ABRIR O JOGO
Aceitámos o desafio e fomos aprender sobre o golfe. Enquanto melhorávamos o swing, íamos descobrindo que este desporto não tem de ser tão elitista e reservado quanto julgamos.
Não faz mal, é assim mesmo, a relva está aqui é para a gente a esburacar”, diz Micael Viegas depois de eu ter arrancado mais um pedaço do tapete verde ao tentar bater a bola – e antes de me corrigir pequenos detalhes: na postura, na maneira de entrelaçar as mãos no taco (literalmente, o último dedo de uma mão deve entrelaçar-se no primeiro da outra em torno da pega), na forma como se flete os joelhos, no modo como a anca deve ser parte fundamental da enorme alavanca em que o nosso corpo, juntamente com o taco de golfe, se transforma.
“Devemos ter sempre em mente que o objetivo é atirar a bola, ora para ali, ora para acolá, até chegar ao buraco. Podíamos atirar à mão, mas tem de ser com o taco – há quem diga que o golfe é um jogo difícil a que ainda acrescentaram um taco.” O instrutor do Morgado Golf & Country Club, onde fomos recebidos, fala com boa disposição e enorme entusiasmo. É um apaixonado pela modalidade. Se esta introdução faz o golfe parecer estranho, ou desajeitado, a culpa é exclusivamente do redator, nunca do instrutor, que fez o seu melhor e proporcionou uma primeira experiência muito agradável a quem nunca antes tinha entrado neste peculiar e tantas vezes inacessível universo.
PARA A ELITE
Não andemos com rodeios: o golfe ainda é uma modalidade inacessível à esmagadora maioria das pessoas, e este que vos escreve é um exemplo do que se afirma uma vez que só já muito adentro da idade adulta teve oportunidade de experimentar o jogo, de exercitar o swing. Começando pelos tacos, a que se acrescenta vestuário e calçado adequado, e continuando pelos encargos com treino, alugueres de campos (ou quotas de sócio de clubes) e aulas com treinadores, o golfe exige alguma disponibilidade para despender dinheiro.
Na opinião de Micael Viegas, no entanto, a modalidade não tinha necessariamente de ser tão elitista quanto é. Dá o seu próprio exemplo: tornou-se instrutor de golfe depois de ser iniciado no desporto a partir de um programa escolar e garante que não vem de famílias particularmente abastadas. Porém, quando falamos sobre os miúdos a quem dá aulas, por exemplo, depressa conclui que todos, sem exceção, são oriundos de famílias bem instaladas que vivem com bastante conforto material. O instrutor lamenta que assim seja, “gostava de ver mais gente a apaixonar-se pelo golfe”.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Estamos agora no putting green, isto é, a zona onde se encontra o buraco. Aqui a relva não tem mais de 4 ou 5 milímetros de altura, “no US Open, chegam a jogar com a relva 2,3 ou 2,4 milímetros, qualquer gesto ou pequeno relevo podem mudar tudo no jogo”, adverte o instrutor. Enquanto ensaio a precisão – passar do ensaio do swing com um taco e um gesto técnico que têm como objetivo colocar a bola a 100 metros para o green, onde uso um putter para atirar a bola para o buraco a 4 ou 5 metros praticamente equivale a mudar de modalidade, tal é a diferença entre as duas fases do jogo –, Micael Viegas aproveita para explicar o seu lamento pela falta de abertura da modalidade. Diz que, enquanto cá se torna incomportável para muitos aspirar a jogar com regularidade, em Inglaterra “existem inúmeros campos municipais onde pagas 20 ou 30 libras para jogar”. “Em Portugal, municipal só tens o campo do Jamor, e não tem 18 buracos”, diz. “Vilamoura por exemplo é o melhor destino de golfe do mundo por 5 ou 6 anos consecutivos, e pertence ao concelho de Loulé, que é uma das câmaras mais ricas do País, tinham a bandeira de darem
prioridade à educação e ao desporto e, até agora, zero investimento no golfe.” O instrutor sublinha que o investimento é quase exclusivamente privado, o que faz com que a modalidade exista numa lógica apenas comercial, obrigando a retorno e lucros, o que dificulta não só uma sua difusão mais ampla, como praticamente impede a formação de atletas na modalidade, a não ser nos casos em que “o próprio privado apoia o ensino” – mas esse apoio nunca é “da Federação Portuguesa de Golfe, das autarquias ou do IPDJ”.
Nem sempre foi assim, houve uma altura em que o golfe chegou a ser mais acessível, e Micael dá o seu próprio exemplo: “Eu comecei a jogar aos 14 anos, no desporto escolar, um projeto pioneiro e experimental.” “Construíram um pitch & put [N. do R.: uma espécie de versão curta e amadora do percurso do golfe] em três escolas do Algarve: Portimão, Boliqueime e Tavira, salvo erro. E os miúdos podiam ter mais facilmente contacto com o golfe porque o campo estava ali, dentro da escola.” Micael acredita que, hoje em dia, “é possível fazer algo do género para estimular a modalidade”.
Na escola onde acabou por se formar, a Escola de Golfe de Vilamoura, “uma das maiores e melhores escolas do País”, custa menos de €200 por aluno, por ano, com praticamente tudo incluído. Portanto, não serão apenas os aspetos económicos a limitar a expansão do golfe. “A elite que joga golfe também gosta que se mantenha assim por uma questão de exclusividade, digamos”, conclui Micael.