GQ (Portugal)

COMO BRAD PITT ME PROVOU QUE NÃO ESTOU NA ERA DO “PÓS-ROUPA”

- MAN THINGS TONY PARSONS

Alguma vez adorou uma camisa? Naquela idade em que todas as nossas camisas eram escolhidas pela nossa mãe, eu olhava, sem fôlego, para a camisa dos meus sonhos: uma Ben Sherman azul-clara com risquinhas cor de salmão que pertencia ao irmão mais velho do meu amigo David Peck, um tipo de 16 anos que nos dizia que, se queríamos perceber a guerra do Vietname, então tínhamos de ouvir Jim Morrisson e The Doors. Aquela camisa deu-me a conhecer o poder secreto da roupa.

De repente, percebi perfeitame­nte aquilo que uma boa peça de roupa pode fazer por nós. Vi como pode servir-nos de armadura contra o mundo, dar-nos uma confiança sem limites e ajudar-nos a endireitar as costas enquanto enfrentamo­s a vida. Eu acreditava que vestir aquela Ben Sherman iria preencher-me e transforma­r-me, concretiza­ndo aquele sonho de ser magicament­e metamorfos­eado na melhor versão de mim próprio, com mais estilo, mais atraente e, quem sabe, até com mais jeito para falar com as miúdas.

Depois crescemos e, um dia, percebemos que temos mais camisas boas do que oportunida­des de as vestir. Já as comprámos todas. Chegamos a uma altura da nossa vida em que a roupa já não é importante, certamente não da forma obsessiva como era quase o mundo quando era jovem e os irmãos mais velhos dos nossos amigos usavam camisas Ben Sherman. E quando se passa o equivalent­e a metade de uma vida desde os tempos que a nossa mãe nos escolhia as camisas, apercebemo-nos de que estamos ligeiramen­te parecidos com aquele famoso cartoon do New Yorker, com um homem sentado numa sala cheia de objetos do mundo material e a pensar: “Acho que já tenho tralha que chegue para uma vida inteira.” “Ah”, pensamos, “agora sou um homem pós-roupa”.

Nas décadas que se sucederam àquela Ben Sherman, tive fatos de Savile Row que mais pareciam uma segunda pele do que uma peça de vestuário. Tive um conjunto completo de cardigans Giorgio Armani, em tons outonais, tão leves que podia vesti-los em qualquer estação. E um bomber jacket clássico MA1, em nylon verde, da Prada, tão adequado para uma visita à Vogue House como para passear o cão. Um dia desaparece­ram. E, à semelhança de qualquer coisa ou de qualquer pessoa, apercebemo-nos de que não podem ser substituíd­as, não de verdade. Um dia, deixamos de tentar. A emoção desaparece. Passámos a ser um homem da era do pós-roupa.

É então que vemos Brad Pitt com o seu blusão de ganga em Era Uma Vez em… Hollywood. Apesar de o nosso cérebro saber que a razão pela qual nenhum homem de 55 anos alguma vez ficou assim tão bem com um blusão de ganga tem mais a ver com Brad Pitt do que com o blusão, lá no fundo, queremos saber: O que tem ele vestido? E onde posso comprá-lo?

O blusão de ganga que Brad Pitt vestiu na obra-prima de Quentin Tarantino é um Wrangler Icons 124 MJ Western. O modelo da Wrangler atualmente disponível online difere do usado por Pitt apenas num aspeto: a designer de guarda-roupa Arianne Phillips usou um blusão vintage para o filme, com um fecho éclair, e o Wrangler 124MJ atual tem botões de cobre.

Fora a questão do fecho, podemos ter o blusão de Brad por apenas €100. No entanto, pensemos um pouco: o que pretendemo­s ao certo? Parecer tão incrível e atraente como Brad Pitt no papel do duplo Cliff Booth? Parecer assim tão estupidame­nte atraente na meia-idade? Sim, por favor! Acima de tudo, porém, aquilo que todos queremos é alcançar o eterno sonho da autorreali­zação e da transforma­ção. A ironia é que não vamos lá chegar através de imitações. Os pozinhos de perlimpimp­im vêm tanto do homem como do equipament­o. Eu bem poderia ter vestido a camisa Ben Sherman do irmão mais velho do David Peck, mas nunca teria o estilo e a elegância dele. Não saberia como falar sobre Jim Morrisson e as suas associaçõe­s à guerra do Vietname. Apesar de ser uma camisa giríssima, eu continuari­a sem saber como falar com raparigas.

Em Era Uma Vez em… Hollywood, o guarda-roupa de Cliff Booth também inclui botas de cowboy e uma camisa de estilo havaiano amarela, que ele usa desapertad­a sobre uma T-shirt desbotada da Champion. A Champion é uma marca americana antiga e venerável de velas de motor, fundada em 1908, embora só tenha entrado para o mundo da moda com o filme de Tarantino. Agora é possível comprar aquela T-shirt da Champion no website da empresa (fui pesquisar) ou uma de muitas falsificaç­ões disponívei­s na Internet. Mais uma vez, isto não vai fazer ninguém parecer o Cliff Booth, mas eu não consigo deixar de acreditar.

Mesmo quando já perdemos todo o entusiasmo, mesmo quando conseguimo­s sentir o peso da vida a acumular-se sobre os ombros e o armário a transborda­r, o poder de sedução de uma boa peça de roupa é indiscutív­el. Pensamos que já ultrapassá­mos a roupa e depois vemos Chuka Umunna com um fato de verão de Alexandra Wood. Ou os bonés de ardina de Peaky Blinders. Ou Barack Obama num jogo de basquetebo­l com um bomber Rag & Bone Manston. Ou, claro, Brad Pitt com o seu Wrangler. E então percebemos: um homem nunca chega à era do pós-roupa.

A EMOÇÃO DESAPARECE. PASSÁMOS A SER UM HOMEM DA ERA DO PÓS-ROUPA

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