Há por aí uns bonequinhos de outro mundo. Entrevistámos o seu autor.
E se, de repente, pequenas criaturas azuis surgissem em quadradinhos a fazer aquilo que nós fazemos, mas num outro planeta e com um vocabulário muito próprio? Provavelmente, estaríamos a olhar para Strange Planet.
Nathan W. Pyle pode ser um nome desconhecido da maioria dos leitores, mas a sua popularidade tem vindo a crescer consistentemente nos últimos tempos, mais precisamente desde que lançou Strange Planet, livro que, entre outras conquistas, se tornou #1 bestseller do New York Times.
Mas vamos por partes: Nathan era professor de Teologia no seu Ohio natal quando tomou uma decisão daquelas que mudam a vida e se mudou para a cidade de Nova Iorque. Foi ali que desenvolveu o talento com que hoje se mostra ao mundo. Podemos descrevê-lo como cartunista, mas é uma descrição curta que não sublinha a extraordinária capacidade que tem para conjugar as palavras com as imagens de uma maneira sensível, inteligente e com um humor raro, que muitas vezes se revela sem medo de parecer naïf – não dizemos que o seja, dizemos que não tem medo de parecer.
Em 2014, Nathan W. Pyle lançou NYC Basic Tips and Etiquette, que pode ser adquirido na Amazon, por exemplo. Porém, a sua notoriedade aumentou consideravelmente quando, no início de 2019, começou a publicar no Instagram e no Facebook quadradinhos de uma webcomic a que chamou Strange Planet. O sucesso foi quase imediato e a legião que o segue continua a aumentar dia após dia – 700 mil seguidores no Instagram; um milhão e 800 mil seguidores no Facebook – na expectativa de novos episódios na vida de adoráveis criaturas, os “seres” ou “beings”, que são azuis, são extraterrestres e são parecidíssimos connosco – exceto na maneira como se referem às coisas, recorrendo a uma terminologia e a expressões absolutamente deliciosas. Por exemplo, referem-se ao sol como “the star” (a estrela), aos filhos como “the offspring” (a descendência), ou aos animais de companhia como “creatures” (criaturas), sendo os gatos “vibrating creatures” (criaturas vibrantes).
Estes são apenas alguns exemplos de um mundo rico e vasto em maneiras de fazer referência às coisas, às pessoas, aos objetos e às atividades, que, de outra forma, seria em tudo idênticos ao que temos, vemos e fazemos aqui na Terra. A webcomic transformouem livro publicado pela Morrow Gift, editora da gigante Harper Collins, e o sucesso levou a que um segundo tomo, intitulado Stranger Planet, fosse editado este ano. Entretanto, os seus bonequinhos adoráveis transbordaram dos álbuns de comics para objetos como o Strange Planner (uma agenda) e Greetings From Strange Planet (uma coleção de postais). Strange Planet: Existence Chronicles tem lançamento previsto para breve.
Conversámos com o autor acerca das suas criações e da sua inspiração.
“Para muitos autores de webcomics como eu, disponibilizar dúzias de quadradinhos para uma vasta audiência é a melhor maneira de criar interesse no futuro livro”
De onde surgiu a ideia de fazer uma webcomic com estes adoráveis extraterrestres a fazerem aquilo que fazemos na Terra? Um dia, eu e a minha mulher estávamos a arrumar e a limpar o nosso pequeno apartamento porque íamos receber alguns amigos lá em casa, e notámos que estávamos essencialmente a esconder as nossas coisas em armários e cristaleiras. Esse episódio inspirou o primeiríssimo quadradinho de Strange Planet, no qual um casal de seres azuis diz aos amigos que os visitam “nós possuímos itens, mas escondemo-los”. A série nasceu nesse momento.
Como é que criaste esta maneira tão peculiar de falar? Os seres dizem “dano de estrela” em vez de “bronzeado”, e também dizem “imagina absurdos agradáveis” em vez de “bons sonhos” – procuro sempre que as expressões que eles usam tenham qualquer coisa de absurdo e, ao mesmo tempo, de aconchegante. [N. do R.: o efeito no inglês original é imensamente superior àquele que uma tradução permite.] Também procuro construir expressões que tenham um bom ritmo, porque acredito genuinamente que seria assim que um grupo de seres havia de conceber as suas expressões favoritas.
