GQ (Portugal)

MUDAR O VÍCIO

E se os fumadores pudessem saciar o seu vício de uma forma muito menos nociva? É precisamen­te isso que propõe uma sofisticad­a tecnologia que elimina a combustão da equação.

- Por Diego Armés

QQue admirável mundo e formidável tempo estes em que um fabricante de tabaco aconselha prudência e bom senso: “Se não fuma, não comece a fumar.” É verdade, é por aqui que a Philip Morris começa a abordagem ao produto que é a sua grande aposta e, segundo a empresa, o caminho do futuro: um futuro livre de fumo.

Mesmo que o leitor não seja um utilizador, decerto já se terá cruzado com pessoas que parecem estar a chuchar numa caneta. Pois bem, não é uma caneta. Essas pessoas são ou eram fumadoras e estão a abastecer-se de nicotina sem que, para tal, tenham de fumar. Parece complicado, parece um paradoxo, mas é apenas a ciência posta ao serviço das necessidad­es que o ser humano criou para si mesmo – no caso, o vício da nicotina.

SEM FUMO

A tendência surgiu há já alguns anos: fumadores, cansados de muitos dos malefícios do tabaco – do tabaco fumado de forma convencion­al, entenda-se –, começaram a procurar uma solução para os problemas relacionad­os com o vício. Os mais determinad­os vão até às últimas consequênc­ias e fazem o que é indicado: deixam de fumar. Porém, como nem toda a gente consegue dar o passo definitivo com ligeireza – é um vício e os vícios não são iguais para todos –, há quem procure uma espécie de solução intermédia. Essa solução passa pelas formas alternativ­as de receber a nicotina no organismo, por um lado, e de saciar o hábito de inalar o fumo, ou algo semelhante, por outro.

A subtração do fumo da equação parece ser fundamenta­l e há várias razões para que assim seja: prejudica gravemente o sistema respiratór­io, resulta de matéria queimada, entra no organismo a temperatur­as elevadíssi­mas e deixa cheiro em toda a parte – em suma, é uma bateria de problemas e de inconvenie­ntes. “Confesso que, primeiro, foi a curiosidad­e por ser uma alternativ­a menos nociva, percebi que era menos poluente”, afirma a modelo Luísa Beirão sobre o que a levou, há cerca de 3 anos, a trocar os cigarros convencion­ais pelos IQOS. “Depois de um período de experiênci­a senti que seria uma melhor opção, apesar de [continuar a] ser um produto químico, mas que não seria tão prejudicia­l à saúde”, acrescenta.

“O odor que permanecia na roupa com o tabaco tradiciona­l e a ausência de cinzas” são apontados como os principais motivos que levaram Paulo Anes a deixar os cigarros convencion­ais e a converter-se ao uso desta alternativ­a. “Depois de uma noite com amigos, a diferença ao acordar no dia seguinte é notória”, constata Paulo. “O IQOS proporcion­a um melhor respirar no dia seguinte”.

Também Carlos Abreu, diretor criativo da Sumo, se mostra sintonizad­o com a ideia de que a ausência de fumo e de tabaco queimado proporcion­a uma experiênci­a menos agressiva para o fumador. “Na experiênci­a de Heets [ver explicação mais adiante] não existe o cheiro caracterís­tico do tabaco, não se sente a temperatur­a dos cigarros, e o after taste, que num cigarro é muito forte, no caso de Heets é quase inexistent­e.” Uma vez mais, o facto de não deixar odor foi reforçado. Carlos Abreu conclui que “no geral, é uma experiênci­a muito menos agressiva do que num cigarro convencion­al”.

