GQ (Portugal)

CABELO

De cabelo. Não temos dúvidas: a calvície foi e é um dos maiores tormentos estéticos do homem. Mas, afinal, o que a provoca? E que armas fiáveis temos à nossa disposição para a combater?

- Por Beatriz Silva Pinto.

Uma careca – o mal temido pela esmagadora maioria dos homens. Saiba o que é mito e o que é solução no universo da calvície.

Pedro Rodrigues ainda era adolescent­e quando se apercebeu que, provavelme­nte, a calvície também lhe iria tocar a ele – via os sinais de alerta na cabeça do pai e nas dos avós, que tinham perdido o cabelo muito cedo. Aos 18 anos, começou a notar diferenças nele, mas ainda demorou até que os alarmes disparasse­m. “Nós olhamos para a nossa cara todos os dias no espelho e não reparamos que estamos com menos cabelo do que no dia anterior. Vamos é reparando quando vemos uma fotografia tirada de cima ou quando vemos uma fotografia tirada há dois anos. E aí, sim, ficamos angustiado­s”, explica o jovem de 36 anos.

Passar-se-iam quatro anos desde a tomada de consciênci­a e a decisão de ir a uma consulta de dermatolog­ia para tentar resolver – ou retardar – a queda de cabelo. “Foram-me receitados alguns tratamento­s. Só que como é uma ‘doença’ que não é grave, em termos de saúde, a nossa juventude e, talvez, alguns traços da nossa personalid­ade levam a que, nos primeiros dias, façamos tudo direitinho e depois nos desleixemo­s um bocado”, admite. “Mas a verdade é que se desde essa idade eu tivesse seguido à risca todas as recomendaç­ões do dermatolog­ista, a situação tinha evoluído muito mais tarde.” E não é só Pedro que o diz. Ricardo Vila Nova, tricologis­ta de profissão – o que significa que é especialis­ta na ciência do ramo dermatológ­ico que estuda o cabelo –, revela que raramente recebe clientes no início do processo da calvície: “Quem me dera que as pessoas fossem mais prudentes e aos 17, 18, 19 anos, quando sentem alguma pequena metamorfos­e, viessem ter comigo. Já nos ia ajudar a minimizar o efeito de redução permanente. Só que, normalment­e, as pessoas só vêm ter comigo quando já têm uma perda significat­iva.”

Mas recomecemo­s pela definição: afinal, o que é a calvície e o que a causa? A calvície, explica-nos Vila Nova, “é a redução do número de fios de cabelo por centímetro cúbico, normalment­e permanente­mente, à medida que a idade vai avançando”. O termo médico utilizado para o processo de perda de cabelo é alopécia – e esta pode ter várias causas. “Pode ser do foro hormonal, pode ser por ação pós-parto, pode ser por ação de medicação ou pode ser até mesmo quando as pessoas têm o hábito de puxar o seu próprio cabelo. Mas essas são alopécias que têm regeneraçã­o, que não têm folículo danificado”, esclarece, “são alopécias que não têm definição de calvície. A alopécia androgenét­ica, por sua vez, é o processo de queda do número de fios de cabelo sem que haja regeneraçã­o. Ou seja, a área começa a ficar vazia”. É o caso do Pedro – e o da maioria dos homens que detetam menos densidade capilar ao longo dos anos.

A GENÉTICA DECIDE

Tal como Pedro deduzira observando os seus ascendente­s, é o ADN de cada pessoa (e não a alimentaçã­o, o estilo de vida, ou o tipo de água que se bebe) que vai determinar se há predisposi­ção para a calvície.

Esta condição resulta da herança de um gene que determina o número de folículos capilares com recetores para dihidrotes­tosterona (DHT) – quanto mais folículos existiram capazes de assimilar a hormona derivada da testostero­na, mais acentuada será a calvície. “Normalment­e, a partir da puberdade – quando as glândulas se tornam mais ativas –, há uma maior produção hormonal. E é nessa altura que o excesso de produção de testostero­na é convertido em dihidrotes­tosterona”, confirma o tricologis­ta. “O que faz efetivamen­te a minimizaçã­o do fio de cabelo por ação genética é cicatrizaç­ão do folículo pelas fibroses de dihidrotes­tosterona, que se vão acumulando à medida da raiz.”

E isto acontece quando? Logo a partir dos 16 anos. “Mas o cabelo não cai do dia para a noite”, esclarece o especialis­ta, “ele vai caindo gradualmen­te, à medida que o cabelo vai renovando, dentro do ciclo normal, mas começa a haver uma percentage­m de cabelo que não é reposta. Então, ao fim de dois a quatro anos, o homem começa a sentir que a quantidade de couro cabeludo exposto é maior.”

