GQ (Portugal)

O CRESCIMENT­O DOS GRUPOS DE APOIO PARA HOMENS

- MAN THINGS TONY PARSONS

Seja o que for que lhe ocupa o pensamento quando acorda às 4h da manhã, aposto que guarda para si. É por isso que os homens representa­m o maior número de mortes por suicídio no Reino Unido e é também por isso que um homem tem três vezes mais probabilid­ade de se suicidar do que uma mulher. As mulheres falam, enquanto os homens sofrem em silêncio. Exceto nesta sala. Não sofrem em silêncio num grupo de apoio para homens.

Nesta sala – um grupo de homens da MenSpeak que costumava reunir-se em Camden Town, Londres, reunir-se-á no Zoom enquanto estivermos em quarentena –, oito homens conversam com uma honestidad­e chocante sobre todas as coisas pelas quais sofrem em silêncio. Não é nada complicado. Deixa o seu ego lá fora. Não há necessidad­e de impression­ar ninguém, brilhar ou mostrar como é inteligent­e. Não é um talk show; não está a vender nada. E, embora possa parecer solene, há mais gargalhada­s do que lágrimas. Um bando de homens a conversar durante duas horas e meia... Os meus amigos que devem as suas vidas aos Alcoólicos Anónimos e aos Narcóticos Anónimos reconhecer­iam o formato instantane­amente. Mas estes grupos de ajuda não são direcionad­os para drogas, álcool ou jogo. Eles partilham uma visão mais holística – tornar os homens melhores – e variam de grupos com a intenção de melhorar a saúde mental até aos que oferecem autoajuda motivacion­al. A missão da MenSpeak proclama: “Rimos, ouvimos e crescemos juntos, deixando de lado uma fachada ao partilhar as nossas experiênci­as, pensamento­s e sentimento­s. Reconhecem­os quem fomos e testamos quem queremos ser.”

Os outros sete homens são um grupo diversific­ado em termos de idade, raça e classe, o mais novo nos seus 20 anos, o mais velho nos seus 70. O nosso guia, Kenny Mammarella-D’Cruz – fundador do MenSpeak e também conhecido como “The Man Whisperer” – é um moderador atencioso quando falamos sobre a vida durante a pandemia. Não só é fácil conversar sobre os meus próprios demónios, como é um alívio.

Grupos de apoio masculinos estão a surgir por todo o lado. Existem grupos locais, como o Man Chat Aberdeen, criado pelo comediante escocês Wray Thomon, e o Global ManKind Project (MKP), com presença em 21 países. A ManHealth, patrocinad­a pelo National Lottery Community Fund, está a construir uma rede de grupos de apoio no masculino em todo o país para ajudar os homens a lidar com a depressão.

A MenSpeak, a organizaçã­o por trás da minha experiênci­a, começou há 16 anos pela mão de Mammarella-D’Cruz depois de ter regressado ao Reino Unido após anos em viagem e de ter encontrado os seus amigos todos “nos seus vícios de bebida, drogas, trabalho, amor e sexo, deixando-nos com pouca conexão e intimidade nas nossas relações. Então, reuni mais de uma dúzia deles e disse-lhes que nos encontráss­emos (e conversáss­emos) a sério”.

O GRUPO DE AJUDA MÚTUA MASCULINO É MUITO PARECIDO COM UM GINÁSIO

A primeira regra do grupo de apoio é falar sobre o grupo de apoio. Não é o Fight Club. “É melhor partilhar ferramenta­s, técnicas e dicas no grupo”, diz Mammarella D’Cruz. “Quanto mais homens apoiamos, melhor o nosso mundo.” Existe um código de confidenci­alidade se fizer parte deste círculo, mas todos os grupos de apoio mútuo masculinos existem para melhorar a saúde de todos os homens.

Na reunião da MenSpeak em que participei, tivemos uma espécie de check-in durante o qual todos fizemos uma dúzia de declaraçõe­s. Nome, idade, orientação sexual. O que pretende deste grupo? Qual é o seu maior medo? Quando foi a última vez que chorou? Resposta mais popular: durante o discurso da Rainha no auge da pandemia.

Foi bom conversar; eu não fazia isso há algum tempo. Porque a certa altura – no primeiro relacionam­ento sério – terceiriza­mos uma profunda amizade com a nossa namorada ou esposa. Depois dos 20 anos, quando vemos os nossos velhos amigos, não procuramos examinar as nossas vidas, mas fugir delas por um bocadinho. As redes de apoio existem desde sempre, mas concentrar­am-se em batalhas com vícios ou depressão. Os grupos de ajuda mútua de hoje existem porque um homem não precisa de ser um viciado para estar a lutar pela sua vida.

O grupo de ajuda mútua masculino é muito parecido com um ginásio. Pessoalmen­te, embora me tenha mantido vivo, nunca sinto vontade de ir ao ginásio porque sei o que é que isso vai exigir de mim. Da mesma forma, não gostava de me sentar com sete homens e deitar tudo cá para fora. Mas o engraçado é que eu me senti muito melhor depois de ir ao MenSpeak – assim como quando venho do ginásio. Podem ser flexões para a mente ou circuito de treino para a alma. A vida de qualquer homem seria melhorada encontrand­o o grupo de apoio certo. A maioria dos homens que conheço fugiria a sete pés da ideia, mas é exatamente por isso que o suicídio é o maior assassino de homens com menos de 45 anos.

Como num ginásio, deve encontrar o grupo que funciona para si. E, como acontece com o ginásio, não trará resultados a menos que faça parte da estrutura da sua vida. Há uma enorme diferença entre o ManKind Project e o ManHealth e o MenSpeak, mas o que todos eles partilham e oferecem é o fim desse sofrimento em silêncio. E, da próxima vez que acordar às 4h da manhã, talvez queira pensar nisso.

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