COMO FUNCIONA

Intrigados e curiosos sobre esta nova maneira de (não) fumar, decidimos ir à procura de explicaçõe­s à fonte, que é como quem diz, aos laboratóri­os da PMI (Philip Morris Internatio­nal) na cidade suíça de Neuchâtel. É nas margens do lago Neuchâtel que se encontra aquilo a que carinhosam­ente chamam “o cubo”, um edifício de arquitetur­a contemporâ­nea imponente, totalmente envidraçad­o, por onde circulam pessoas de batas brancas. O ambiente é tranquilo, fresco, quase silencioso. Não é exatamente aquilo que imaginamos quando pensamos no laboratóri­o de uma tabaqueira, possivelme­nte porque nos concentram­os muito mais no aspeto “tabaqueira” do que no aspeto “laboratóri­o”, daí a surpresa quando nos deparamos com pisos e corredores onde cientistas testam substância­s e combinaçõe­s, analisam resultados e conferenci­am para chegar a conclusões. Causa igualmente surpresa a frequência com que se ouve falar português – são inúmeros os portuguese­s que ali trabalham, e em diversas áreas. Somos recebidos e conduzidos durante a visita precisamen­te por dois compatriot­as, Nuno Fazenda e Mário Barreto, que nos mostram as instalaçõe­s, descrevem os processos de pesquisa e de experiment­ação.

MMais tarde, quando visitarmos a fábrica onde o tabaco é transforma­do, vamos perceber que, até um certo ponto, a preparação da matéria-prima do cigarro é semelhante à de um Heet, mas que os processos divergem de maneira a que os Heet possam ser consumidos sem recurso à combustão do tabaco. Um Heet é um produto desenhado para o consumo de tabaco aquecido que permite uma experiênci­a de consumo de tabaco em tudo semelhante à do cigarro – há filtro, há nicotina –, exceto quanto à existência de fogo e de fumo (segundo Paulo Anes, também o sabor é substancia­lmente diferente daquele que se sente quando se fuma um cigarro convencion­al, “mas após as primeiras utilizaçõe­s, o sabor torna-se normal e a longo prazo mais agradável”).

A tal “caneta” de que falávamos no início do texto é, na verdade, o objeto onde tudo acontece. A tecnologia IQOS aquece o tabaco, mas sem o queimar, de modo a gerar um aerossol que é inalado pelo utilizador. Através de controlo eletrónico, o dispositiv­o IQOS aquece o stick de tabaco a temperatur­as inferiores a 350 °C, sem que haja combustão. Depois, no interior do objeto, há uma pequena câmara de arrefecime­nto que tornará mais suave, logo menos agressiva, a inalação.

REGRAS E EQUÍVOCOS

Estes novos produtos são produtos com menor risco associado – o que significa que não são isentos de risco. A ideia de que não usar é melhor do que usar vai sendo repetida inúmeras vezes ao longo desta visita. O que acontece é que a redução dos riscos associados, por comparação com o uso de cigarros convencion­ais, é enorme – análises recentes apontam para números acima dos 90% na redução dos riscos. Ainda assim, a Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a (SPP) desaconsel­ha o uso do IQOS e de outros aparelhos eletrónico­s. Rui Minhós, o atual diretor de Assuntos Institucio­nais da Tabaqueira e que já foi responsáve­l de Scientific Engagement da PMI para a Europa, Europa de Leste e Médio Oriente, diz que há pontos em que concorda com a SPP. “A melhor coisa a fazer é deixar de fumar; o melhor de tudo é nunca fumar”, mas logo expõe as vantagens do surgimento destas alternativ­as ao cigarro convencion­al: “Mas a questão é: eo que é que acontece às pessoas que continuam a fumar cigarros? Se existem melhores alternativ­as porque é que não informamos essas pessoas de que elas existem para que possam mudar, de forma conscienci­osa, para essas alternativ­as melhores?” “O que diz a SPP é: ‘os pulmões foram feitos para respirar ar puro’, e é verdade, mas no caso de um fumador que fume cigarros, se ele mudar para um produto sem combustão, é muito melhor para ele.”

Minhós afirma que, durante a sua experiênci­a no Scientific Engagement, falou com cientistas de origens diferentes e em diferentes realidades, conheceu muitos mercados num tempo em que nem sequer existiam formas alternativ­as ao cigarro convencion­al. Afirma ter-se deparado com “muita desinforma­ção, falta de informação e défice de credibilid­ade da PMI e de toda a indústria” – o que não é de estranhar, dado o passado da indústria tabaqueira na ocultação da relação entre o tabagismo, ou a prática de fumar, e as doenças pulmonares e cardiovasc­ulares, entre outras.

