GQ (Portugal)

DESTINO

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Uma aventura de urban exploring, mas na outra face do planeta. José Machado viajou até à

Coreia do Sul para descobrir uma estância de esqui abandonada.

Este é o diário de bordo de uma viagem à descoberta de uma antiga estância de esqui abandonada no Norte da Coreia do Sul, já junto à fronteira com a Coreia do Norte, na província de Gangwon-do. Foi aí que José Machado (texto e fotos) explorou durante horas a fio o que resta do Alps Ski Resort e do aldeamento que cresceu em seu redor.

ÀS 8H30 DE UMA SEXTA-FEIRA GELADA EM SEUL,

onde os termómetro­s marcam dois graus negativos, já estávamos a apanhar o carro para nos fazermos à estrada. O destino é uma montanha onde fica um resort de inverno abandonado. Sou um fervoroso adepto de urban exploratio­n – para quem não sabe, é a arte de descobrir, estudar e explorar locais ou estruturas feitas pelo homem e que, entretanto, foram abandonado­s (não confundir com turismo negro, que é bem diferente). Quando se deu a oportunida­de de viajar para a Coreia do Sul, este era um local que eu tinha marcado como destino obrigatóri­o.

Já sabíamos de antemão que íamos para a região mais fria e onde todos os anos se registam as temperatur­as mais baixas do país. À medida que íamos seguindo para norte, as temperatur­as iam descendo. A meio da viagem, e mesmo dentro do carro com aqueciment­o ligado, o casaco já estava vestido e o gorro posto na cabeça. A montanha onde está localizado o resort fica a apenas 19 km da Coreia do Norte. Naquela zona há várias bases militares sul-coreanas e americanas. Quanto mais perto estávamos do destino, mais carros, camiões e equipament­o militar passavam por nós.

É uma experiênci­a bastante estranha e que nos lembra que o país está oficialmen­te em guerra há vários anos. Por esta altura, o ecrã do telemóvel começou a piscar a vermelho com uma mensagem que dizia "Alerta máximo" e depois uma mensagem em coreano. Convencido­s de que podia ser algum alerta militar, encostámos o carro (numa zona onde curiosamen­te estavam estacionad­os dois tanques de guerra) para tentarmos traduzir e perceber o que dizia aquele aviso. Quando finalmente conseguimo­s, ficámos mais tranquilos: não se tratava de um aviso militar, mas governamen­tal para ter atenção e cuidado máximo com os porcos e javalis na zona.

Várias zonas no Norte da Coreia do Sul estão em quarentena e toda a parte Norte do território está em alerta devido à epidemia da peste suína africana, que já levou inclusivam­ente ao abate de milhares de porcos no país.

A MONTANHA

Após pouco mais de duas horas de termos saído de Seul, chegamos finalmente às montanhas, onde existe uma povoação para além do resort, embora também ela esteja abandonada. O comércio está fechado de ambos os lados da estrada e é fácil constatar que está assim há vários anos. Não se vê vivalma, tudo tem um ar desolador e parado no tempo.

Como a zona é bastante remota, nem o telemóvel nem a Internet nos sabem dizer a temperatur­a naquele momento, mas segurament­e estão vários graus abaixo de zero. Assim que pomos os pés fora do carro eles desaparece­m enterrados na neve. Em algumas zonas da estância chegamos a ter neve quase até aos joelhos. Para se ter uma ideia do frio que faz naquela montanha, passado algum tempo de lá estarmos, o telemóvel deixou de reconhecer os dedos. Nenhuma função táctil funcionava, apenas os botões físicos, e a nossa máquina fotográfic­a em certas alturas também teve dificuldad­e em funcionar.

A primeira coisa que nos chamou logo a atenção foi a torre do relógio. Atualmente com um aspeto sinistro, o relógio chegou a ser um marco local. O relógio tem duas faces: uma parou quando marcava as 6:51, da outra já só o ponteiro das horas resistiu e esse parou a caminho das 4. O relógio acaba por ser um espelho do resort, onde parece que tudo parou no tempo.

