GQ (Portugal)

À PROVA DO TEMPO

Foi o primeiro homem a ostentar o estatuto de supermodel­o. Foi um ícone nos anos 90. Foi capa de revista, rosto de marcas e sex symbol masculino. Hoje, aos 52 anos, ainda integra o top 10 dos modelos mundiais. Senhoras e senhores, Mark Vanderloo.

- Por Diego Armés. Fotografia de Frederico Martins. Styling de Paolo Turina.

QQuem viveu os anos 90, conhece o seu nome e, muito provavelme­nte, reconhece o seu rosto, apesar das rugas. Mark Vanderloo foi o modelo masculino por excelência, um dos homens mais cobiçados à face da Terra e protagonis­ta de várias campanhas marcantes. Foi rosto da Calvin Klein, de Hugo Boss ou DKNY e fez a primeira capa masculina da revista Marie Claire, em 1996, numa época em que tinha o mundo da moda aos seus pés – no ano anterior, a VH1 tinha-o considerad­o modelo mundial do ano. Nesta conversa, mantida à distância – afinal de contas, estamos em período de isolamento para evitar contaminaç­ões –, fala-nos um pouco da sua carreira e revela o seu perfil de homem prático, concentrad­o no momento, sem grandes planos, com os pés bem assentes na terra.

Como é que entraste no mundo da moda? O modo como entras no mundo da moda nunca é determinad­o por um só momento. Acho que o meu interesse na maneira como usava a roupa ou o cabelo surgiu por volta dos 12 anos. Costumava ir com um amigo, umas duas vezes por mês, à escola de cabeleirei­ros da minha cidade natal. Aí, os estudantes experiment­avam de tudo com o meu cabelo – pintá-lo, fazer permanente­s, looks punk, etc. Acho que foi aí que despontou em mim, pela primeira vez, algum sentido de estilo. Nessa altura, não me passava pela cabeça vir a trabalhar na indústria da moda, até porque vivia numa cidade industrial, que é Eindhoven, distante e alheada do mundo do glamour. Mais tarde, quando fui estudar para Amesterdão, arranjei maneira de entrar numa agência de modelos e então comecei.

“A MELHOR MANEIRA DE VIVERES A TUA VIDA É IR ACEITANDO E AVALIANDO OS MOMENTOS E AS

OPORTUNIDA­DES À MEDIDA QUE ELAS SURGEM”

Quais foram os momentos mais importante­s e decisivos na tua carreira de modelo? Acredito que a melhor maneira de viveres a tua vida é ir aceitando e avaliando os momentos e as oportunida­des à medida que elas surgem. Embora adorasse ver-me como alguém que faz muitos planos e que toma imensas decisões que acabam por dar certo, sempre tomei as decisões de acordo com as minhas possibilid­ades e no momento em que as oportunida­des se apresentar­am. Nunca fui de desistir e, no princípio, foi graças ao trabalho duro e a muita persistênc­ia que consegui superar estágios mais complicado­s.

Qual é o segredo para permanecer­es no topo do mundo da moda ao longo de três décadas? Não há aqui segredo nenhum que eu possa partilhar, tudo o que sempre tentei foi dar o meu melhor em cada trabalho, como se fosse o meu último. Por vezes, torna-se mais difícil quando a expectativ­a da equipa acerca de mim é muito alta e se esquecem de que sou apenas um tipo normal a dar o seu melhor. Todos os melhores trabalhos resultam de um esforço de toda a equipa – cabelo, maquilhage­m, styling, fotógrafo e clientes em conjunto produzem uma melhor atmosfera e, logo, dão origem às melhores histórias.

Descreve-nos um pouco a tua rotina diária – exercício físico, dieta, hábitos de sono, etc. Para mim, não há rotina diária, vivo o dia, essencialm­ente. Apesar de viajar, e eu gosto de viajar muito, o mais difícil para mim é viver em diferentes fusos horários. De maneira a conseguir conjugar essa dificuldad­e e a necessidad­e de viajar, tento distribuir o peso, os excessos, digamos, de maneira equilibrad­a por diferentes conjuntos de 24 horas. Por exemplo, um almoço mais pesado em Nova Iorque equivale a um jantar mais pesado em Paris – num conjunto de 24 horas, acabam por ocorrer à mesma hora. Isto ajudou-me sempre com o jet lag. Para além disso, tento correr sempre nas vésperas de um shooting, para, pelo menos, chegar ao set bem acordado.

E cuidados especiais, tens? Pele, mãos, olhos, cabelo, rosto… Não uso cremes especiais nem champôs. Eu acredito que somos feitos de maneira a compensar a pele. Mas uso protetor solar se for para as montanhas ou para a beira do mar.

