GQ (Portugal)

FUTEBOL

- Por Diego Armés. Fotografia de João Henriques.

Um homem, um sonho, um clube, muitas funções. Entrevistá­mos o fundador e presidente do Club Sintra Football.

O homem sonha e faz a obra, o clube nasce. Foi da imaginação de Dinis Delgado que uma ideia arrojada ganhou contornos e se tornou realidade. Foi da sua determinaç­ão e muita dedicação que nasceu o Club Sintra Football, uma agremiação com um percurso meteórico no futebol português.

Peguemos num dicionário, qualquer um, desde que seja de referência, e procuremos a definição de clube. Invariavel­mente, a palavra remete para um grupo de pessoas que se associam tendo um objetivo ou interesse comum. É, portanto, logo no ponto essencial que o Club Sintra Football destoa dos seus pares: não resultou da união de pessoas em torno de um propósito, mas antes de uma espécie de delírio de um só homem a quem, depois e com o passar do tempo, se juntaram outros que acreditara­m na sua visão e o seguiram.

O homem de quem se fala é Dinis Delgado. Preside ao clube que fundou e acumula ainda as funções de cozinheiro e de motorista, por exemplo. Acima de tudo, é o mentor de uma ideia que tem tanto de romântica quanto de pragmática – é que o Sintra Football tem uma marca incrível: em 12 anos de existência, subiu cinco vezes de divisão e está às portas dos campeonato­s profission­ais nacionais, ou seja, da Segunda Liga.

A GÉNESE

No princípio, era a bola: havia um grupo de amigos que jogavam juntos. Dinis Delgado era um desses rapazes. Chegou uma altura em que Dinis decidiu que o grupo merecia tornar-se clube a sério. “Fiquei eu a liderar o clube, tínhamos 28 e 29 anos quando isto começou, mas depois uns vão casando, mete-se a vida, surgem outras prioridade­s.” Sugerimos que calhou a Dinis “ficar com o bebé no colo”, ao que ele riposta, sem hesitação, “é normal, o bebé é meu”. Já se sabe que um bebé é capaz de mudar tudo na vida de uma pessoa. Neste caso, a vida de Dinis mudou em dois casamentos, que foram subtraídos da sua equação. Como é que este clube unipessoal cresceu e se tornou mais robusto é outro segredo. “Foi com carinho, com muito amor”, diz Dinis. Não é metáfora nem exagero, foi mesmo assim, mimando os adeptos que as pessoas foram aderindo à ideia do Sintra. “Arranjámos umas almofadas que distribuía­mos pelas pessoas para se sentarem nas bancadas, que eram frias; recortámos tecidos para fazer mantas para que pudessem ter o que pôr nos ombros; servíamos chá de limão. No fundo, com meia dúzia de euros conseguíam­os proporcion­ar conforto a quem vinha ver os jogos. Isso aproximou as pessoas.”

Por norma, são cerca de 200 pessoas a assistir aos jogos, segundo Dinis.

“Mas vão a todo o lado”, garante. As famílias dos jogadores também são importante­s a compor a bancada adepta do Sintra. “Sócios pagantes temos cerca de 100”, acrescenta o presidente e fundador do clube que cresceu o suficiente para fazer peito ao histórico

Vitória Sport Clube, o de Guimarães, e eliminá-lo na 3.ª ronda da prova. “Antes de jogarmos com o Vitória, fomos convidados, eu e outros dirigentes do Sintra, para ir lá a Guimarães assistir a um ou dois jogos antes da nossa elimi- natória”, conta Dinis. “Decidimos brin- car com a situação metendo conversa com pessoas aleatórias a propósito da eliminatór­ia da Taça. Ninguém sabia de que clube se tratava, uns achavam que era o Sintrense, outros nem sabiam identifica­r.” No mundo do futebol não se cria nome e estatuto só subindo de divisão consecutiv­amente. É preciso existir e persistir. “Mas já temos um recorde: se excetuarmo­s os três grandes, o Sintra é o único clube com mais de 10 anos de existência que nunca registou uma descida de divisão.” Contra factos não há argumentos.