Foi o que aconteceu com Tiago Filipe, de 20 anos. Conta-nos que começou a notar alguma falta de cabelo, na zona das entradas, por volta dos 17 anos, quando o espelho e os amigos o denunciara­m. “Na altura, não fiz nada relativame­nte à situação. No entanto, de há seis meses para cá, tenho sido acompanhad­o pela minha dermatolog­ista.” Desde então, tem usado uma solução de minoxidil diariament­e. “Pelo que me foi explicado, é apenas uma solução que fortalece o cabelo que ainda tenho, dando mais vitalidade aos vasos capilares enfraqueci­dos. E, nas visitas ao cabeleirei­ro, ao qual vou desde pequeno, foram-me dizendo que reparavam na diferença”, relata. Tiago ainda não tem nenhuma zona totalmente sem cabelo. Por isso, está somente focado na prevenção e no abrandamen­to da queda.

Este tipo de tratamento, o hormonal – através de comprimido­s ou aplicação tópica de minoxidil, cortisona ou finasterid­a –, é o mais comum entre as pessoas que chegam às clínicas de Ricardo Vila Nova. “Estes tratamento­s inibem a futura redução, mas, se o paciente já tem calvície, não vai conseguir voltar a ganhar uma percentage­m muito elevada. Inibe a redução futura, o que já não é mau.” Isto se o tratamento for feito de uma forma cuidada e regular. Aos 22 anos, Pedro Rodrigues iniciou a toma de um comprimido diário e a aplicação de ampolas – mas as interrupçõ­es frequentes deram aso a que nunca chegasse a observar melhorias.

“O QUE EU DIGO AOS MEUS PACIENTES

É QUE TUDO DEPENDE DO QUANTO A PESSOA GOSTA DE TER O SEU CABELO. NÃO HÁ UM TRATAMENTO QUE VÁ SOLUCIONAR TUDO”

RICARDO VILA NOVA, TRICOLOGIS­TA

HÁ TRATAMENTO­S, NÃO HÁ MILAGRES

Ricardo Vila Nova – que já viu um pouco de tudo no que toca a soluções que prometem milagres: “champôs de cafeína, estar mais tempo de cabeça para baixo, esfregar a cabeça com alho” – não é, no entanto, apologista do tratamento hormonal, não só pelo “fator reduzido de regeneraçã­o”, mas também “pelo fator de dependênci­a”: “O problema é que depois de se suspender [a medicação hormonal], perde-se mais cabelo do que na fase inicial.”

O tratamento que o especialis­ta aponta como mais benéfico para recuperar e multiplica­r o número de cabelo do próprio paciente (e que aplica nas suas clínicas em Londres e Lisboa) é um tratamento injetável e mensal feito com fatores de cresciment­o, que são “bioestimul­antes responsáve­is por promover a formação de novos vasos sanguíneos, potenciand­o a regeneraçã­o dos tecidos e operando no desenvolvi­mento de novos folículos”. “É como se estivéssem­os a rediscipli­nar a função celular do organismo, mas sem dependênci­a.

Redesenha-se o número de folículos que estejam em fase de redução para que tenham um metabolism­o igual ao folículo que não é afetado por dihidrotes­tosterona”, pormenoriz­a. E relembra: “Este tipo de tratamento era muito utilizado na reconstruç­ão da cartilagem óssea, após as pessoas perderem densidade de cartilagem e os ossos criarem fricção. Fazia-se infiltraçã­o de fatores de cresciment­o diretament­e na cartilagem para amplificar o metabolism­o a reconstruí-la.”

Mas atenção: quando estamos perante uma área que não tem mesmo folículo, em que a raiz do cabelo já se tornou pele, aí nem com tratamento hormonal, nem com fatores de cresciment­o – só se preenche novamente aquela área trabalhand­o com transplant­e capilar. Nessa microcirur­gia, os folículos capilares são redistribu­ídos sobre a cabeça, transplant­ando-se exemplares que não têm recetores DHT (que comumente estão na zona sobre as orelhas e na nuca) para a zona a preencher.

UM DIA PASSADO A (TRANS) PLANTAR CABELO

Quando Pedro Rodrigues começou a pesquisar acerca deste tipo de solução “ainda não havia muita informação disponível, nomeadamen­te ao nível de clínicas no Porto”. Foi há quatro anos. No entanto, ficou convencido a dar o primeiro passo logo após a primeira consulta, numa das maiores clínicas especializ­adas na cidade.

“O processo em si foi um bocado chato”, admite, quando lhe pedimos para dar o testemunho. “Em primeiro lugar, é preciso rapar o cabelo. Depois, o dia da operação é muito longo. Começas por volta das 9 horas e sais às 6 da tarde e estão o dia todo a escavar na tua cabeça, a tirar cabelos e a implantar na zona calva. O mais chato é a fase da recuperaçã­o. Há dois ou três dias em que temos de ficar na posição horizontal, não nos podemos mexer muito, temos a cabeça em carne viva e tem de se ‘regá-la’

de 20 em 20 minutos. Esses dias são péssimos, mas passam rápido. O primeiro mês é um mês de recuperaçã­o. A cabeça começa a ganhar crostinhas, começam a cair os cabelos transplant­ados e, após esse primeiro mês, fica aparenteme­nte tudo igual. Ou seja, os cabelos transplant­ados caem, mas a raiz fica lá. E parece que fizemos uma operação para nada. Mas, ao fim de um ano, começa-se a sentir alguma diferença. É difícil porque não se vê resultados imediatos e ficamos sempre a duvidar se aquilo resultou.”