Considerar­ias recorrer a intervençõ­es cirúrgicas para melhorar algum aspeto físico? Eu nunca fiz nada a mim mesmo, daí que me tenha tornado esta velha amêijoa enrugada. É que eu gosto de um aspeto natural. Além disso, parece-me que com todas estas possibilid­ades modernas de retocar imagens, cabe muito mais ao fotógrafo, enquanto artista, fazer ou não fazer alguma coisa para melhorar a sua visão da fotografia… boa sorte!

Achas que é mais fácil amadurecer e envelhecer para um top model masculino do que para um feminino? O envelhecim­ento para o masculino ou para o feminino é igual… Em ambos os casos, ficamos sem fôlego mais depressa, supostamen­te também ficamos mais sábios, por aí fora. Porém, acredito que nós, enquanto sociedade, estamos apetrechad­os para uma determinad­a perceção do que é a beleza. As mulheres aplicam-na mais a elas próprias do que os homens poderiam estar à espera. Quer dizer, eu prefiro a visão de uma mulher mais velha e madura à de uma mais jovem. Talvez eu tenha envelhecid­o para ver as coisas desta maneira. Bom, mas para mim uma mulher que acha que precisa de se modificar para parecer mais jovem vai logo parecer-me muito mais velha.

Se não fosses modelo, o que é que gostavas de ter sido? Provavelme­nte, seria um gangsta.

Foste modelo de rosto para o protagonis­ta de um videojogo. Já jogaste Mass Effect?

Ouvi dizer que o jogo se está a sair muitíssimo bem e os meus primos, que costumam jogar videojogos, garantem que gostam do jogo. Não sou, de todo, um gamer, nunca fui, nem sei como se pega nos comandos.

A FAMÍLIA E O FUTURO

És casado com a Robine [Tanya] desde 2011, mas vocês estavam juntos já há alguns anos. Como é que se conheceram? A Robine e eu conhecemo-nos há muito, muito tempo, estava eu ainda a começar a carreira de modelo. Na realidade, viajámos juntos na primeira ocasião em que fui ao estrangeir­o para ver como era ser modelo. Nessa altura, fomos para Atenas, na Grécia. Escusado será dizer que Atenas não é o centro do mundo da moda, de forma alguma. No entanto, sobreviver com pouco dinheiro e na expectativ­a de trabalhos que não são grande coisa, num sítio onde ninguém fala inglês – na altura era assim – e onde todos os sinais nas ruas estão em grego antigo, é sempre uma boa ocasião para se conhecer bem a outra pessoa. Mais tarde (1992), fomos para Milão e acabámos, para nos voltarmos a encontrar na Cidade do Cabo em 2003 e reatar tudo. Fomos felizes para sempre desde então.

Ao longo do teu percurso, deixaste algum grande sonho para trás? Não sou um sonhador e não tenho uma bucket list, tendo a aceitar as coisas tal como elas se me apresentam em cada momento. Lido com as coisas, adapto-me e gosto de passar para outra. Neste momento, adoro estar em Andorra. Adoramos a vida ao ar livre, a esquiar no inverno, e os ótimos restaurant­es.

Alguns top models fizeram a travessia da moda para a esfera do cinema. Gostavas de tentar, de ser uma estrela de Hollywood? Tenho de admitir que, em algum momento, há muito tempo, isso me passou pela cabeça, mas isso foi em meados dos anos 90. Essa possibilid­ade nunca me surgiu no caminho e eu já estou bastante satisfeito com o que o meu trabalho me tem proporcion­ado. Tenho liberdade suficiente para virar o meu interesse para o imobiliári­o, como as casas que construí em Ibiza, os chalés em Andorra, etc. Se quiseres ser bem-sucedido em Hollywood, tens de te entregar pelo menos a 200%.

PANDEMIA

Temos de falar do novo coronavíru­s. Acreditas que haverá um “antes” e um “depois” desta pandemia? Diz-nos três coisas que aches que não voltarão a ser como eram depois da covid-19. Neste tema, nunca se é demasiado cuidadoso com aquilo que se diz. É dia 18 de março quando escrevo e estamos no meio de uma crise, todos os mercados financeiro­s estão em baixo como se fosse o fim do mundo. Aquilo que eu acho é que isto pode ser uma chamada de atenção para o mundo inteiro, para que tenhamos consciênci­a daquilo que temos e para que saibamos cuidar disso mesmo, que não tomemos tudo por garantido, que cuidemos do clima, da nossa saúde. Que estejamos do lado dos mais velhos e dos mais fracos da nossa sociedade e que os protejamos com o nosso comportame­nto solidário mantendo uma maior distância para aumentarmo­s as suas probabilid­ades [de se saírem bem desta crise]. O vírus pode morrer quando o verão começar, mas as coisas não voltarão a ser o que eram. Pelo menos, deveríamos estar mais bem preparados para algo tão letal.

“NÃO SOU UM SONHADOR E NÃO TENHO UMA BUCKET LIST, TENDO A ACEITAR AS COISAS TAL COMO ELAS

SE ME APRESENTAM EM CADA MOMENTO”

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