GQ (Portugal)

GEMER

- LUÍS PEDRO NUNES

Em estrangeir­o fica sempre melhor. Mas sabem como os homens são, uns porcos e tal, e a falar de sexo... a falar de sexo, uns básicos. E porcos. Mas o quadro – que já terei visto em alguns filmes ou séries ou ouvido em conversas – envolve dois tipos a perguntar se determinad­a pessoa do género oposto seria uma “screamer” ou uma “moaner”. Isto é, se gritaria ou se se limitaria a gemer durante a refrega sexual. Não há palavras para isto no nosso português casto de cá. Uma “gritadeira”, uma “gemedora” faz mais lembrar carpideira­s de funerais do que mulheres em êxtase. Em meu abono, e dado que todo o homem é hoje um cobarde com medo de estar a pisar uma mina feminista que o projete para o inferno dos misóginos proscritos, não me lembro alguma vez de ter dito tal. Calma: atente-se neste primeiro ponto a ter em conta. Mesmo quando o assunto era debatido seria mais considerad­a uma caracterís­tica da pessoa do que reflexo da qualidade do varão. Dito de outra forma e sem ferir suscetibil­idades: a outra pessoa seria produtora de determinad­a tipologia de sons independen­temente de o parceiro ser um garanhão ou um nhonhó. Haveria mulheres que gritavam no sexo, outras que se limitariam a uns gemiditos (e outras nem isso). Era a lei. Desempenho à parte. E isso perturbava alguns homens. (Vá, pronto, ok, a performanc­e também contava. Já vos disse que os homens são uns porcos ou porcos reciclados?)

Sejamos francos. Imaginemos uma primeira noite. Sempre situação de território desconheci­do e por vezes atemorizad­or e aquela frágil donzela tornava-se uma Castafiore capaz de partir lâmpadas dois andares acima e alterar o timbre entre o soprano spinto e um soprano dramático a morrer no último ato. Ou, como dizia um fulano qualquer que tinha arranjado uma namorada japonesa, “Porque é que ela só deixava sair uns ligeiros sons, a espaços, muito abafados?” Perguntava: “É cultural?”

Nestas coisas, o melhor é ir a duas fontes: revistas femininas e um artigo ou outro científico bem cotado. Mete-se na Bimby e sai crónica. Um truque bandalho. Foi o que fiz. Descobri uma publicação digital direcionad­a para o público feminino que se dedica muito a estes assuntos – que num artigo me garante que o “gemer, gritar, rir, grunhir” tudo faz parte de uma “voz sexual” que cada uma deve descobrir e que se deve encontrar com o parceiro/a como se fosse uma “dança sexual interativa”. Dão dicas: se estão inseguras quanto à sua vocalidade erótica deixam-na fluir durante a masturbaçã­o. Parece-me bem. Nada contra. Bons conselhos. A publicação digital até é de borla. E devia ter ficado por aqui.

Mas não. Quis problemas. E descobri um texto de 16 de abril de 2019 na Psychology Today de Aaron Ben-Zeév, antigo presidente da Universida­de de Haifa, autor de The

Arc of Love: How our Romantic Lives Change Over Time e que escreve um texto baseado no artigo “Evidence to suggest that copulatory vocalizati­ons in women are not a reflexive consequenc­e of orgasm”, Brewer, G., & Hendrie, C. A. (2011). Estou tramado. Segundo o emérito professor, e citando o estudo, muitos dos gritos e gemidos das mulheres não são “genuínos”, mas sim uma forma de manipular sexualment­e o parceiro. Leu bem.

“Podemos aceitar que gritos e gemidos moderados são muito benéficos para uma melhoria da satisfação sexual. Contudo a maioria desses gritos e gemidos são genuínos? Aparenteme­nte não”, diz o professor.

No tal estudo de 2011 de que se socorre, 62% das mulheres que participar­am disseram que a vocalizaçã­o servia para acelerar o parceiro para que este chegasse ao orgasmo, enquanto 87% referiram que a vocalizaçã­o era usada para fingir que estavam elas a atingir o seu êxtase. Então? Mas o que é isto? Quantas mentiras ainda têm na manga para nós no momento em que estão nuas? Dizem os investigad­ores que há uma dissociaçã­o entre o momento em que atingem o orgasmo e estas vocalizaçõ­es – que são produzidas sob controlo e lhes permitem manipular o comportame­nto masculino em seu favor. Ou seja, o momento em que fazem o teatrinho do descontrol­o estão em controlo para nos descontrol­ar e depois o seu êxtase é lá feito sossegadin­ho numa outra altura. Farsa! Falsas!

Cuidado, o que vou escrever pode mudar a vida de muitos de vós: “O estudo demonstra que as mulheres gemem sempre que estão a ficar aborrecida­s, cansadas ou desconfort­áveis durante o sexo e sabem que assim o homem atinge o clímax mais rapidament­e.” Respiremos.

Todos admitimos o poder destrutivo do fingimento no sexo. (Quantos anos a debater orgasmo fingido, Deus meu?) Mas as mulheres sabem que o silêncio é mais perturbado­r do que gemidos e gritos moderados são muito difíceis de descortina­r se são fakes ou verdadeiro­s. Ora se esses sons aumentam o prazer do parceiro (e até podem alimentar quem os profere) “são uma profecia que se cumpre a si mesma”.

Façamos agora um momento de silêncio para absorver em paz esta informação e para rever algumas daquelas situações em que pensamos que éramos o melhor condutor do mundo.

Um dia pode ser fiquemos a saber tudo sobre as mulheres. Não será hoje. HÁ UMA DISSOCIAÇíO ENTRE

O MOMENTO EM QUE ATINGEM O ORGASMO E ESTAS VOCALIZAÇÕ­ES

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