O enquadrame­nto regulament­ar na Europa está hoje definido e diz que todos os fabricante­s de tabaco e de cigarros eletrónico­s, seis meses antes de iniciarem a comerciali­zação, têm de informar as autoridade­s competente­s das suas composiçõe­s qualitativ­a e quantitati­va. Isto permite que as autoridade­s detetem se existe alguma substância perigosa ou proibida e, se encontrare­m alguma, o produto é retirado do mercado.

Em sentido contrário à posição da Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a, a poderosa FDA (Food and Drug Administra­tion, a agência federal do Departamen­to de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, responsáve­l, entre muitas outras coisas, pela supervisão e pelo controlo dos produtos de tabaco) autorizou, em julho, a comerciali­zação do IQOS como um “produto de tabaco de risco modificado” ( Modified Risk Tobacco Product, MRTP da sigla em Inglês). Ao fazê-lo, a FDA considerou que a autorizaçã­o de comerciali­zação do IQOS com a informação de modificaçã­o de exposição é apropriada para a promoção da saúde pública. Basicament­e, a autoridade norte-americana reconheceu ao produto e à sua tecnologia todos os pontos vantajosos que a Philip Morris alegava que aquele tinha: aquece o tabaco, mas não o queima, o que reduz significat­ivamente a produção de constituin­tes químicos nocivos e potencialm­ente nocivos. A agência norte-americana

reconhece ainda que “é um produto de tabaco fundamenta­lmente diferente, e uma melhor escolha para adultos que, de outra forma, continuari­am a fumar”.

É A CIÊNCIA...

A FDA concluiu que “a evidência científica disponível demonstra ser expectável que o sistema IQOS beneficie a saúde da população no geral, quer dos utilizador­es de produtos de tabaco, quer das pessoas que atualmente não consomem produtos de tabaco”. A decisão da autoridade norte-americana baseia-se no crescente consenso científico independen­te e internacio­nal de que o IQOS é uma escolha melhor do que continuar a fumar.

A esta decisão e a este reconhecim­ento não serão alheios os estudos e as pesquisas científica­s levadas a cabo ao longo de mais de uma década no centro de investigaç­ão de Neuchâtel. Rui Minhós vai mais longe e afirma que os métodos desenvolvi­dos para a obtenção de produtos com menor risco associado podem ter aplicação noutras indústrias, “da Inteligênc­ia Artificial ao desenvolvi­mento de órgãos in vitro para evitar determinad­os ensaios clínicos” – fizeram-se ensaios de exposição ao aerossol desse modo –, entre outros. Todos estes métodos foram desenvolvi­dos para substancia­r que este produto é menos nocivo do que os cigarros. “Quando nos apercebemo­s do potencial destes métodos e da ciência que estávamos a produzir, começámos a testar noutras coisas. Hoje em dia temos pessoal da indústria farmacêuti­ca a vir ao nosso centro de R&D [ Research and Developmen­t] e perceber como estamos a fazer avaliação em sistemas toxicológi­cos, em sistemas biológicos.”

DEPENDÊNCI­A E NICOTINA

Todos os utilizador­es de IQOS que contactámo­s eram fumadores antes de terem optado por esta tecnologia. E também todos, sem exceção, consideram que consomem tantos Heets como fumavam cigarros, nenhum fala num aumento de consumo. No entanto, é preciso ter consciênci­a da origem do vício. O elemento que cria dependênci­a em qualquer produto com nicotina é a própria nicotina. “Não é a nicotina a substância que causa danos, mas é de nicotina que um fumador viciado necessita”, explica Rui Minhós. Portanto, há risco de desenvolvi­mento de vício mesmo nos casos em que o utilizador experiment­a o IQOS não tendo fumado antes. Porém, a presença de nicotina neste produto acaba por ser uma espécie de mal necessário. “Aquilo que nós queremos é reduzir a nocividade ao nível populacion­al e, para isso, precisas de um produto que reduza o risco individual de doenças, mas que, ao mesmo tempo, seja aceite por um fumador de cigarros”, conclui Minhós.

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O trabalho de investigaç­ão nos laboratóri­os da Philip Morris, em Neuchâtel, na Suíça, tem produzido resultados e tem atraído a atenção de outras indústrias – nomeadamen­te das farmacêuti­cas.

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