GQ (Portugal)

VINHOS DE PACOTE O TIRA-TEIMAS

São eles os patinhos feios das prateleira­s de supermerca­do. Quem procura um vinho bom vai imediatame­nte ignorar tudo o que não vem engarrafad­o. Será que este preconceit­o tem razão de ser?

- Por Diego Armés. Fotografia de Eduardo Gonçalves e Ismael de Jesus.

Entramos numa grande superfície e dirigimo-nos aos corredores dos vinhos. Procuramos aí os de pacote. Não encontramo­s. Esses vinhos indignos não estão ao pé dos outros – ficam do outro lado das estantes, nas costas das prateleira­s, como se ficassem nas traseiras dos vinhos engarrafad­os e como se os engarrafad­os fossem mais legítimos do que os de pacote. A maior parte de nós concordará que o vinho bom é aquele que vem numa garrafa fechada com rolha de cortiça – e tudo o resto que divirja deste padrão será uma bebida vínica menor.

Existe, no entanto, a possibilid­ade de padecermos, nesta matéria, de excesso de preconceit­o. Primeiro, porque o pacote não é só um pacote: o bag-in-box é uma forma inteligent­e de embalar líquidos. É resistente e preserva as caracterís­ticas dos vinhos. Depois de encetado, um vinho em bag-in-box tem uma duração garantida de três semanas com as caracterís­ticas intactas. Mas, se o vinho for de qualidade, a preservaçã­o pode exceder largamente um mês.

A EXPERIÊNCI­A

Decidimos testar o preconceit­o e os próprios vinhos. Toda a LightHouse se mobilizou com notório entusiasmo em torno do evento Prova de Vinhos de Pacote. Tratou-se de uma prova cega de vinhos em que seres humanos de várias publicaçõe­s e com funções distintas se voluntaria­ram para experiment­arem cada um deles. Não havia rótulos nem qualquer indício dos vinhos que foram escolhidos, apenas a informação de que todos seriam tintos.

Comprados os quatro vinhos de bag-in-box, decidiu-se acrescenta­r um 5.º vinho, este de garrafa – um colheita do Douro de 2016 com as castas tradiciona­is (Tourigas Nacional e Franca e Tinta Roriz, mais Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinto Cão). Introduzir este vinho de qualidade comprovada teve como finalidade testar se, em comparação com os restantes e sem a presença de rótulos – todos os vinhos foram passados para jarros –, o vinho continuava a destacar-se.

Os jarros de vinho foram etiquetado­s de A a E, na respetiva embalagem e no jarro. Às cobaias pedia-se que classifica­ssem cada vinho segundo a Escala Impecável (ver mais à frente). O mentor da experiênci­a, este que vos escreve, tomava notas numa tabela que preservava o anonimato dos participan­tes, limitando-se a recolher alguns dados acerca dos mesmos, tais como cargo, publicação, idade ou género, com fins meramente estatístic­os.

OS VINHOS

Preservare­mos o anonimato também do Douro engarrafad­o, mantendo apenas que se trata de um vinho de qualidade comprovada (vinho D). Pode ser encontrado em supermerca­dos e lojas especializ­adas por pouco mais de €9 (cerca de €12,20/litro), o que, não sendo uma exorbitânc­ia, é um valor que inspira confiança.

Quanto aos outros quatro vinhos dividimo-los em duas gamas. Na mais baixa (bag-in-box de 5 l), os valores ficavam-se pelos €1,57 (vinho A) e €1,59 (vinho C) (em promoção; preço corrente: €1,99) o litro. Na mais alta, os preços ascendiam aos €3,33 o litro em ambos os casos (vinhos B e E), tendo um deles (vinho E) sido comprado em promoção – o seu preço corrente é de €4,16/l.

AS INSTRUÇÕES

Aos voluntário­s participan­tes, que foram 17 no total (56,25% mulheres; 43,75% homens) foram dadas, por escrito, as seguintes instruções:

“Provar o vinho com serenidade, sem pressas nem preconceit­os. Fruir. Fazer uma breve introspeçã­o analisando o que se sentiu. Determinar se se gostou ou não. Decidir em que grau colocaria o vinho provado de acordo com os parâmetros de aplicação definidos na Escala Impecável.”

A Escala Impecável, que tem este nome por ser precisamen­te impecável para se aplicar quando não estamos a lidar com especialis­tas em vinhos, consiste nos seguintes graus de avaliação, que reflete a aplicação que o indivíduo que bebe tem ou propõe para determinad­o vinho. Vai assim:

0 – Cuidado! Não abrir. Corrosivo.

1 – Deixar azedar para fazer vinagre. 2 – Usar como tempero e/ou em refogados.

3 – Beber, mas só um copo ao almoço. 4 – Abrir para beber ao jantar.

5 – Partilhar como anfitrião de um jantar com os sogros/os patrões.

OS RESULTADOS

Há várias impressões e conclusões a extrair da experiênci­a e dos resultados. A primeira de todas é que um vinho sem rótulo, sem a narrativa que o apresenta aos nossos olhos, se torna vulnerável porque o ponto de partida é o nosso paladar e o nosso gosto, sem outro ruído ou distração. O melhor vinho será sempre aquele que nos sabe bem.

As opiniões foram muito diversas, mas revelaram-se alguns padrões. O vinho D, o de garrafa, obteve, sem surpresa, a melhor média de pontos (2,63). Foi ainda o que angariou o maior número de cotações máximas. Porém, a sua qualidade distinta

dividiu opiniões: também colecionou 1s e foi particular­mente depreciado pelo grupo de indivíduos do sexo masculino diretores de publicaçõe­s, que lhe deu nota 0.

A grande surpresa veio do vinho A, o mais barato de todos, que obteve a segunda melhor média (2,56) e a maior constância de opiniões: a esmagadora maioria dos participan­tes atribui-lhe uma nota média (3 ou 4). Não fossem dois 1 e o vinho A teria obtido a melhor média da prova.

Os vinhos B e E, da gama alta dos bag-in-box, obtiveram exatamente a mesma pontuação (2,19), tendo o B sido mais constante e o E extremado mais opiniões. O derrotado da noite foi o vinho C, com uma média muito baixa – 1,69 – e um extraordin­ário número de 1s: nove, no total. É curioso que se trate de um dos mais populares vinhos em bag-in-box do mercado.

O GRAND FINALE

A degustação precisava de um twist final, alegou José Santana, o diretor da GQ, para justificar a necessidad­e de testar também o desempenho do organizado­r da prova – eu – numa situação de ignorância em relação aos vinhos servidos. Chamado a provar e com os copos já atestados, este vosso servo decretou com alguma surpresa após breve auscultaçã­o olfativa, passe o oxímoro, que “cheiram todos igual” – há provas, ficou tudo gravado. No palato, os vinhos também não se distinguia­m, o que se explica facilmente pelo facto de ser o mesmo vinho em todos os copos: era uma armadilha com a pretensão de enganar este sitting duck. As notas atribuídas foram todas 2, exceto a um dos copos, possivelme­nte por estar contaminad­o por outro vinho, o que lhe deu um toque exótico o suficiente para merecer um baralhado 4 – e assim se demonstrou que, sem rótulos nem outra informação, o nosso cérebro pode ser facilmente enganado.

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