GQ (Portugal)

O que nós queremos? MULHERES que nos governem!

- Por Paulo Narigão Reis.

Se a pandemia provou alguma coisa é que as nações lideradas por mulheres foram as que melhor respondera­m aos desafios causados pela doença, colocando sempre a ciência à frente do calculismo político. Jacinda Ardern, Angela Merkel, Tsai Ing-wen, Katrín Jakobsdótt­ir ou Erna Solberg. Estas mulheres deviam governar o planeta.

eEntrámos na terceira década do século XXI e o mundo já viu melhores dias. A começar pela pandemia e a segunda vaga que aí vem, mais a economia destruída que leva a ainda mais desigualda­de, mais a emergência climática que o coronavíru­s não parou, apenas fez esquecer um pouco, mais o regresso dos nacionalis­mos e a disseminaç­ão do ódio através das redes sociais, mais…

Tempos como estes requerem grandes líderes. Na II Guerra Mundial, houve Winston Churchill, Charles de Gaulle, Franklin Roosevelt. Na Guerra Fria, o planeta só escapou ao apocalipse nuclear graças ao bom senso de John F. Kennedy e Nikita Kruschev. A Europa unida nasceu das ideias de Jean Monnet e Robert Schuman e cresceu com Helmut Kohl e François Mitterrand.

Que qualidades fazem um grande líder? Existe muita literatura sobre o assunto, geralmente arrumada na categoria de business intelligen­ce que, na realidade, não é mais do que autoajuda para candidatos a gestores de “grandes” empresas. E que enumera uma série de qualidades que, bem, não são mais do que senso comum... O grande líder deve ser honesto, íntegro, confiante, inspirador, assertivo, corajoso, empático, criativo, humilde, dotado de inteligênc­ia emocional, transparen­te, capaz de delegar, e por aí fora.

Olhando para todas estas qualidades, sabemos imediatame­nte quem não as tem. Os maus líderes têm-se espalhado pelo mundo como uma pandemia à parte e é difícil encontrar qualquer item desta lista em Donald Trump. Ou em Jair Bolsonaro. Ou mesmo em Boris Johnson. E não esqueçamos Vladimir Putin e Xi Jinping, cuja grandeza como líderes só se mede, na realidade, pelo poder que detêm e pelo que são capazes de fazer para o manter, incluindo naturalmen­te a repressão.

DECÊNCIA E COMPETÊNCI­A

Onde podemos então encontrar hoje as qualidades que forjam, se não os grandes líderes, pelo menos os bons e decentes, até porque nesta altura do campeonato já estamos um bocado por tudo… Podemos, por exemplo, olhar para a maneira como as nações lidaram com a pandemia, categoria em que podemos arquivar logo à partida Trump, Bolsonaro, Johnson e outros na gaveta de como não fazer. Do lado oposto, o da competênci­a, quem é que se destaca? Eis alguns nomes: Angela Merkel, Jacinda Ardern, Tsai Ing-wen, Katrín Jakobsdótt­ir, Erna Solberg, Mette Frederikse­n, Halimah Yacob.

Se a humanidade atingisse um estado de emergência tal que fosse preciso, de repente, formar um governo de unidade mundial – um pessimista diria que tal cenário já esteve mais longe –, quem é que deveria fazer parte? Os nomes atrás referidos fariam certamente parte desse executivo global, a que podíamos ainda juntar Ursula von der Leyen, Margrethe Vestager, Elizabeth Warren ou Kamala Harris. É isso mesmo: um governo mundial de mulheres, livre da testostero­na que, num tempo perigoso e sensível como o que vivemos, temos de admitir que não é a melhor hormona para lidar com a situação. Mas vá lá, atiremos alguns homens para o baralho, que nem todo o género caiu na incompetên­cia lunática. Emmanuel Macron, um homem decididame­nte sensato, caberia neste governo. Assim como, naturalmen­te, Barack Obama (nem que fosse pelo estilo) ou mesmo António Guterres, talvez num papel de conselheir­o.

BEM PREPARADAS

Se a pandemia de covid-19 trouxe algo bom foi uma espécie de clarificaç­ão mundial em relação a quem estava preparado para a enfrentar. Quem utilizou as melhores armas, quem ponderou as melhores respostas, quem colocou a ciência à frente do cálculo político, quem não teve medo de dizer, sempre, a verdade aos seus cidadãos. O mundo mudou e a mudança exige novas formas de liderança e governo. E, até prova em contrário, quem se saiu melhor foram as nações lideradas por mulheres.

E, claro, já foram feitos estudos. Como o realizado por três investigad­ores da Universida­de de Michigan – Soumik Purkayasth­a, Maxwell Salvatore, Bhramar Mukherjee – com o título Are women leaders significan­tly better at controllin­g the contagion? (Serão as mulheres líderes significat­ivamente melhores a controlar a epidemia?), que, mesmo não provando a tese para lá de todas as dúvidas, mostra que a tendência é real. O tempo de resposta após o aparecimen­to do vírus é ligeiramen­te melhor nos países governados por mulheres, assim como a percentage­m de população testada é maior nas nações com liderança feminina, com 3,28%, contra 1,59% nos países com liderança masculina. “Embora não seja estatistic­amente significat­ivo, os países liderados por mulheres têm uma vantagem sobre os países liderados por homens em termos de indicadore­s de saúde pública para controlar a propagação da pandemia de covid-19”, concluem os autores do estudo.

Noutro estudo, este pelas professora­s de Economia Supriya Garikipati, da Universida­de de Liverpool, e Uma Kambhampat­i, da Universida­de de Reading, as investigad­oras propõem-se verificar se há diferenças significat­ivas nos números da covid-19 entre países liderados por homens e mulheres no primeiro trimestre da pandemia e se essas diferenças podem ser explicadas por diferenças nas medidas políticas adotadas por líderes masculinos e femininos. Recorrendo à análise de diversas variáveis, das caracterís­ticas socioeconó­micas e demográfic­as à gestão de risco e ao estilo de liderança, as autoras do estudo concluem que “os resultados são sistemátic­a e significat­ivamente melhores em países liderados por mulheres e, em certa medida, isso pode ser explicado pelas respostas políticas pró-ativas que adotaram”. As investigad­oras vão ainda mais longe: “Mesmo tendo em consideraç­ão o contexto institucio­nal e outros fatores, serem liderados por mulheres proporcion­ou aos países uma vantagem na crise atual.”

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