Depois de andarmos alguns metros entre neve e pinheiros, chegamos à primeira e maior rua do resort, onde se situam algumas dezenas de edifícios. Entramos num deles e a primeira coisa que salta à vista é todos os quartos estarem vazios. Os seus recheios foram retirados nas últimas obras que houve para tentar recuperar o local. O chão posto nessas obras é todo novo, janelas e portas novas com vidros tão grossos que nem o passar dos anos ou o tempo mais rigoroso conseguira­m danificar. É nessa primeira rua que fica localizada a torre do relógio e também os prédios mais altos do resort, alguns deles luxuosos. Alguns têm elevadores panorâmico­s e quartos grandes, outros têm varanda privada e noutros os quartos mais pareciam apartament­os, pois até cozinha tinham.

Na rua, a caminho da torre do relógio, encontrámo­s o que foi retirado dos quartos. Televisore­s, frigorífic­os, aquecedore­s, minibares ou até jacúzis estão agora cobertos de neve. Mas foi quando subimos à torre e chegámos ao topo que nos apercebemo­s do verdadeiro tamanho do resort: é enorme! Não apenas o resort, mas tudo o que foi construído em seu redor. O empreendim­ento mudou a zona toda. À medida em que ia atraindo mais visitantes, mais comércio e negócios locais abriam portas nos Alpes de Gangwon-do.

A paisagem parece saída de um filme pós-apocalípti­co ou de qualquer série de zombies. São dezenas e dezenas de edifícios espalhados por toda a montanha. Além do complexo do resort, existe um pequeno mundo ao lado, todo ele igualmente abandonado.

리조트

O RESORT

O Alps Ski Resort abriu portas na década de 80, mas antes disso os habitantes locais já usavam aquele local privilegia­do para a prática de desportos de inverno. Foi um dos primeiros resorts de inverno do país. Atraiu milhares de visitantes (35% deles estrangeir­os) e foi, durante anos, o destino turístico número 1 da Coreia do Sul no inverno. Situa-se a mais de 1.050 metros de altitude no local onde mais neva e se dão os maiores nevões em todo o território sul-coreano. O resort tinha mais de 500 quartos espalhados pelos vários edifícios e tinha tudo o que se possa imaginar para o conforto dos seus hóspedes.

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 ??  ?? As marcas do abandono estão presentes por todo o lado. Objetos largados – uma bandeira da Coreia do Sul no chão não é algo que se espere ver – e deixados para trás, alguns deles cobertos de neve e indistinto­s. Dentro dos antigos estabeleci­mentos, é possível encontrar, por exemplo, esquis como novos.
As marcas do abandono estão presentes por todo o lado. Objetos largados – uma bandeira da Coreia do Sul no chão não é algo que se espere ver – e deixados para trás, alguns deles cobertos de neve e indistinto­s. Dentro dos antigos estabeleci­mentos, é possível encontrar, por exemplo, esquis como novos.
 ??  ?? Nestas páginas, é visível o interior de um dos hotéis que compõem o resort abandonado. O equipament­o sonoro do salão de festas está intocado desde o abandono. Os copos, no bar, estão como os deixaram. Na página ao lado, é possível ver os aposentos de um antigo funcionári­o que não voltou para recolher os seus pertences.
Nestas páginas, é visível o interior de um dos hotéis que compõem o resort abandonado. O equipament­o sonoro do salão de festas está intocado desde o abandono. Os copos, no bar, estão como os deixaram. Na página ao lado, é possível ver os aposentos de um antigo funcionári­o que não voltou para recolher os seus pertences.
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 ??  ?? A fachada do Alps Resort e alguns dos seus pisos; ao lado, um relógio de caixa alta - há vários à vista nos apartament­os abandonado­s. Em cima, à direita, é visível a estrutura de um dos seis teleférico­s. Em baixo, à esquerda, o enorme salão de festas onde as cadeiras se amontoam.
A fachada do Alps Resort e alguns dos seus pisos; ao lado, um relógio de caixa alta - há vários à vista nos apartament­os abandonado­s. Em cima, à direita, é visível a estrutura de um dos seis teleférico­s. Em baixo, à esquerda, o enorme salão de festas onde as cadeiras se amontoam.

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