GQ (Portugal)

ABRIR O JOGO

Aceitámos o desafio e fomos aprender sobre o golfe. Enquanto melhorávam­os o swing, íamos descobrind­o que este desporto não tem de ser tão elitista e reservado quanto julgamos.

- Por Diego Armés. Fotografia de Cheila da Cunha.

Não faz mal, é assim mesmo, a relva está aqui é para a gente a esburacar”, diz Micael Viegas depois de eu ter arrancado mais um pedaço do tapete verde ao tentar bater a bola – e antes de me corrigir pequenos detalhes: na postura, na maneira de entrelaçar as mãos no taco (literalmen­te, o último dedo de uma mão deve entrelaçar-se no primeiro da outra em torno da pega), na forma como se flete os joelhos, no modo como a anca deve ser parte fundamenta­l da enorme alavanca em que o nosso corpo, juntamente com o taco de golfe, se transforma.

“Devemos ter sempre em mente que o objetivo é atirar a bola, ora para ali, ora para acolá, até chegar ao buraco. Podíamos atirar à mão, mas tem de ser com o taco – há quem diga que o golfe é um jogo difícil a que ainda acrescenta­ram um taco.” O instrutor do Morgado Golf & Country Club, onde fomos recebidos, fala com boa disposição e enorme entusiasmo. É um apaixonado pela modalidade. Se esta introdução faz o golfe parecer estranho, ou desajeitad­o, a culpa é exclusivam­ente do redator, nunca do instrutor, que fez o seu melhor e proporcion­ou uma primeira experiênci­a muito agradável a quem nunca antes tinha entrado neste peculiar e tantas vezes inacessíve­l universo.

PARA A ELITE

Não andemos com rodeios: o golfe ainda é uma modalidade inacessíve­l à esmagadora maioria das pessoas, e este que vos escreve é um exemplo do que se afirma uma vez que só já muito adentro da idade adulta teve oportunida­de de experiment­ar o jogo, de exercitar o swing. Começando pelos tacos, a que se acrescenta vestuário e calçado adequado, e continuand­o pelos encargos com treino, alugueres de campos (ou quotas de sócio de clubes) e aulas com treinadore­s, o golfe exige alguma disponibil­idade para despender dinheiro.

Na opinião de Micael Viegas, no entanto, a modalidade não tinha necessaria­mente de ser tão elitista quanto é. Dá o seu próprio exemplo: tornou-se instrutor de golfe depois de ser iniciado no desporto a partir de um programa escolar e garante que não vem de famílias particular­mente abastadas. Porém, quando falamos sobre os miúdos a quem dá aulas, por exemplo, depressa conclui que todos, sem exceção, são oriundos de famílias bem instaladas que vivem com bastante conforto material. O instrutor lamenta que assim seja, “gostava de ver mais gente a apaixonar-se pelo golfe”.

MUDANÇA DE PARADIGMA

Estamos agora no putting green, isto é, a zona onde se encontra o buraco. Aqui a relva não tem mais de 4 ou 5 milímetros de altura, “no US Open, chegam a jogar com a relva 2,3 ou 2,4 milímetros, qualquer gesto ou pequeno relevo podem mudar tudo no jogo”, adverte o instrutor. Enquanto ensaio a precisão – passar do ensaio do swing com um taco e um gesto técnico que têm como objetivo colocar a bola a 100 metros para o green, onde uso um putter para atirar a bola para o buraco a 4 ou 5 metros praticamen­te equivale a mudar de modalidade, tal é a diferença entre as duas fases do jogo –, Micael Viegas aproveita para explicar o seu lamento pela falta de abertura da modalidade. Diz que, enquanto cá se torna incomportá­vel para muitos aspirar a jogar com regularida­de, em Inglaterra “existem inúmeros campos municipais onde pagas 20 ou 30 libras para jogar”. “Em Portugal, municipal só tens o campo do Jamor, e não tem 18 buracos”, diz. “Vilamoura por exemplo é o melhor destino de golfe do mundo por 5 ou 6 anos consecutiv­os, e pertence ao concelho de Loulé, que é uma das câmaras mais ricas do País, tinham a bandeira de darem

prioridade à educação e ao desporto e, até agora, zero investimen­to no golfe.” O instrutor sublinha que o investimen­to é quase exclusivam­ente privado, o que faz com que a modalidade exista numa lógica apenas comercial, obrigando a retorno e lucros, o que dificulta não só uma sua difusão mais ampla, como praticamen­te impede a formação de atletas na modalidade, a não ser nos casos em que “o próprio privado apoia o ensino” – mas esse apoio nunca é “da Federação Portuguesa de Golfe, das autarquias ou do IPDJ”.

Nem sempre foi assim, houve uma altura em que o golfe chegou a ser mais acessível, e Micael dá o seu próprio exemplo: “Eu comecei a jogar aos 14 anos, no desporto escolar, um projeto pioneiro e experiment­al.” “Construíra­m um pitch & put [N. do R.: uma espécie de versão curta e amadora do percurso do golfe] em três escolas do Algarve: Portimão, Boliqueime e Tavira, salvo erro. E os miúdos podiam ter mais facilmente contacto com o golfe porque o campo estava ali, dentro da escola.” Micael acredita que, hoje em dia, “é possível fazer algo do género para estimular a modalidade”.

Na escola onde acabou por se formar, a Escola de Golfe de Vilamoura, “uma das maiores e melhores escolas do País”, custa menos de €200 por aluno, por ano, com praticamen­te tudo incluído. Portanto, não serão apenas os aspetos económicos a limitar a expansão do golfe. “A elite que joga golfe também gosta que se mantenha assim por uma questão de exclusivid­ade, digamos”, conclui Micael.

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