VOYAGE, VOYAGE
Sem sair do sítio. Nestas coleções de lifestyle da Louis Vuitton, o tema viagem está sempre presente – ainda que estes Objets Nomades da maison se queiram o mais sedentário possível. E se é para serem mobília, que o sejam lá em casa.
Talvez associe o logo da marca francesa aos hoodies e ao streetwear de luxo a que Virgil Abloh, diretor criativo de menswear da maison, o tem habituado nas últimas estações. Talvez até vá mais além e reconheça o monograma como uma referência em modelos de mochilas e bolsas a tiracolo que aprendeu a cobiçar e a acrescentar ao vestuário. Se for verdadeiro conhecedor, vai recordar-se ainda que a génese da Vuitton passa pelos famosos trunks das viagens transatlânticas, capazes de deslocar guarda-roupas e outros objetos de largo porte de forma incólume – e sofisticada, acrescentemos –, em viagens onde a elegância sumptuosa era a ideia suprema e ter uma dessas arcas monogramadas era um ponto final nessa mesma palavra. Mas independentemente do seu grau de conhecimento da Louis Vuitton, seguramente sabe que Paris é apenas uma sede e que a volta ao mundo é o seu métier desde os primórdios (e se não sabia, já valeu a pena ler este primeiro parágrafo). É por isso que uma coleção colaborativa centrada no tema das viagens não é uma estratégia, é uma aposta natural para a casa. E a Objets Nomades é isso: uma extensão do pronto a vestir da marca para o pronto a vestir do lar.
O itinerário começa em 2012, quando a Vuitton se empenhou em desenhar um roteiro de linhas em parceria com designers internacionais, compostas por objetos inspirados neste conceito de movimento e exploração de países, cidades, lugares, mas com íntima ligação à experiência de savoir-faire da Louis Vuitton. Móveis e objetos têm sido imaginados sob a tutela Louis Vuitton com criativos de renome, sendo que em 2018 a marca expandiu o seu leque de Objets para Les Petits Nomades, uma linha de objetos decorativos de menor dimensão. As personalidades que compõem a colaboração dão cartas no lifestyle contemporâneo – Fernando & Humberto Campana, Atelier Oï, Barber & Osgerby, Damien Langlois-Meurinne, Raw Edges, Marcel Wanders, Tokujin Yoshioka, Nendo, Índia
Mahdavi, André Fu, Patricia Urquiola, Atelier Biagetti, Zanellato/Bortotto Studio e, mais recentemente, Andrew Kudless – e ajudam a garantir que a sigla LV na arte de viajar continua tão viva como nos seus primórdios. Até porque os 45 objetos experimentais que compõem a coleção de Objets Nomades da Louis Vuitton prestam homenagem às encomendas por medida do passado da maison.
O mais recente a juntar-se a este grupo de cool kids é o designer Andrew Kudless, de S. Francisco, cuja estreia na Objets Nomades se faz com a Swell Wave Shelf, uma prateleira em madeira de formas orgânicas, sustentada por fitas de pele numa tensão perfeita que é uma “ode às forças poderosas e à delicada harmonia do mundo natural”, diz a Vuitton. Kudless, um arquiteto sediado agora em Houston, Texas, é o primeiro americano a entrar nesta guestlist da Objets Nomades. Professor na Hines College of Architecture Design da Universidade de Houston e diretor do Advanced Media Technology Lab, fundou o ateliê Matsys, em 2004, para explorar as relações emergentes entre arquitetura, engenharia, biologia e computação. Sobre a parceria com a Louis Vuitton, disse, ao Los Angeles Times, que foi “o cliente mais difícil que tive, mas de uma forma positiva. Quando propunha algo, diziam: ‘Oh, não, isso não é Louis Vuitton.’ E tinha de engolir o meu orgulho um pouco. Foi uma negociação entre a visão da marca e a minha estética, por isso passamos por muitas fases. Apresentei cerca de dez diferentes propostas – tapetes e candeeiros e cadeiras e bancos – ao longo de uns quantos meses até nos decidirmos pela prateleira suspensa.” Ao início, estava preocupado se as tiras em pele sustentariam o peso da madeira a longo prazo, mas a Louis Vuitton aliviou-lhe os receios: “Não te preocupes”, garantiram-lhe. “Nós já sabemos como fazê-lo. Temos uma maneira standard de assegurar que as tiras nas carteiras sejam fortes o suficiente para não rasgar.” O modelo foi apresentado na Design Miami, em dezembro último, e chegaria este ano a Milão, ao Salone Del Mobile, cancelado pelo surto de coronavírus que assola a Europa. Apesar de não ter conseguido ser apresentado na feira, o objeto consegue chegar tanto a casa como às páginas de revista para que o design da peça não se perca em 2019. Até porque, dentro do tema das viagens, estas prateleiras trazem um pouco da Califórnia para o ambiente caseiro, patente logo no nome da peça: Swell Wave. O arquiteto justifica: “Os meus alunos dizem ‘há uma tempestade na Indonésia, o que quer dizer que vamos ter ondas na Califórnia daqui a uns dias’”, conta ao LA Times. “Mesmo quando não estás a viajar, tudo está a viajar à tua volta: as nuvens, as ondas. Eu queria que as prateleiras captassem esse equilíbrio ou tensão de não estar nem aqui nem ali, de ser puxado em duas direções diferentes. Quando estás em casa, queres ir de férias. Quando estás de férias, sentes o conforto de casa.”
Uma citação pertinente num contexto atual que parece espelhar esta dualidade. Numa altura em que somos obrigados a viver mais a nossa casa, olhar com atenção para esta linha de Objets Nomades reconfirma a importância de pôr lá elementos decorativos que não são só funcionais, são uma espécie de paisagem entre quatro paredes. Aquele #sunset quando o hashtag #stayhome está em vigor. Aquela sensação de voyage, voyage e aventura que a Louis Vuitton preconiza há 160 anos. Sem sair de casa.