GQ (Portugal)

THE WARRIOR

Alba Baptista, a mais recente estrela do firmamento nacional, começou a conquistar o mundo. Como? A dar cabo de demónios numa série da Netflix. E não vai ficar por aí.

- Por Diego Armés, com José Santana. Fotografia de Kenton Thatcher. Styling de Maria Falé.

AAinda não tinha sido anunciada a segunda temporada de Warrior Nun – entretanto, foi feito o anúncio público de que vai mesmo avançar – quando conversámo­s com Alba Baptista, a jovem atriz portuguesa que protagoniz­a a série da Netflix. Na verdade, Alba é muito mais do que a protagonis­ta da série, como a própria afirma ao longo desta conversa: “O Simon Barry [o criador de Warrior Nun] foi tão gentil comigo que me deixou participar nas decisões de outros departamen­tos, aprender, ser a sombra dele, estar sempre atrás dele e aprender com ele, fazer perguntas.”

A ainda curta carreira de Alba ganhou nos últimos meses uma nova dimensão, precisamen­te graças à estreia da série da Netflix. A sua notoriedad­e, sobretudo ao nível internacio­nal, aumentou de um modo abrupto, saltou para outro patamar. A atriz chegou ao número 1 do top de pesquisas no site IMDB, uma das principais referência­s mundiais no que respeita a produções cinematogr­áficas e televisiva­s. De um dia para o outro, Alba começava a ser comparada com grandes estrelas da indústria como Alicia Vikander, por exemplo. Com tanto entusiasmo em torno da atriz portuguesa, era imperativo ficar a conhecê-la melhor.

ALBA E AVA

Em Warrior Nun, Alba é Ava, uma órfã que acorda numa morgue e que descobre que tem superpoder­es para combater demónios juntamente com outras freiras lutadoras – “Acho que esse é o melhor resumo da série que eu já ouvi”, responde gentilment­e a protagonis­ta perante a nossa sinopse improvisad­a. Mas quem é Alba na vida real?

Entrou no mundo do cinema depois de um casting para um papel numa curta-metragem de Simão Cayatte, Miami, quando tinha apenas 15 anos. “A Patrícia Vasconcelo­s estava a fazer casting e eu fui uma das 200 miúdas que lá foram. Não sabia em que é que consistia sequer um casting. Estava um bocado na descoberta.” Não foi um casting qualquer e acabou por lhe mudar a vida. “Foi uma conversa. E é por isso que até hoje estou tão grata por este ter sido o meu primeiro contacto com esta indústria. Por causa do Simão. Porque ele fez-me umas perguntas pessoais e talvez até filosófica­s, e eu fiquei encantada com essa abordagem. Ficámos a debater o conceito da culpa.” Alba elogia várias vezes o realizador e sublinha a importânci­a desta primeira experiênci­a, que considera o momento mais marcante da carreira, a par do “último trabalho”. “Foi uma abordagem superíntim­a, e foi isso que me fez apaixonar pelo cinema. O cinema é isso, é intimidade, em si.”

As abordagens íntimas sucedem-se na carreira de Alba, já que algo semelhante aconteceu quando recebeu o telefonema com a boa nova a dizer-lhe que o papel de Ava era dela: “O Simon Barry ligou-me e perguntou ‘ hey, Warrior Nun, how’re you doing?’ e eu ‘ Hi, Mr. Barry, I’m ok’ – e ele percebeu que eu não tinha percebido e repetiu. Foi uma abordagem muito pessoal.”

Alba não consegue precisar quando é que sentiu o impulso para se tornar atriz, sabe apenas que aquele casting foi decisivo. “Desde criança que me lembro de querer ser artista. Quis ser pintora, pianista, bailarina, tudo dentro da árvore das artes. Representa­ção, a minha mãe diz que sempre sentiu, eu é que não me lembro – ela lá saberá. Depois deste casting do Miami, senti ‘é isto’.”

Entretanto, e em apenas oito anos, fez novelas na TVI e séries na RTP, trabalhou no cinema com Ivo Ferreira, Edgar Pera, João Mário Grilo, Gonçalo Galvão Telles e Gonçalo Waddington, entre outros. Foi nomeada para o Globo de Ouro da SIC para Revelação do ano e ganhou o galardão precisamen­te nessa categoria nos prémios Subtitle. O ano passado represento­u o filme Patrick no Festival de San Sebastián, no País Basco, e este ano foi júri no FEST, o festival de novo cinema de Espinho. Acabou de filmar uma longa dirigida por Marguerite de Hillerin e Félix Dutilloy-Liégeois, além de ter sido a primeira atriz portuguesa a protagoniz­ar uma série norte-americana da Netflix. É imparável. Por trás daquele rosto bonito e sereno, quase impassível, existe um vulcão de energia e de talento. É quando lhe lemos o olhar inteligent­e e lhe ouvimos as palavras assertivas, bem pesadas e bem medidas que percebemos: só ela poderia ser a Warrior Nun.

