GQ (Portugal)

AS LONGAS FÉRIAS DE LIKA

Veio do Cazaquistã­o até Portugal só por curiosidad­e. Em Almaty fazia música e por cá, à medida que foi ficando, foi estudando e compondo mais. O resultado aí está: o disco de estreia de Lika, uma artista singular.

- Por Diego Armés. ●

Omais notável, para começar, é ter Lika a responder às nossas questões num português não só correto, mas também fluente. É que Lika é uma música e compositor­a originária do Cazaquistã­o que veio dar a Portugal de uma maneira mais ou menos acidental. “Eu sempre tive uma paixão por viagens, sempre quis ver os cantos mais remotos do planeta. Sou uma pessoa de sorte, até aos 25 anos já tinha viajado um pouco por vários cantos do mundo. E um dia decidi tirar férias e ir para o ponto mais ocidental da Europa, até ao ‘fim do mapa’. Para mim, Portugal sempre foi algo misterioso e tão distante. Cinco anos se passaram desde então. Ainda estou aqui.” É assim que Lika descreve a sua aventura, umas “férias prolongada­s, mais do que as programada­s”. Hoje é casada com um português. A descoberta dos encantos de Portugal, aliás, prendeu-a em definitivo ao País. “Imagina que na minha cidade natal (Almaty, no Cazaquistã­o) eu morava cercada por altas montanhas nevadas e, de repente, chegando a este país, vi uma paisagem completame­nte diferente. Aqui morava a 5 minutos do oceano e todas as manhãs me encontrava com ele. E pela janela do meu apartament­o podia ver as colinas de Sintra (naqueles raros dias sem nevoeiro), o que me lembrava as montanhas da minha terra natal.”

O que nos traz à conversa e nos faz querer apresentar esta singular artista é o seu álbum de estreia, Back to Zero, lançado recentemen­te e cujo primeiro single Thousand tem rodado em algumas rádios nacionais, além de integrar diversas playlists internacio­nais. Lika estudou jazz no Hot Clube de Lisboa, mas já tocava e compunha na sua Almaty natal desde há muito tempo. “A minha primeira banda era uma girls band. Tocávamos músicas originais minhas e covers de música clássica com arranjos de rock. Naquela época, eu estava a estudar profundame­nte a música clássica mas também fui muito influencia­da pelo punk-rock russo. Depois formei outra banda de jazz-rock. Paralelame­nte, participav­a numa Big Band e numa Dixie Band.”

Hoje, quando ouvimos as suas canções, percebemos que há muitos ingredient­es e influência­s misturados nas composiçõe­s. As influência­s que mais se destacam talvez sejam as da MPB – mas Lika não confirma nem desmente. Diz que a música portuguesa e a música brasileira foram descoberta­s por cá e tiveram grande impacto, mas não descarta as suas origens na Clássica e no Jazz, nem sequer o Prog-rock. “Quem compõe absorve tudo o que ama e naturalmen­te acaba por transmitir isso para a sua música”, diz.

Algumas das suas canções são cantadas em português e as letras são escritas por ela. Lika diz que, inicialmen­te, não sentiu barreiras de linguagem porque todos falavam com ela em inglês. Foi só em estúdio, durante o processo criativo, com todos em seu redor a falar português que percebeu que precisava de aprender a língua. “Comecei a estudar [português] e proibi os meus amigos de falarem inglês comigo.” Atirou-se à literatura, leu Pessoa, Florbela Espanca e Sá Carneiro, Agualusa, Saramago e José Luís Peixoto. “Já comecei a escrever poesia e músicas em português. Consulto sempre o meu marido sobre gramática antes de as publicar Ele é o meu editor chefe.”

O resultado já pode ser ouvido em Back to Zero e brevemente terá versão ao vivo, logo que as medidas de combate à pandemia o permitam.

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Back to Zero
edição de autor
Lika Back to Zero edição de autor

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