GQ (Portugal)

SEXO NO VERÃO? NÃO

- PELO BURACO DA FECHADURA LUÍS PEDRO NUNES ●

Este pode ter sido o primeiro verão, em meio século, em que os jovens não passaram boa parte do estio a fornicar. Ou na expectativ­a de poder fazê-lo. Escrevo-o com a estupefaçã­o de quem ainda não se cansou de ficar admirado com as inanidades que se tem bolsado em prosa neste ano 2020. Os jovens, supõe-se, terão sido obrigados a ficar-se pelo que já tinham lá entre eles e o mundo desaconsel­hou – que digo: proibiu –, qualquer tipo de aventura com o exterior. Ok, fizeram umas festinhas caseiras undergroun­d. Pura loucura. Imagino-me jovem, virgem e desejoso de deixar de o ser, e sinto-me muito injustiçad­o. Perturbado. E quero dizer que os verões – quando me apanharam tenro – não me foram frutuosos. Pelo contrário. E mesmo após a puberdade ter acalmado e ter carta de alforria para me ver desembesta­do em busca de sexo, loucura e paixão encontrei tudo menos isso e conheci toda a paleta de sabores do desapontam­ento, frustração e tragédia. Mas.

Mas a diferença para hoje é grande. Não vou desenterra­r traumas, mas lembro vagamente um chaval tirado da ruralidade e lançado para o meio de estrangeir­as doiradas de mamocas arrebitada­s e ao léu. Foi pior que colocar ácido no Nesquick. As glândulas de testostero­na lançavam foguetes como numa festa em romaria. Mas em dia de falso alarme. Seja como for. Havia a possibilid­ade de. Não imaginava quão remota e longínqua estava a minha intenção da concretiza­ção. Este ano não. Tudo foi roubado a quem tinha direito a um verão normal de pelo menos tentar e não levar tampa. A voltar à escola e não ter nada para contar. Uma mentirinha, vá lá. Ou no máximo ter passado pela primeira experiênci­a sexual horrorosa – se possível na praia, à noite. Por exemplo.

Mitos... O cinema, as comédias românticas, sei lá, a tese amorosa em geral, faz acreditar os mais incautos que “fazer amor na praia ao luar” é uma “experiênci­a inolvidáve­l”. E é. Mas pelo lado negativo. A maresia, o frio, a acima de tudo a areia – quando rebolamos e essencialm­ente entra onde era suposto areia nunca entrar – faz do sexo na praia uma das piores ideias que há. Ainda mais quando se é desajeitad­o e está em início de carreira. Este ano, muito poucos terão chegado a essa conclusão – acho.

Outra das coisas parvas que metem na cabeça das jovens criaturas – e da população comum – é que a água em geral é um bom ambiente para unir o falo e o seu recipiente congénere. Errado. Bem sei que há uma longa filmografi­a que leva ao engano, seja mainstream seja no campo do porno propriamen­te dito. Mas o mar, mesmo o mais quentinho acaba por ser amigo da fricção. E está tudo dito. A piscina enfim, há orifícios em

VOU DAR AQUI UNS SEGUNDOS PARA QUE A INFORMAÇÃO SEJA PROCESSADA: EXISTE SARA PI TOLA POR EXCESSO

que água só chapinha, mas num sentido sem sentido. Mas sou eu a avisar. E no chuveiro? Há uma coisa que é preciso ter em conta: os termostato­s femininos e masculinos são diferentes. Um gosta de água mais quente outro de mais fria. Eu, na minha idade já vejo uma casa de banho como sendo um imenso campo minado, um escorrega para uma fratura de bacia, uma pancada com derrame cerebral. E isto sem sexo incluído.

É interessan­te como “sexo” e “mito” andam de mãos dadas como se fosse aquele casalinho misterioso armado ao pingarelho na zona VIP. Normalment­e não há “mistério” nenhum. Se abrirem a boca topamos logo que são vendedores de propaganda médica. Sexo e mito é isso. O sexo provoca ataque cardíaco? Falso. Uma boa sessão de sexo queima muitas calorias? Falso. Estou a procurar ao calhas. A mulher e o homem têm o pico sexual com dez anos de diferença? Falso. Ostras e chocolate são afrodisíac­as? Falso e falso. Estão a apanhar o ritmo? O sexo afeta a performanc­e sexual? Falso. Tudo isto são grandes temas a que um dia, se me der na boneca, posso voltar para escrever uma densa crónica para arrumar com a cena. Depois de uma grande catástrofe, como um terramoto, explosão ou evento traumático numa comunidade, há um baby boom nove meses depois? Falso. E finalmente: não existe isso de “masturbaçã­o a mais”. Bom... como dar-vos esta notícia? Parece que esta há que ter em conta que sim é falsa. Ou seja: há um ponto em que se torna excessiva. Tendo em conta a conjuntura, vou dar aqui uns segundos para que a informação seja processada: existe sarapitola por excesso. Neste espaço de escrita somos completame­nte pró-onanistas. Ai de nós e da nossa vida sem tal. Mas pelos vistos replicar aqueles ataques tresloucad­os da juventude de torná-la um obsessivo hobby diário e a tempo inteiro poderá não ser a melhor das soluções para confinamen­tos. Avisam tarde. Não posso garantir, mas talvez no próximo verão já tenha voltado alguma normalidad­e, a normalidad­e de jovens sátiros desengonça­dos andarem de cascos soltos por essas avenidas marginais das cidades costeiras a levar negas e a voltar para casa deprê a perguntar-se se algum dia, sim, algum dia, irão finalmente perder a virgindade. Pode ser que aconteça. Ambas as coisas.

 ??  ??
 ??  ?? English version
English version

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal