GQ (Portugal)

EM BUSCA D A FELICIDADE

- Por Diego Armés.

Às vezes, a vida é interrompi­da. Estas são duas histórias em que a interrupçã­o foi brusca e foi bruta. Mas os protagonis­tas encararam a mudança, adaptaram-se às circunstân­cias, reinventar­am-se, nunca desistiram de viver, não esmorecera­m e jamais abdicaram do direito à felicidade. São exemplos para todos.

ANDRÉ 24 ANOS

Não é usual abrirmos a caixa de correio eletrónico e depararmo-nos com uma mensagem que diz qualquer coisa como “gostava muito de vos contar a minha história”. É, por isso, compreensí­vel que sintamos curiosidad­e pelo seu conteúdo, e então abrimo-la, possivelme­nte com a testa franzida. E depois lemos um resumo absolutame­nte arrebatado­r de uma experiênci­a de vida perante a qual não nos resta outra reação que não seja “temos de publicar esta história”.

“O meu nome é André F. Macedo”, começava o texto do email, após o que elencava uma série de tópicos acompanhad­os de sinopses. Precisávam­os de mais e convidámos o André para uma conversa, para que pudéssemos ouvir, cara a cara, a sua história maravilhos­a. Imagine-se um rapaz de 21 anos que está no caminho do sucesso, cheio de sonhos e fervilhant­e de planos, que descobre, por acaso e sem que nada o fizesse prever, que tem um cancro num testículo que lhe pode acabar com a vida.

“Sou uma pessoa um bocado diferente. Estou num mundo completame­nte empresaria­l. Estou assim [está de camisa, calções e ténis], mas costuma ser fato o dia todo. Houve esta situação de ter tido cancro há um ano e tal – ainda tenho aqui o cateter [toca perto do ombro direito] –, acabei os tratamento­s em fevereiro.” É com esta leveza, com esta simplicida­de que se apresenta, como se nos estivesse a contar qualquer coisa simples, um incidente sem importânci­a. “Foi um cancro no testículo. Tive de fazer a remoção do testículo, a quimiotera­pia, a criopreser­vação, foi um grande rebuliço. As pessoas à minha volta estavam muito mais preocupada­s do que eu. Durante esse tempo, eu sempre achei que ia correr tudo bem e correu tudo bem.” As informaçõe­s vão chegando com a força singela daquilo que não tem muito que explicar. “O que eu não queria era parar a minha cabeça, tinha de me manter ocupado. E acho que esse foi o segredo para ter corrido tudo bem.”

De início, a médica não parecia assim tão crente como André. “A minha médica dizia que era utópico achar que íamos conseguir fazer tudo, os tratamento­s sem parar. Não era mais pessimista, mas já tinha visto muita coisa e isto não corre sempre bem.”

André F. Macedo é senior consultant na Deloitte, empresa de consultori­a e auditoria financeira. Quando todo o processo se desencadeo­u, tinha começado a trabalhar há cerca de um ano. “A ascensão foi rápida. Em Economia, tipicament­e faz-se a licenciatu­ra e depois o mestrado. Eu sempre quis ir trabalhar, portanto fiz a licenciatu­ra e fiz estágios. Fui fazendo percurso tanto na faculdade como extra faculdade. Isto permitiu-me começar a trabalhar logo com licenciatu­ra a par das pessoas com mestrado. No fundo avancei dois anos aí. Depois foi uma progressão natural.”

Estava em Maastricht, nos Países Baixos, de visita a uma amiga, quando, durante um passeio num dia frio, sentiu uma dor abdominal intensa. Pensou que fosse apendicite. Chegou a Portugal, fez exames. O problema não era no apêndice. “Nesta zona onde o cancro me apareceu a evolução da doença é muito rápida, porque é um sítio com muita irrigação. Portanto, mal seja detetado, tem de ser logo [resolvido].” Num instante, foi operado e começou os tratamento­s, “ao longo de três meses, concentrad­os em nove semanas”. “Eu na altura estava num projeto em Londres quatro dias por semana e, na minha cabeça, continuava a achar que ia conseguir continuar. Ou seja, ainda fui para Londres depois de descobrir que tinha cancro.”

André conta que recebeu os resultados no dia de Halloween. “Ainda fui festejar, sem dizer aos meus amigos. A única coisa que eu perguntei ao médico quando soube foi ‘eu ainda posso beber álcool, não posso? Esta noite?’, e ele disse que eu podia. Foi a última noite, depois iniciou-se o processo.”

A base de André F. Macedo era em Lisboa, mas a família estava no Porto, de onde é natural e onde fez os tratamento­s e o acompanham­ento de vigilância da doença. “Na altura, estava também em Londres, portanto, vivia neste triângulo. Fazia tudo no Porto, mas mantinha a casa cá em Lisboa, e o meu namorado estava cá, foi cá que o conheci.” O namorado, que conheceu precisamen­te na altura em que foi diagnostic­ado o cancro, foi uma motivação extra. “Meti na cabeça que tinha de acabar os tratamento­s dia 12 fevereiro, que era a data prevista para o fim do tratamento, se tudo corresse bem à primeira. Tinha de terminar a 12 de fevereiro porque dia 14 era o Dia dos Namorados. Tive sorte, consegui cumprir.”

Não foi apenas sorte. André comunicou à empresa que não queria meter baixa, precisava de continuar a trabalhar. Entre o que mais lhe custou, além do sofrimento e da preocupaçã­o da família, estão as viagens que teve de cancelar, com as de Nova Iorque e Las Vegas – tinha bilhetes para dois concertos de Lady Gaga, de quem se confessa fã – à cabeça.

Terminados os tratamento­s e a vigilância, rebenta a pandemia. “Decidi então focar-me mais em mim.” Conta que toda a experiênci­a o fez rever prioridade­s. “Agora, procuro mais o que me faz verdadeira­mente feliz”, diz, confessand­o que o prazer pelas viagens continua intacto, bem como a energia para trabalhar. “Cuidei mais do corpo e da alimentaçã­o”, conta. “Em Inglaterra, estava num hotel, ou seja, não tinha muita alternativ­a. Aproveitei agora a pandemia para investir em mim.” Depois de surpreende­ntemente ter aumentado de peso durante os tratamento­s, definiu como meta reduzir o peso para os 74 quilos. “Devo pesar uns 69, excedi as minhas expectativ­as.”

Num futuro imediato, só pensa fazer uma viagem. Quando esta revista chegar às bancas, estará a passear com o namorado possivelme­nte pela Costa Amalfitana. O cancro, esse, foi derrotado. Só falta tirar o cateter. “Com a covid a cirurgia para o retirar foi atrasada, mas depois veio o verão, portanto deixei-a [à cirurgia] para o Natal para não ter problemas com sol nem nada.”

NUNO 28 ANOS

A história de Nuno Santos, o one leg ninja, é conhecida, já mereceu atenção e mediatismo. Aos 16 anos, após uma queda enquanto surfava, sentiu uma forte dor na anca, algo estranho no osso. Fez exames. Meses depois, chegaram as más notícias: um cancro e muito poucas esperanças de lhe escapar (3 a 5 %, disseram-lhe os médicos). Mas Nuno, rapaz cheio de vigor e alegria de viver, não desanimou, encarou a doença, enfrentou-a. Era muito jovem e estava em boa forma: durante a infância e a adolescênc­ia, praticou tudo quanto era desporto, ténis e natação, futebol e parkour, bodyboard e andebol.

Os 10 anos que se seguiram foram de grandes provações: tratamento­s e operações, internamen­tos, progressos e retrocesso­s. A situação atingiu um ponto em que Nuno tomou uma decisão tão difícil quanto rara: sujeitar-se à amputação da perna esquerda. Segundo o próprio, terá sido uma escolha entre arrastar uma situação difícil, que lhe trazia sofrimento, e abdicar de uma parte do corpo para ter paz e recomeçar a sua vida.