MUDANÇAS

“Originalme­nte”, diz Alba, “a banda desenhada não era nada disto [que é a série], eu diria até que é misógina, imagina sexy nuns with guns”. Porém, nesta recriação da história, Simon Barry deu-lhe outra essência. Basta pensar na premissa – o tal despertar de uma jovem com superpoder­es que, juntamente com outras freiras, vai combater o Mal – para se perceber que há aqui uma mensagem de empowermen­t. “Acho que essa era a mensagem que eles queriam passar primeirame­nte. Eles quiseram mesmo fazer renascer o conteúdo desta banda desenhada, retirar apenas o universo que foi criado e dar-lhe outra essência.”

Aproveitam­os o embalo da atualizaçã­o da perspetiva sobre estas freiras guerreiras para conversar sobre o que muda no mundo e na sociedade. Alba Batista mostra uma visão razoavelme­nte otimista, embora apresente, como em praticamen­te todos os assuntos, de resto, uma reserva cautelosa: “A nossa sociedade está sempre em metamorfos­e. Se olharmos para há 100 anos, as mulheres não tinham direito de voto, não tinham oportunida­de de ir estudar, de se educar. Hoje em dia isso já não é uma realidade sequer plausível. Estamos em constante mudança e evolução. Dito isto, não estou a defender que já tenhamos atingido o pico da evolução em sociedade ou enquanto seres humanos. Ainda temos um caminho por percorrer.”

Ultimament­e tem-se assistido a mudanças negativas. “A dependênci­a do virtual, das redes sociais. Naturalmen­te, criámos quase todos uma ligação a partir da qual nos deixamos governar e guiar por este pequeno pedaço eletrónico que trazemos connosco.” Ilustra esta alteração da realidade com um exemplo retirado da ficção. “Penso sempre naquele episódio do Black Mirror em que eles são todos categoriza­dos por uma aplicação. A partir da pontuação que eu te dou enquanto pessoa é que tu vais ser situado na hierarquia da sociedade. Eu sinto que, estranhame­nte e paralelame­nte, é isso que nós estamos a representa­r na nossa realidade, vivemos na dependênci­a da aprovação, dos likes, dos seguidores. Isto é perigoso.”

PÚBLICO E PRIVADO

Com o sucesso veio também a atenção e Alba tem agora muito mais pessoas a segui-la do que tinha há alguns meses. Isto significa que a atriz, que faz questão de gerir as próprias redes sociais – “Tento ser fiel a mim própria, pondero sempre duas vezes antes de publicar qualquer coisa, ‘estou confortáve­l com isto’, ‘estou confortáve­l com que o mundo inteiro veja isto’” –, tenha sentido o aumento da pressão. “Primeirame­nte, por ter de alimentar o desejo destes novos seguidores, que queriam fotos da série, do backstage e tudo mais, e eu tenho uma grande batalha interior constante com a exposição. Qual é a linha ténue que determina quando é que a exposição é excessiva ou não? Portanto, debati-me com isso. Os meus seguidores, de repente, subiram bastante, de facto. Mas é uma questão de equilibrar as coisas, dar, de vez em quando, alguma coisa que sentes que eles querem.”

A jovem estrela não se debate apenas com questões relacionad­as com a separação entre a esfera privada e o domínio público. Há outras situações em que não se sente confortáve­l e não apenas nas redes sociais. “Eu tenho este constante problema, também, que é... por exemplo, defender uma causa publicamen­te: é algo que faço na minha vida pessoal, tenho debate e argumentaç­ões e intelectua­lizo-me; no entanto, quando toca a gerir a minha imagem pública, eu tenho algum tipo de receio, não me quero expor dessa maneira. Também porque sinto que, para eu estar a defender uma causa, teria de estar totalmente englobada nessa causa, do início até ao ponto onde se está.” Consciente de que o escrutínio público sobre os protagonis­tas é cada vez maior, Alba considera que essas posições devem ser tomadas em consciênci­a e assumindo seriamente o compromiss­o. “Não estou, de todo, a constatar que eu não quero saber desta ou daquela causa, ou que não a apoio, não tem nada a ver com isso”, afirma. Confessa que é constantem­ente pressionad­a a tomar posições e assume que acredita que há assuntos demasiado sérios para que tenhamos a ilusão de que se resolvem com posts nas redes sociais, mas faz a ressalva: “No entanto, não censuro as pessoas que o fazem, acho correto, e é importante também intelectua­lizar as pessoas. Mas, comigo mesmo, penso sempre que não me posso pôr nessa posição, não tenho o direito de falar sobre coisas que... olha, não sei. É uma never ending story.”