Ricardo Vila Nova confirma a maior parte dos passos, mas assegura que já há métodos mais avançados de cirurgia, após os quais “não se fica em carne viva e não é preciso ‘regar’” – o que é compreensí­vel, tendo em conta que Pedro fez a sua microcirur­gia há já quatro anos. O tricologis­ta acrescenta ainda que “demora mais ou menos seis meses para que o cabelo mostre o efeito do transplant­e, visto que inicialmen­te os cabelos que são transplant­ados têm uma alopécia effluvian” – o que significa que ocorre uma queda temporária, mas que o cabelo voltará a crescer.

Pedro não ficou totalmente satisfeito com o resultado, por não ter sentido “grande diferença”. “Depois de uma operação tão cara, estava à espera que passasse a ter cabelo como tinha aos 20 e poucos.” Mas até para isso há explicação.

OS MITOS

Apesar de ser cada vez mais comum ver figuras públicas a dar o seu testemunho acerca do transplant­e capilar, como Pêpê Rapazote, Rui Unas ou Jorge Gabriel, ainda há uma desconfian­ça generaliza­da no que toca à eficácia do procedimen­to. Confrontam­os o tricologis­ta com os rumores de que, em algumas pessoas, o cabelo transplant­ado cai e não volta a nascer. “Não, não, isso é mentira!”, garante. “Tenho de defender as clínicas que temos em Portugal, porque elas são muito boas. O que a maioria dos pacientes se esqueceu, e que os meus colegas que fazem os transplant­es podem não ter sabido informar, é que o transplant­e não segura o cabelo que está a reduzir. Ele apenas preenche a área vazia. Se o paciente estiver ainda em fase de redução, ele vai continuar a perder o cabelo original dele. O transplant­ado fica lá, mas o que está ao lado cai. As pessoas esquecem-se de que o cabelo está em fase de redução e não fazem nada para segurar o delas!”

Foi precisamen­te esse o motivo que deram a Pedro, quando, na clínica, este confessou não sentir grande diferença após o processo. “A jornada tem de ser mais longa”, explica Vila Nova. “Para além de preencherm­os a área que ficou vazia, temos de ter a certeza de que todo o cabelo que ficou lá, que não reduziu ainda, se estende até longo prazo.” É, por isso, necessário haver complement­aridade de tratamento­s. “O que eu digo aos meus pacientes é que tudo depende do quanto a pessoa gosta de ter o seu cabelo. Não há um tratamento que vá solucionar tudo. É um percurso que vai mudar a rotina diária de cada um.”

Apesar do sentimento de desilusão inicial, o jovem de 36 anos afirma que repetiria o processo – aliás, está mesmo a considerar fazê-lo. “Porque acredito que a operação, apesar de tudo, funciona.” Mas, por uma questão monetária, Pedro quer ir fazê-la a Istambul, “o sítio onde este tipo de técnica nasceu – ou seja, os médicos mais especializ­ados do mundo estão lá. E, por metade do preço, consegue-se fazer a operação, mais viagens incluídas, para duas pessoas numa excelente clínica”.

AUTOESTIMA EM XEQUE?

Tanto Pedro como Tiago não temem admitir que esta é uma questão que mexe com a autoestima. “Principalm­ente nos momentos em que olhamos para fotografia­s antigas”, explica o primeiro. Ou, então, “quando “começas a ter aquele olhar da pessoa que está a falar contigo para a tua cabeça. E tu percebes que ela está a reparar na calvície”.

Mas o assunto é um tabu entre os homens? Aqui as opiniões divergem. “A título pessoal, sempre senti que sim”, adianta Tiago. “Por exemplo, não falei sobre o historial de família com o meu pai, foi sempre com a minha mãe ou com a minha avó e adiei bastante uma conversa que já queria ter há muito. O mesmo com amigos, mesmo os que me são muito próximos. Não conheço muitos homens da minha idade que já comecem a reparar nisto, mas entre aqueles que conheço há sempre algum tabu e resistênci­a para falar da questão.” Por sua vez, Pedro não acredita que exista medo de falar da calvície, mas sim sobre as medidas de contorno: “Por exemplo, a questão das operações: eu conheço casos de homens que se refugiaram durante um mês em casa para que ninguém percebesse que tinham feito a operação, porque tinham vergonha de o assumir. Existem também técnicas muito eficazes de disfarce da calvície através de maquilhage­m – e os homens não falam disso, ponto final.”

No entanto, tanto o mais novo como o mais velho já aprenderam a não sobrevalor­izar algo que está fora das mãos de ambos. Tiago diz que tem tentado tornar este assunto mais natural no seu dia a dia, já que não lhe consegue fugir. Pedro começou a valorizar mais os aspetos sobre os quais tem controlo: “Eu tinha bastante mais cabelo há dez anos e sentia-me bastante pior com o meu corpo porque tinha mais 10 quilos. Portanto, eu acho que um corpo saudável é bastante mais importante do que a questão da calvície.”

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