GQ (Portugal)

A FUGA DE MAZGANI

Ao sexto disco de originais, o cantautor luso-iraniano galga novas geografias, adotando um registo mais contemplat­ivo, mas com igual enfoque na lírica.

- Por Beatriz Silva Pinto

Quarenta e cinco anos de vida, 13 de carreira, seis álbuns de originais. O longo e certo percurso musical de Shahryar Mazgani (nascido na antiga Pérsia e chegado a Portugal aos 4 anos, em fuga da Revolução Islâmica) leva-nos a crer que nunca houve, na vida do artista, uma alternativ­a às canções. Mas é erro nosso julgá-lo – e é por isso que o músico se diz sentir tão “grato” ao olhar para trás. “Eu sou jurista de formação e tudo indicava que essa era a vida que eu ia escolher”, revela. A música surgiu tarde e como um caminho alternativ­o de uma existência em que não se revia; materializ­ava a fuga a “um molde pré-definido” em que não se encaixava. E é ainda através da música, admite, que consegue ser do seu real tamanho.

Hoje, apesar de reconhecer coerência no percurso, sente-se musicalmen­te com “muito mais músculo”, depois dos “muitos território­s diferentes explorados ao longo dos 13 anos”: “Há uma voz, no sentido figurativo, que vai casando os discos, as histórias são mais ou menos semelhante­s. Mas os discos foram sendo feitos em reação uns aos outros. Se achei que um disco foi mais artificial, depois se calhar tentei ser um bocadinho mais purista nas técnicas de gravação. Fui sempre reagindo.”

Talvez assim se possa justificar a mudança de registo do álbum The Poet’s Dead (2017), mais expansivo, mais rock’n’roll, para este The Gambler Song, mais noir, contemplat­ivo e a ressoar, invariavel­mente, os ícones da sua juventude (Tom Waits, Nick Cave, Leonard Cohen). “Eu não sou muito analítico, não tenho plano ou estratégia”, confessa. “Mas há o sentimento de ‘Se já se fez, deve-se fazer outra coisa’ e continuar a explorar novas estéticas, novos mapas, novas geografias.” E assegura que não há referência musical que lhe sulque o caminho que quer fazer por conta própria, fiel a uma identidade que nos diz já ter fixado há muito. “Mais do que cantar como o Leonard Cohen, o Nick Cave ou o Tom Waits, o que eu entendo deles é um convite a seguir a minha própria voz, a tentar ser um indivíduo. O mapa que eles me dão é precisamen­te um convite para me afastar deles.”

O novo disco, que conta com a coprodução de Peixe, antigo guitarrist­a dos Ornatos Violeta, vai ser apresentad­o no Capitólio, a 4 de março, pelas 21h30. Mas haverá música para lá da estreia: o plano é revisitar canções antigas e dar-lhes nova roupagem, à luz da estética atual de Mazgani.

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The Gambler Song foi editado de forma independen­te com um apoio do Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores
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Edição de autor
The Gambler Song Mazgani Edição de autor

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