ESPECIA
O ano 2020 é um ano de mudança a duplicar para André Henriques. Vocalista, letrista e guitarrista dos Linda Martini, estreia-se a solo com o álbum Cajarana.
Acuriosidade leva a melhor e a primeira questão que surge na conversa com André Henriques é o porquê de, passados quase 20 anos de carreira com os Linda Martini, a estreia a solo surgir agora. Mais intrigados ficamos quando nos conta que “nunca tinha tido vontade de fazer um disco a solo” e que este disco não foi propriamente planeado. “O gosto surgiu em 2016, quando comecei a compor para outras pessoas. Mas só o ano passado é que houve oportunidade, quando fiquei com duas músicas de sobra da Cristina Branco, que não faziam sentido para os Linda Martini. Então pensei experimentar gravá-las sozinho.”
André quis arriscar e sair da sua zona de conforto e, para isso, decidiu não trazer nenhum dos colegas de banda para o processo de escrita. Processo esse que, conta, foi muito rápido. “Foi uma coisa completamente espontânea, feita em cima do joelho. Num espaço de dois meses tinha o álbum feito. Se não fosse assim, eu tinha-me arrependido a meio.”
Fala-nos, com um sorriso no rosto, sobre a felicidade que foi trabalhar com o produtor brasileiro Ricardo Dias Gomes, uma ajuda de que precisava para o empurrão inicial e o “terreno em comum” que encontraram. “Interessava-me alguém que não conhecesse Linda Martini, e ele não fazia ideia de quem era a banda. Criámos uma empatia no sentido em que gostamos os dois de envenenar canções. Envenenar num bom sentido, não é estragá-las, é encontrar o ângulo e torná-las algo diferente de tudo o que já se tenha ouvido.”
Tudo neste álbum foi rápido, mas André diz que aconteceu no tempo certo. “Nós [Linda Martini] estávamos a vir de um disco com o qual tocámos muito e não estávamos naquele momento a compor nada para a banda, então isso deu-me aquele espacinho de tempo. Acredito que as coisas aconteceram assim e aconteceram bem. Não me sinto nada arrependido por não o ter feito antes.” E que bom que aconteceu assim, pois o disco lançado em março trouxe alento para todo um conjunto de pessoas que se preparavam para o isolamento. “Recebi mensagens de pessoas a quem o disco disse muito e que as ajudou imenso naquele período, pois encontraram algum conforto ali.”
O título do álbum vem duma época de desconforto na infância que brinca com a sua descoberta de identidade própria e, na capa, está presente um autorretrato cego que fez. “Era o que fazia sentido para este álbum, pelo facto de ser espontâneo e não ter retoques. Queria que o disco fosse uma coisa crua, sem edições, porque no fundo isso é que é humano. O erro é muito produtivo nesta coisa da produção.”
As comparações com os Linda Martini são inevitáveis, mas conta-nos que está “tranquilo com isso porque acho que consegui atingir uma coisa diferente”. E, tal como no disco, nos seus concertos também nos deparamos com um espaço despido de pretensões – André explica sucintamente com “desmontámos o espetáculo”.
Caracteriza as suas novas músicas como “ideias de canções e o gosto por dar a nota ao lado”. “Quis encontrar um ângulo para transmitir de uma forma distinta a música.” O álbum já está disponível e em breve, a 10 dezembro, André toca no Capitólio, em Lisboa. Agora, feitas as apresentações, o próximo passo é ir ouvir e ver – um concerto é sempre um bom plano.
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