COMO NA PLAYSTATIO­N

É domingo, dia de bola, e o Estádio Municipal de Oeiras servirá de palco para o Club Sintra Football–Grupo Sportivo de Loures da 22.ª jornada da Série D do Campeonato de Portugal. As bancadas estão quase vazias – “foi uma situação atípica”, garantiu-nos o presidente do Sintra –, há uma dúzia de adeptos do Loures, que inclui uma claque ruidosa e convicta, mas muito reduzida, e talvez três dezenas de adeptos do Sintra, quase tudo gente da casa e familiares de jogadores.

O panorama reflete duas coisas: a atualidade do clube e a situação da equipa. O Sintra, quando empatar este jogo 1-1 (e depois de ter estado bastante tempo na frente do marcador, sofrendo o golo já sobre o minuto 90), sairá deste campo em último lugar da tabela classifica­tiva. A equipa que nunca desceu sente agora o arrepio fantasmagó­rico da relegação, que é uma possível realidade. A última vitória aconteceu na

5.ª jornada, após a qual a equipa registava oito garbosos pontos, resultado de duas vitórias, dois empates e uma derrota. Desde então e ao longo de 18 longas e penosas (e às vezes injustas) jornadas, os jogadores do Sintra não mais encontrara­m o caminho da glória.

O HOMEM DE QUEM SE FALA É DINIS DELGADO. PRESIDE AO CLUBE

QUE FUNDOU E ACUMULA AINDA AS FUNÇÕES DE COZINHEIRO E DE

MOTORISTA, POR EXEMPLO

O DESPEDIMEN­TO DO TREINADOR ANTERIOR PODE ESTAR LIGADO A ESTA SEQUÊNCIA, MAS DINIS DELGADO NÃO ACREDITA EM VISÕES SIMPLISTAS

Odespedime­nto do treinador anterior pode estar ligado a esta sequência, mas Dinis Delgado não acredita em visões simplistas. “O afastament­o do treinador anterior foi a conclusão de um processo e de uma reflexão longos, não foi uma decisão extemporân­ea nem impulsiva.” A verdade é que são 18 jogos sem ganhar para o campeonato, desde o longínquo mês de setembro que a equipa não saboreia a conquista de três pontos e a descida está mesmo ali à frente. Dinis, no entanto, tem uma visão curiosa. “Arrependo-me de ter afastado o treinador... mas faria tudo igual.”

O fundador do clube aceita que a magreza dos resultados possa afastar algumas pessoas, mas mantém a convicção de que a equipa resistirá.

“Os miúdos estão bem animicamen­te, há otimismo. Este empate de hoje custou um bocadinho, não soubemos aguentar e não matámos o jogo quando podíamos”, diz e não se engana: foi mesmo isso que aconteceu – com uma equipa mais experiente (o plantel tem uma média de idades de 23 anos), os três pontos não teriam fugido nos derradeiro­s instantes. Quanto ao treinador, e apesar dos resultados, Dinis acredita que Luís Silva é o homem certo para o lugar e para a espinhosa missão que tem de somar por volta de 13 a 15 pontos nos próximos 12 jogos, de maneira a escapar à despromoçã­o.

O momento da equipa não abala a direção. “Não sofro contestaçã­o, é uma coisa maravilhos­a. As pessoas sabem o quanto me dedico. Sofro mais contestaçã­o em casa, aí sim, e por pequenas coisas do quotidiano. Aqui, não.” Metemo-nos com Dinis dizendo-lhe que é um pequeno luxo ter um clube para se gerir como se tivesse um Football Manager só que na vida real. Ri-se, diz que sim, que às vezes é como se estivesse numa PlayStatio­n. Recorda, bem-disposto, um episódio. “Uma vez, ainda jogava, marquei o primeiro golo da história do Sintra na Taça de Lisboa”, nota-se que sente orgulho. “Ao intervalo, o treinador decidiu substituir-me.” O semblante muda. Obviamente, demitiu-o.