Se falamos de público, falemos de reconhecim­ento, de ambiente e de colegas. Sobre a rodagem da série que lhe deu a fama internacio­nal, Alba diz que notou diferenças grandes em relação às produções nacionais. “Senti que não havia necessidad­e de criar qualquer tipo de relação pessoal para ser bem-sucedida na [relação] profission­al. E eu gostei disso, porque também tenho uma mentalidad­e quase alemã a trabalhar. Gostei de não ter de passar por um processo de nos conhecermo­s todos bem para nos darmos todos melhor no trabalho, porque eu também gosto da minha conchinha.” É uma conchinha que a preserva, por exemplo, das abordagens na rua. “Sempre fugi muito a isso. Enfim, andar de lado, como bom Caranguejo que sou. As pessoas reconhecia­m-me mais e abordavam-me mais quando havia uma novela [comigo] no ar. Assim que a novela para, esquecem-se.” Mas não nos desviemos do assunto. A posição privilegia­da e rara que ocupou na produção de Warrior Nun, com acesso a vários departamen­tos e a possibilid­ade de ter voto na matéria não terá gerado algumas inimizades na equipa? “Acho que o ego está sempre presente em qualquer tipo de relação profission­al. Mas olha, se criou, eu estava tão ocupada que não tive tempo para gerir isso. Foi muito exaustivo. Acho que, de certa maneira, também inspirou outros atores a serem mais participat­ivos noutros departamen­tos. Qualquer equipa só ganha quando todos nos aceitamos enquanto iguais e reconhecem­os o valor de cada departamen­to.” O bom ambiente profission­al era particular­mente importante nesta produção, em que as filmagens duraram cinco meses. “Cinco meses para 10 episódios. Tudo seguido durante cinco meses. Eu filmei todos os dias, penso eu. Eram, no mínimo, 12 horas por dia e aos domingos reuníamo-nos com o criador, eu e os produtores – porque, lá está, eu podia participar nas decisões e víamos o que é que tinha corrido mal, o que é que podia correr melhor. De [ter] férias, não me lembro.”

O FUTURO

“Nem percebi logo, demorei dois dias a perceber o que significav­a. Estava tudo ‘ah estás no top de buscas do IMDB’ e eu ‘ah fixe’. Depois, quando me explicaram, é que fiquei um pouco intimidada, até porque não estava à espera. Mas também não estava à espera que fosse uma coisa tão importante. Só quando os meus agentes americanos me ligaram é que me explicaram o que isto é e a importânci­a que os produtores e os diretores de casting dão aos rankings do IMDB. Eu não tinha noção.” Isto significa que Alba está naquele ponto em que tudo de bom lhe pode acontecer. A atriz afirma que pretende equilibrar o cinema europeu com as produções comerciais. “A Warrior Nun neste momento é a prioridade contratual. Se houver [segunda temporada], já estamos a programar para os meses que serão fechados para a gravação.” Quanto ao cinema: “Eu sempre achei que seria mais na Europa, mas, de repente, a maré está a puxar mais para o outro lado e eu vou com a maré, nunca cortando nada. Antes de a pandemia rebentar, eu estive em Los Angeles em fevereiro e, após aquelas pequenas três semanas, tornou-se uma possibilid­ade mudar-me para lá.” Garante, no entanto, não querer deixar de ter o seu lugar em Portugal, onde há “projetos lindíssimo­s de que pouca gente fala”. “Há que investir também nos nossos tesouros.” Mas ir para fora, seja na Europa ou nos EUA, é obviamente uma possibilid­ade real.

Alba Baptista revela – para além do surpreende­nte desejo de vir a estudar Filosofia – que gostava de realizar os seus próprios filmes. “Foi durante o processo das filmagens da série que percebi que quero escrever e realizar* histórias minhas.” Este foco constante na carreira não a impede, no entanto, de aceitar desafios, digamos, mais familiares. “Desde muito nova que dizia ‘não vou ser mãe’. Não sei porquê, sempre meti na cabeça que não era para mim. Hoje em dia já vejo a maternidad­e com olhos diferentes. Tenho agora amigos e amigos de amigos que têm filhos, têm bebés, e eu olho e não sei... É tudo tão bonito, a pureza do universo, o renascer, todos esses clichés, acho tão lindo. Cada vez mais, é interessan­te, ao longo da carreira, enquanto a carreira vai crescendo, cada vez mais tenho menos tempo para mim e idealizo um ponto em que eu possa parar e dar tempo a mim e aos meus. Portanto, sim, idealizo ter filhos.”

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