O dia depois de amanhã
Em Portugal, o estado de emergência terminou no primeiro fim de semana de maio, “despromovido” para estado de calamidade. Muitas proibições passaram a sugestões. O comércio, embora de forma condicionada, reabriu, dos cabeleireiros às livrarias, passando por outras lojas de bairro abaixo dos 200 metros quadrados. As grandes superfícies ficaram para depois, assim como os cafés e restaurantes, um dos setores mais afetados pela pandemia e cujo futuro continua pleno de incertezas, a maior das quais como restaurar a confiança das pessoas numa atividade tão social como almoçar ou jantar fora.
O uso de máscaras ou viseiras em transportes públicos e em supermercados passou a ser obrigatório desde 3 de maio, uma medida de proteção que se estende também a estabelecimentos de ensino e creches, quando reabrirem, para funcionários docentes e não docentes e alunos maiores de 6 anos.
Para breve está também o regresso da bola. O plano de desconfinamento abriu a porta ao regresso, a partir de 30 e 31 de maio, da I Liga, suspensa a 12 de março após 24 jornadas de competição. De fora ficou, para já, a II Liga. A retoma do futebol fica, no entanto, dependente da avaliação quinzenal da evolução da pandemia em Portugal.
No dia do regresso a alguma normalidade, o Presidente da República fez questão de lembrar que a crise ainda não acabou. “Ainda temos de vencer a pandemia. O surto não desapareceu por milagre”, disse Marcelo Rebelo Sousa nos Açores, lembrando ainda o “papel fundamental” da União Europeia na resposta à Covid-19: “Não está em causa uma crise de um Estado ou de um pequeno número de estados, mas uma crise de todo o mundo e, dentro do mundo, uma crise europeia.” A União tem, portanto, de ser “rápida a decidir” e deve ainda compreender que tem de “decidir em grande”, exigiu o Presidente.
Mas a verdade é que o salvamento da economia global está diretamente ligado, no mínimo, ao controlo da doença. Sem vacina ou tratamento e com muitas dúvidas quanto à eficácia e à moralidade da adoção da imunidade de grupo, a pandemia está longe de ter acabado.
A projeção mais otimista para que surja uma vacina é que ela comece a estar disponível no próximo outono. Outras estimativas respeitáveis sugerem daqui a um ou dois anos, constituindo um ciclo de desenvolvimento de dois anos uma velocidade sem precedentes para qualquer vacina. Embora os cientistas estejam bastante otimistas, nunca nenhuma vacina foi desenvolvida para um coronavírus e, mesmo em caso de sucesso, é necessário adicionar um pouco mais de tempo para a implantação e administração.
QQuanto ao cenário de tratamento é mais sombrio, até porque os medicamentos em teste estão a ser reaproveitados e não foram projetados para combater especificamente a Covid. Um em particular, o Remdesivir, parece ser uma promessa real, mas, em geral, é difícil apostar com confiança em medicamentos reaproveitados para poderem ser as tais curas milagrosas que mudam drasticamente a forma clínica da doença e o seu tratamento. Os tratamentos sorológicos também prometem, mas os testes estão apenas nos estágios iniciais. E, quanto aos medicamentos que provavelmente podem curar a doença, eles são, para já, apenas hipóteses de laboratório.
Resta a imunidade de grupo, que requer que 60 a 80% da população possua anticorpos. Para já, não existe uma imagem clara da propagação da doença, que pode ir de 1%, a percentagem de portugueses que, calcula-se, estão por esta altura imunes à doença, aos 3% da Holanda, onde as fracas medidas de contenção permitiram a difusão da doença.
A segunda parte deste relato feito para memória futura termina aqui. As próximas semanas vão mostrar se as tentativas de regresso à normalidade resultaram de facto ou se, pelo contrário, nos fizeram voltar à estaca zero.