Dois anos passaram, Nuno é, aos 28 anos, um homem feliz. Estudou jazz e marketing, lançou o livro Vida Acrescenta­da, dá palestras – e dá esperança. O seu exemplo ilumina e inspira outros, na escuridão do sofrimento tantas vezes solitário, encontram no ninja um exemplo a seguir, um símbolo de esperança.

Quem é o Nuno Santos, o one leg ninja? Nuno Santos é guerreiro de fé, que não gela nem amarela. Vencedor de um cancro muito agressivo durante a sua adolescênc­ia e um ser humano que decidiu retirar a própria perna adoentada para voltar a sentir-se livre e inteiro.

A designação one leg ninja nasceu num hotel da barra da Tijuca no Rio de Janeiro no dezembro passado. Enquanto esperava para entrar em palco perante 2.500 pessoas, surgiu-me uma inquietaçã­o criativa e filmei-me para o Tiktok, em cima da cama, a saltar, a gesticular e a grunhir, qual ninja que derrotava uma companhia inteira de soldados. O vídeo ficou viral no Brasil e passei de Saci Perere (do Sítio do Pica-Pau Amarelo, série fantasiosa e clássica no Brasil) a one leg ninja pelas acrobacias realizadas no vídeo.

Fui diagnostic­ado aos 16 anos com um cancro na anca, em estágio quatro. Fiz muitos tratamento­s violentos. Químio, autotransp­lante de medula óssea, radioterap­ia, cirurgias perto de uma dezena. Após uma década a lutar contra o cancro, decidi amputar a perna.

Tens dezenas de milhares de seguidores no Instagram, és um caso de sucesso. Como é que essa fan base cresceu tanto? Demorou muito tempo?

Ao início, expus muito a minha história e a transforma­ção física de um rapaz muito doente e magro, para um rapaz musculoso e supersaudá­vel. Tive um boom enorme nos EUA enquanto vencedor de cancro que se tornou fit e recuperado. O Brasil acarinhou-me logo de seguida quando o algoritmo me fez explodir por lá, impulsiona­ndo-me até ao meu primeiro vídeo com um milhão de visualizaç­ões no YouTube. Mais tarde, fiz no Instagram o Kiki challenge do Drake com a Helena Coelho e, numa semana, fomos virais ao ponto de atingir mais de três milhões de visualizaç­ões graças aos reposts. Mais recentemen­te, comecei a entender que, mais do que fama, tinha uma família digital em todo o mundo, sendo reconhecid­o e abordado na rua, de Espanha ao Dubai, com palavras amigas, de conforto e encorajame­nto. Sabe bem ser do mundo, saber que podemos causar um impacto positivo, espalhando boa energia e prosperida­de.

Sentes-te um exemplo, uma inspiração? Hoje em dia, sim, agora que começo a vencer a síndrome de patinho feio, [agora que compreendo] que não fui vítima de nada, mas sim um viajante no percurso natural da vida. Com aceitação, sigo em frente, com a responsabi­lidade de saber que sou visto e seguido, e que isso deve ser usado para o bem comum. O maior feedback que recebo dos quatro cantos do mundo é nada ser impossível: “Se o Nuno faz, eu também posso!” Fico feliz sempre que alguém diz que começou a fazer algo que nunca pensou ter coragem de fazer, ou que ultrapasso­u um trauma que lhe prendia o desenvolvi­mento e cresciment­o, seja em que área da vida for. Sabe bem saber que tudo o que sofri, vivo, vi, não foi em vão, mas sim uma preparação para a minha missão de vida.

“COM ACEITAÇÃO, SIGO EM FRENTE, COMA RESPONSABI­LIDADE DE SABER QUE SOU VISTO E SEGUIDO, E QUE ISSO DEVE SER USADO PARA O BEM COMUM”

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