CASA ÀS COSTAS

Se o momento frágil da equipa pode desmotivar adeptos, o que definitiva­mente os mantém à distância é a recente mudança de campo. Oeiras é a terceira casa do jovem clube, que começou em Sintra e passou por Queluz, mais concretame­nte pela casa do Real Sport Clube. A subida do Sintra para a mesma divisão do Real (o Real lidera a Série D do Campeonato de Portugal) levou a direção sintrista a decidir mudar-se para outro sítio. Assim, passaram a jogar no Municipal de Oeiras, onde também improvisar­am uma sede, com escritório, troféus e sala de estar e de refeições. “Andei aqui a construir isto”, diz Dinis enquanto dá palmadas nas placas de madeira que ora forram as paredes, ora fazem elas próprias de paredes divisórias.

Ao logo da conversa, é repetida a ideia de que as contas são feitas até ao mais ínfimo detalhe. “Já chegámos a ir jogar ao Algarve, graças a esta maneira de fazer contas, consegui instalar uma equipa inteira num hotel e fazer refeições para todos por 1.200 euros”, conta, com indisfarçá­vel satisfação.

“Pego no telefone e falo com outras pessoas do meio, se for preciso, com presidente­s de outros clubes – pergunto-lhes preços, pergunto-lhes onde se come, onde é que é de confiança. Tudo isto conta.”

Se falamos em contas, temos de falar em receitas. De onde vem o dinheiro? “Nestas divisões, não se ganha dinheiro a vender jogadores.” Segundo o presidente, os jogadores são amadores, jogam a troco de pequenas remuneraçõ­es que não chegam para muito mais do que cobrir despesas, como se fizessem um part-time. “Treinamos às 10h da manhã, acabamos o treino, dou almoço aos miúdos e eles depois vão à vida deles.” Num plantel tão jovem, é natural encontrar vários que ainda estudam, por exemplo.

Mas então o dinheiro vem de onde? “Dos patrocínio­s. E de nós próprios. Já investi aqui algum dinheiro.” As contas são feitas numa base “jogo após jogo, semana após semana”. O Sintra não tem futebol de formação, por exemplo, porque foi “obrigado a concentrar-se na equipa sénior, senão não dava para tudo”. O facto de não ter casa própria tem influência. “As outras equipas conseguem ter formação e rentabiliz­á-la, recebendo xis por mês por miúdo. Nós não conseguimo­s ter isso ainda.” Porém, a situação terá de mudar rapidament­e, porque, a partir de 2021, se não tiver escalões de formação, não poderá competir nas provas nacionais. “Pode-se dizer que estamos – ou que eu estou, pelo menos

– a atingir o limite. Sei que, daqui, já não passo, nem financeira­mente, nem como gestor e presidente. Daqui para cima, já não dá”, desabafa Dinis. “Precisamos de um investidor, de preferênci­a, de um grande investidor”, explica, dando exemplos de sucesso ao nível internacio­nal e reforçando a ideia de que o próprio nome do clube aponta para a internacio­nalização – “um russo, ou um francês, sabem lá o que é uma associação desportiva e recreativa... agora, o Club Sintra Football é universal“.

“Escreva aí, se quer ajudar o Sintra, escreva: o clube precisa de um grande investidor!”

 ??  ?? Vestido em algodão e lã, collants em acrílico, botas em camurça, tudo Gucci.
Vestido em algodão e lã, collants em acrílico, botas em camurça, tudo Gucci.
 ??  ?? Dinis Delgado, à esquerda, de joelho no chão, é o homem no centro desta história.
Dinis Delgado, à esquerda, de joelho no chão, é o homem no centro desta história.
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