Estávamos habituados a extraterrestres verdes vindos de Marte. De onde vêm estes seres azuis e porque têm esta cor? Estes seres vivem num planeta muito próprio, num planeta só deles, que pode ser em qualquer lugar do universo. Eu acredito firmemente que devem existir por aí bastantes planetas pejados de seres, e que esses seres devem ter, muito provavelmente, as suas festas e os seus desportos, e sobremesas muito semelhantes às nossas, porém tudo de uma maneira única e exclusiva desses lugares e desses seres. Escolhi o azul porque pretendia que o seu mundo fosse muito luminoso e colorido, e gostei muito da maneira como os seres azuis resultavam em contraste com o cor-de-rosa, o púrpura ou o verde como pano de fundo.
“Eu acredito firmemente que devem existir por aí bastantes planetas pejados de seres, e que esses seres devem ter, muito provavelmente, as suas festas e os seus desportos”
É óbvio que as personagens principais de Strange Planet são creature beings. Imaginando que viviam na Terra, que tipo de seres seriam? Dog beings ou cat beings? Os seres possuem um leque de opiniões acerca de com que criaturas eles mais provavelmente criarão laços de amizade. Alguns até escolhem não fazer amizade com criatura alguma. Eles interagem frequentemente com “criaturas vibrantes” no planeta deles.
As situações retratadas refletem o quotidiano do cidadão comum (no mundo Ocidental, pelo menos). Inspiras-te em quê e em quem? Trata-se do teu próprio quotidiano? A maior parte dos quadradinhos foram escritos ao longo de dias a passear
pela cidade de Nova Iorque. Quando estás rodeado de pessoas, tens uma perceção de quão únicos, e extraordinários, e quão complexos os seres humanos realmente são. E sim, acabo por tender a fazer mais episódios acerca do que quer que seja que faça parta da minha experiência particular. Este ano, por exemplo, temos passado muito mais tempo com gatos, portanto eu tenho feito muitos mais comics com gatos.
Strange Planet, o teu 3.º livro, foi lançado em novembro de 2019, mas a série começou por ser lançada no Instagram, meses antes. Porquê esta estratégia? Para muitos autores de webcomics como eu, disponibilizar dúzias de quadradinhos para uma vasta audiência é a melhor maneira de criar interesse no futuro livro. Por isso, não só reunimos muitos dos melhores quadradinhos, como ainda adicionamos ao livro outros nunca antes vistos, o que acaba por tornar a revelação muito mais surpreendente e divertida.
Sempre sonhaste ser cartunista? Sei que eras professor de Teologia quando te mudaste para Nova Iorque. Porque o fizeste? Foste em perseguição de um sonho? Eu sempre adorei desenhar e mudei-me para Nova Iorque para prosseguir estudos em Escrita Criativa. Foi só quando me mudei para a cidade de Nova Iorque que passei a combinar os dois hobbies. E foi então que passei a dedicar-me aos comics a tempo inteiro. Tem sido a realização de um sonho poder escrever e desenhar e fazer disso profissão.
Falando de banda desenhada: quem são os criadores que mais te inspiram? Em miúdo, descobri na minha biblioteca local os livros do Gary Larson [N. do R.: cartunista criador de The Far Side, uma série de quadradinhos singulares que foi sindicada por publicações de todo o mundo]. The Far Side foi sempre a minha inspiração. Adoro a maneira como Larson olha para o mundo e acaba por virar tudo de cabeça para baixo com aconchego e encanto.
E, de entre as personagens, quais são as tuas favoritas e as que mais te marcaram? Há um quadradinho da The Far Side em que existem apenas duas pessoas presas numa minúscula ilha deserta e uma delas decide então começar a publicar um jornal para toda a ilha, e a manchete diz “NED IS A WHINER” (O Ned é um chorão). E eu adoro este tipo e o próprio Ned. É um comic tão bom, e é aquele da The Far Side que recordo com mais frequência. ●
“Procuro construir expressões que tenham um bom ritmo, porque acredito genuinamente que seria assim que um grupo de seres havia de conceber as suas expressões favoritas”