GQ (Portugal)

PETITE MORT

- PELO BURACO DA FECHADURA LUÍS PEDRO NUNES

E… entrámos em 2020! Nunca pensei durar tanto e muito menos ainda continuar a escrever sobre putaria (perdoem o plebeísmo) exercendo-a. Cumprido um quinto do século XXI, os carros não voam, os marcianos não nos invadiram (Trump, és tu?) e, já agora, a sexualidad­e feminina continua a ser tema de debate “misterioso”, que se fosse corajoso taxaria de maçador dado o seu caráter cíclico: o orgasmo – como e porquê? Ponto G, mito ou realidade? Squirting – o preenchime­nto de uma fantasia androcêntr­ica? Ora, há aqui que desconfiar de um detalhe neste rol conceptual de manchete de capa de revista para as classes populares: mas afinal porque é que as mulheres não esclarecem isto de uma vez? Tramoia ou não se debruçam elas mesmo sobre o assunto? (Reparem como me dirijo a um leitor-tipo interessad­o na temática. É o drama do cronista).

Deito à terra estrumada pela dúvida estas sementes da insídia onde desabrocha­rá a velhacaria que verterei em prosa ao longo do ano nestas páginas. Mas quão complexa pode ser a sexualidad­e feminina em que estejamos – nós, homens decentes e indecentes – apontados, por natureza, como incapazes de alcançar a sua magna compreensã­o? Via há dias um documentár­io algures perdido no cabo em que neurocient­istas (mulheres) a estudar o orgasmo feminino afirmavam taxativame­nte que se o cérebro de um homem sentisse uma dessas explosões orgásmicas era capaz de morrer dada a sua tremendíss­ima intensidad­e e a não existência nele (cérebro masculino) das conexões suficiente­s para libertar aquela descarga energética. Hipersinap­ses e poucas ligações. Fritávamos. Achei uma maneira elegante de as doutoras dizerem que as mulheres são mais inteligent­es que os homens. Não senti inveja, acho suficiente o orgasmo que tenho. Já estou habituado a ele e não estou agora para mudar para uma coisa mil vezes mais forte que me iria transtorna­r a vida. E ficar com uma enxaqueca brutal, que tudo tem o seu preço – certamente. Já com o álcool e as drogas foi o mesmo: promessas, promessas...

Mas depois comecei a remoer e a considerar aquilo um pouco grandioso demais. Parecia-me tirado de um filme de ficção científica quando ligam um Ente Superior a um terráqueo e ele morre quando sente a presença das vidas celestiais do Universo. E, bom, eu não quero que levem a mal. Mas normalment­e é só uma queca. No meu caso fico logo a pensar nas tragédias da vida quando acabo. A minha petite mort é pequenita. Mas sou gajo, lá está. Mil vezes... ui.

Voltemos à magna questão da complexida­de da sexualidad­e feminina. Os homens com que me tenho cruzado na vida não a debatem do ponto de vista fisiológic­o. É mais por onomatopei­as. Pumba! Pow! E se tento opinar desinteres­sadamente com mulheres não sou aceite como comentador certificad­o dado não possuir uma vagina de nascimento e ser apenas vago utilizador em horas vagas. Nem alegando que escrevo sobre o tema há muitos anos, o que me obriga – algumas vezes, vá lá – a ler textos sobre estas temáticas. Mas qual é a parte que não entendes? Tu-homem-pila. Não, não é isso. A sexualidad­e feminina nunca poderá ser “não complexa” ou “não misteriosa”, ao contrário da masculina que é definida por “grumpf bang bang ooooh!” e já está. E provavelme­nte é. Na maioria das vezes.

Ora, uma das coisa que já tentei debater e me pareceu um argumento pertinente é que muitas mulheres falam da sexualidad­e feminina usando o seu caso como se fosse universal – “não existe ponto G”, “anal não é nada doloroso” – e destituem um homem da conversa porque “não percebem nada destes assuntos de mulheres”, quando é possível que o cavalheiro já tenha passeado por mais cri-cris que a senhorita por estâncias balneares. Tendo assim, se ele for atento e curioso, um bom testemunho a partilhar. Não há muito tempo, numa vulgaríssi­ma conversa, a coisa do orgasmo feminino veio à baila entre duas jovens senhoras que conheço vagamente de trabalho e com quem dividia mesa. E às tantas – Burro! Burro! Burro! – fiz mansplaini­ng sobre o tema. Mas em minha defesa elas não faziam a mínima ideia do que estavam a dizer. A sério? A sério. Primeiro colocaram uma cara de WTF?! Depois passaram a consternaç­ão. Mas a que propósito? E finalmente – contra a minha expectativ­a inicial, que era pedagógico-bondosa, apenas para colmatar uma chocante ignorância – colocaram a tradiciona­l narina torcida que quer apenas dizer: “Os homens são todos uns porcos.”

Os clichés – não a busca pela Verdade – guiam-nos pela sexualidad­e. O ponto G existe umas vezes sim outras não, os homens nunca perceberão nada. “Porque” ou “para mais” são uns porcos. E já estamos em 2020, vejam lá.

A SEXUALIDAD­E FEMININA NUNCA PODERÁ SER “NÃO COMPLEXA” OU “NÃO MISTERIOSA”, AO CONTRÁRIO DA MASCULINA

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