos. Procuramos aí os de pacote. Não encontramos. Esses vinhos indignos não estão ao pé dos outros – ficam do outro lado das estantes, nas costas das prateleiras, como se ficassem nas traseiras dos vinhos engarrafados e como se os engarrafados fossem mais legítimos do que os de pacote. A maior parte de nós concordará que o vinho bom é aquele que vem numa garrafa fechada com rolha de cortiça – e tudo o resto que divirja deste padrão será uma bebida vínica menor.
Existe, no entanto, a possibilidade de padecermos, nesta matéria, de excesso de preconceito. Primeiro, porque o pacote não é só um pacote: o bag-in-box é uma forma inteligente de embalar líquidos. É resistente e preserva as características dos vinhos. Depois de encetado, um vinho em bag-in-box tem uma duração garantida de três semanas com as características intactas. Mas, se o vinho for de qualidade, a preservação pode exceder largamente um mês.
A EXPERIÊNCIA
Decidimos testar o preconceito e os próprios vinhos. Toda a LightHouse se mobilizou com notório entusiasmo em torno do evento Prova de Vinhos de Pacote. Tratou-se de uma prova cega de vinhos em que seres humanos de várias publicações e com funções distintas se voluntariaram para experimentarem cada um deles. Não havia rótulos nem qualquer indício dos vinhos que foram escolhidos, apenas a informação de que todos seriam tintos.
Comprados os quatro vinhos de bag-in-box, decidiu-se acrescentar um 5.º vinho, este de garrafa – um colheita do Douro de 2016 com as castas tradicionais (Tourigas Nacional e Franca e Tinta Roriz, mais Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinto Cão). Introduzir este vinho de qualidade comprovada teve como finalidade testar se, em comparação com os restantes e sem a presença de rótulos – todos os vinhos foram passados para jarros –, o vinho continuava a destacar-se.
Os jarros de vinho foram etiquetados de A a E, na respetiva embalagem e no jarro. Às cobaias pedia-se que classificassem cada vinho segundo a Escala Impecável (ver mais à frente). O mentor da experiência, este que vos escreve, tomava notas numa tabela que preservava o anonimato dos participantes, limitando-se a recolher alguns dados acerca dos mesmos, tais como cargo, publicação, idade ou género, com fins meramente estatísticos.
OS VINHOS
Preservaremos o anonimato também do Douro engarrafado, mantendo apenas que se trata de um vinho de qualidade comprovada (vinho D). Pode ser encontrado em supermercados e lojas especializadas por pouco mais de €9 (cerca de €12,20/litro), o que, não sendo uma exorbitância, é um valor que inspira confiança.
Quanto aos outros quatro vinhos dividimo-los em duas gamas. Na mais baixa (bag-in-box de 5 l), os valores ficavam-se pelos €1,57 (vinho A) e €1,59 (vinho C) (em promoção; preço corrente: €1,99) o litro. Na mais alta, os preços ascendiam aos €3,33 o litro em ambos os casos (vinhos B e E), tendo um deles (vinho E) sido comprado em promoção – o seu preço corrente é de €4,16/l.
AS INSTRUÇÕES
Aos voluntários participantes, que foram 17 no total (56,25% mulheres; 43,75% homens) foram dadas, por escrito, as seguintes instruções:
“Provar o vinho com serenidade, sem pressas nem preconceitos. Fruir. Fazer uma breve introspeção analisando o que se sentiu. Determinar se se gostou ou não. Decidir em que grau colocaria o vinho provado de acordo com os parâmetros de aplicação definidos na Escala Impecável.”
A Escala Impecável, que tem este nome por ser precisamente impecável para se aplicar quando não estamos a lidar com especialistas em vinhos, consiste nos seguintes graus de avaliação, que reflete a aplicação que o indivíduo que bebe tem ou propõe para determinado vinho. Vai assim:
0 – Cuidado! Não abrir. Corrosivo.
1 – Deixar azedar para fazer vinagre. 2 – Usar como tempero e/ou em refogados.
3 – Beber, mas só um copo ao almoço. 4 – Abrir para beber ao jantar.
5 – Partilhar como anfitrião de um jantar com os sogros/os patrões.
OS RESULTADOS
Há várias impressões e conclusões a extrair da experiência e dos resultados. A primeira de todas é que um vinho sem rótulo, sem a narrativa que o apresenta aos nossos olhos, se torna vulnerável porque o ponto de partida é o nosso paladar e o nosso gosto, sem outro ruído ou distração. O melhor vinho será sempre aquele que nos sabe bem.
As opiniões foram muito diversas, mas revelaram-se alguns padrões. O vinho D, o de garrafa, obteve, sem surpresa, a melhor média de pontos (2,63). Foi ainda o que angariou o maior número de cotações máximas. Porém, a sua qualidade distinta
dividiu opiniões: também colecionou 1s e foi particularmente depreciado pelo grupo de indivíduos do sexo masculino diretores de publicações, que lhe deu nota 0.
A grande surpresa veio do vinho A, o mais barato de todos, que obteve a segunda melhor média (2,56) e a maior constância de opiniões: a esmagadora maioria dos participantes atribui-lhe uma nota média (3 ou 4). Não fossem dois 1 e o vinho A teria obtido a melhor média da prova.
Os vinhos B e E, da gama alta dos bag-in-box, obtiveram exatamente a mesma pontuação (2,19), tendo o B sido mais constante e o E extremado mais opiniões. O derrotado da noite foi o vinho C, com uma média muito baixa – 1,69 – e um extraordinário número de 1s: nove, no total. É curioso que se trate de um dos mais populares vinhos em bag-in-box do mercado.
O GRAND FINALE
A degustação precisava de um twist final, alegou José Santana, o diretor da GQ, para justificar a necessidade de testar também o desempenho do organizador da prova – eu – numa situação de ignorância em relação aos vinhos servidos. Chamado a provar e com os copos já atestados, este vosso servo decretou com alguma surpresa após breve auscultação olfativa, passe o oxímoro, que “cheiram todos igual” – há provas, ficou tudo gravado. No palato, os vinhos também não se distinguiam, o que se explica facilmente pelo facto de ser o mesmo vinho em todos os copos: era uma armadilha com a pretensão de enganar este sitting duck. As notas atribuídas foram todas 2, exceto a um dos copos, possivelmente por estar contaminado por outro vinho, o que lhe deu um toque exótico o suficiente para merecer um baralhado 4 – e assim se demonstrou que, sem rótulos nem outra informação, o nosso cérebro pode ser facilmente enganado.