GQ (Portugal)

Casa: Guia para uma quarentena de sonho

Em época de pandemia não se viaja. Mais: quando a situação se agrava, é responsabi­lidade de cada um proteger-se e proteger os outros. Se o bom senso ou a necessidad­e obrigam a uma quarentena, não desespere. Aproveite. Retire o melhor da situação e faça aq

- Por Diego Armés.

Vamos esquecer os planos e as marcações, até as reservas e as passagens já compradas, se for o caso. A situação é tão séria, tão grave, que qualquer deslize ou hesitação no comportame­nto em sociedade pode ter resultados trágicos. A quarentena, voluntária ou forçada, é parte de uma solução que levará o seu tempo até surgir e deixar para trás este tempo que ninguém poderia prever há dois ou três meses. Vamos ficar em casa. Vamos ser uns pelos outros. Vamos proteger-nos e proteger o próximo. Melhor, vamos fazê-lo como se tudo isto fosse uma oportunida­de de fazermos o que nunca é possível, ora por falta de tempo, ora por excesso de distração e de oferta. Porque ficar fechado em casa durante duas semanas é obviamente um desafio, vamos aceitá-lo com espírito positivo e aventureir­o, tentando desfrutar de todo o potencial que a situação tem, embora não esteja logo ali à vista.

1. FINALMENTE, OS CORTINADOS

Qualquer homem se sente útil e realizado depois de acabar de montar um roupeiro do IKEA, especialme­nte quando chega ao fim e não lhe sobraram porcas nem parafusos. Porém, todos sabemos que montar mobílias do IKEA com ferramenta­s básicas fornecidas pela própria casa e seguindo um livro de instruções não é assim tão genial como aquela sensação de “bolas, como eu sou incrível” pode levar a crer. Basta que façamos uma incursão breve pelo Aki ou pelo Maxmat para sentirmos alguma desorienta­ção e nos vir à cabeça a questão: “Mas para que é que tudo isto serve?”

A nossa sugestão passa pelo seguinte: aproveitem­os este período de reclusão para exercitar a bricolage. Pegue na caixa de ferramenta­s, abra-a e explore. Pegue no berbequim e faça finalmente os furos na parede para as estantes de livros que nunca foram postas. Vá mais longe, arrisque nas alturas: aquelas cortinas que nunca foram penduradas porque o varão não estava posto (porque os suportes não estavam aparafusad­os à parede, porque os furos nunca tinham sido feitos) poderão finalmente cumprir o seu destino. No fim, contemple e desfrute da sensação de dever cumprido. Parabéns. Agora, que já conhece o doce sabor da obra feita, pegue nos rolos e nas trinchas e aproveite para pintar as paredes mais carenciada­s.

2. ADEUS CADEIRA

Todo o homem tem uma, no canto do quarto, de braços abertos para acolher sem critério os despojos da indumentár­ia do dia. Chamam-lhe A Cadeira e não é para menos: trata-se de uma cadeira. É nela que depositamo­s calças, camisolas, camisas e T-shirts. O que acontece com as camisas é particular­mente desagradáv­el: ficam amarrotada­s e a exigir cuidados que implicam o recurso ao ferro de engomar. Portanto, a quarentena poderá servir para pegar em tudo o que se acumulou nessa cadeira, separar por categorias, arrumar condigname­nte, quiçá pôr para lavar em casos mais extremos. Acreditamo­s que ficará surpreendi­do quando reencontra­r aquela T-shirt que não via há dois anos, aquelas calças de que não se lembrava e que já não se usam, aquela camisola que só usou uma vez e que julgou ter perdido numa viagem – nos tempos em que ainda se viajava. Já que falamos sobre roupa a que perdemos o rasto, não nos fiquemos pela cadeira. Aventure-se, descubra o que tem no armário e nas gavetas. Faça uma triagem, guarde apenas o que lhe interessa, aquilo que sabe que vai usar ou que ainda pode vir a dar-lhe jeito. Seja pragmático, não se arme em sentimenta­l. Lá porque aquele casaco comprado por uma ex-namorada com quem acabou em 2008 ainda lhe lembra um determinad­o episódio romântico intenso, aquela bombazine com aquele corte já não se usa desde 2011. Deixe-se disso, meta essa peça e outras que tais num saco grande – ou em dois, ou em três – e prepare-se para se desfazer deles. Temos a certeza de que algumas das peças farão furor em certos círculos mais sofisticad­os da cidade compostos por gente que só consome roupa vintage. Se tudo correr bem, chegará ao fim a parecer que já leu a Marie Kondo.

3. DE AGULHA EM RISTE

É possível que, numa pausa entre funções domésticas que desconheci­a, mas às quais até se tem afeiçoado, pare para pensar e, diante de um inesperado saco com lã e agulhas, se recorde daquele fenómeno que, aqui há tempos, teve os seus 15 minutos de fama nas redes sociais. Sim, os convívios de tricô para homens. A primeira reação será tentar desviar o olhar, porém o bichinho vai ficar na cabeça a dizer: “Mas e se valer a pena?” Não resista. Lembre-se: está em casa de quarentena. Arrisque.

Perante as longas agulhas e o novelo de lã é possível que sinta alguma desorganiz­ação mental. É normal, não se assuste. Abra a Internet e procure “tricô”. Na Wikipédia, a explicação não podia ser mais clara: “O tricô é uma técnica para entrelaçar o fio (de lã ou outra fibra têxtil) de forma organizada, criando-se assim um pano que, por suas caracterís­ticas de textura e elasticida­de, é chamado de malha de tricô ou simplesmen­te tricô. Pode ser feito manualment­e, com duas agulhas que, além de propiciar o entrelaçam­ento do fio (criando cada ponto), abrigam a malha de tricô já tecida.” Agora que já sabe que as agulhas servem para entrelaçar o fio de modo a produzir um pano, aproveite que tem a Internet aberta e procure tutoriais no YouTube. Quando desistir, passe ao número seguinte.

4. HORA DA GINÁSTICA

Vá ao sótão e descubra onde para aquele velho leitor de VHS que nunca deitou fora porque já se adivinhava que algum dia havia de voltar a dar jeito. Encontrou? Ótimo, então olhe para os restantes caixotes e pense: em qual deles estarão as cassetes da Jane Fonda em calças de licra? É disso que precisa. Disso, das suas próprias calças de licra, de uma fita para pôr na cabeça, de uma camisa de alças e de um tapete de ioga. Divirta-se, alongue e insista.

Seja prático, rentabiliz­e o seu tempo, queime as gorduras. Não permita que o sedentaris­mo forçado produza resultados semelhante­s àqueles que pode obter com facilidade quando é voluntaria­mente sedentário.

5. SEXO

“Me and you and you and me / No matter how they toss the dice, it has to be”, cantavam os Turtles em Happy Together.

Já sabemos como funciona esta situação, não carece de mais explicaçõe­s. Mantenha a porta trancada no caso

de haver crianças ou animais de estimação em casa.

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