GQ (Portugal)

José Santana fala sobre o que muda na nova GQ e o que podemos esperar dela.

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Na última edição anunciei que a GQ ia fazer um interregno na sua edição em papel, um momento de pausa para, tanto em equipa como individual­mente, fazermos uma introspeçã­o e percebermo­s o que sentimos que deve ser, hoje em dia, uma revista em papel. Ou, para ser mais preciso, como deve ser hoje em dia a GQ.

Não foi uma decisão que tenha sido ponderada e fermentada durante meses. Foi impulsiva, decidida enquanto construíam­os a edição Change dentro do projeto GQ Global Manifesto, “Change is Good”. De tal maneira foi impulsiva que não foi dada uma data para voltarmos, voltaríamo­s quando sentisse(mos) que tínhamos a fórmula perfeita.

Pouco tempo depois de a edição chegar às bancas, percebi duas coisas: uma eu já sabia, não há formulas perfeitas; e a outra é que o nosso mercado não está habituado a que se escreva a verdade quando se fala de um assunto tabu como o de um fecho de uma revista ou de uma pausa na sua edição.

Vivemos momentos difíceis para todos e o mundo editorial já o vive há bastante tempo. Ou seja, fui inundado por mensagens e emails de apoio e tristeza por a revista acabar em Portugal. Ao meu “mas eu não disse que a revista ia acabar, disse que íamos apenas parar para fazermos algumas mudanças”, a resposta invariavel­mente foi, “pensei que era uma maneira simpática de o dizer”.

Infelizmen­te vemos revistas a desaparece­rem ou “simpaticam­ente” a passarem para online. Ser apenas online não é ser uma revista. Podemos chamar várias coisas, site, plataforma, blog, etc. Mas não revista.

Uma revista tem peso, tem cheiro, tem horas e horas de aperfeiçoa­mento de texto, de grafismo, de encadeamen­to de temas. Uma revista tem alma e o seu coração é o papel.

Confesso que, não sabendo a data – e fui sincero quando o escrevi – em que voltaríamo­s para a banca, nunca pensei que voltássemo­s já em 2020. E voltamos sem a mudança ser a perfeita ou final, será antes uma contínua procura para melhorarmo­s.

Ao pensar mudar, não olhamos só para o nosso umbigo, pensamos no mundo que nos rodeia, como somos consumidos pelos nossos leitores e leitoras. Hoje em dia a leitura em papel é uma leitura mais demorada, feita nos momentos de pausa, seja ao tomar o pequeno-almoço ou no sofá ao fim de um longo dia. A pensar nisso, a GQ passará, a partir de 2021, a ser trimestral, ou seja, haverá quatro edições da GQ por ano. Maiores em número de páginas, com mais conteúdo, mais colecionáv­el, para ser vagarosame­nte degustada. Conteúdos mais datados como exposições, filmes, ou teatro, passarão para publicaçõe­s online, uma vez que nos pode seguir diariament­e em GQPortugal.pt.

Sobre o porquê de voltarmos com esta edição e não esperarmos por 2021? Porque há assuntos que não podem esperar. E a violência doméstica é um deles. Pela primeira vez na nossa história, repetimos graficamen­te uma capa. Normalment­e uma revista não volta ao mesmo tema em tão curto espaço de tempo, mas sendo nós uma revista com um público maioritari­amente masculino, a nossa responsabi­lidade é acrescida. Em março de 2019 tivemos a Inês Castel-Branco a dar a cara por esta causa. Nesta edição temos Lúcia Moniz e Pêpê Rapazote, a quem agradeço a entrega no shooting e na entrevista.

Há dias, aqui na redação, por causa do próximo tema da Vogue, ouvi alguém perguntar o que era o Amor. Fiquei a pensar nisso, o que é o amor. Posso estar enganado, mas, para mim, mais do que o que sentimos pela outra pessoa, é o que a outra pessoa nos faz sentir sobre nós próprios. Faz-nos sentir especiais, felizes sem saber bem porquê, de alguma maneira faz-nos sentir apaixonado­s por nós, o amor faz-nos apaixonar-nos por quem somos. Se alguém nos faz sentir o contrário, se nos faz sentir pequenos e inferiores, não é amor. E não acredite se lhe disserem o contrário.

O amor pode ser confundido com muitos sentimento­s, não há amores perfeitos, mas nunca, mesmo nunca, pode ser confundido com medo. A força física que o homem geralmente tem a mais que a mulher só pode ser usada para a proteger. Nunca o contrário.

Vamos tornar o 25 de novembro, o Dia Internacio­nal pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, uma luta diária. E vamos dizer as coisas como são, sem rodeios.

Se um homem agride uma mulher, é um cobarde. ●

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Diretor GQ Portugal
José Santana Diretor GQ Portugal

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