GQ (Portugal)

ANTES DE ELA DIZER QUE NÃ O

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Bárbara Tinoco compõe desde os 13 anos e aprendeu a tocar guitarra sozinha. Já tem no currículo experiênci­as no The Voice Portugal, no Festival da Canção e uma estreia em nome próprio, no Capitólio, em Lisboa, em 2019. O seu single de estreia, Antes Dela Dizer que Sim, tornou-se um sucesso imediato e ouve-se um pouco por todas as rádios nacionais. Com uma musicalida­de muito carateríst­ica, Bárbara promete ainda mal ter começado.

Qual é a tua primeira experiênci­a com a música? Como é que ela surge na tua vida? O meu avô tinha uma loja de instrument­os musicais que depois passou para o meu pai. Quando eu era pequenina e não havia escola por algum motivo, eu ia para a loja de música e costumava brincar com aquilo que ele me deixava. Eu sou neta de um cantor e de um poeta e, portanto, acho que estava escrito nas estrelas aquilo que me ia acontecer.

E a formação académica era algo importante para ti? Ou seja, sempre soubeste que ias estudar música? A formação académica era muito importante para os meus pais. Principalm­ente para o meu pai, [que sabe] quão difícil é ser músico e tinha medo que eu escolhesse essa vida para mim.

O que é que te levou a participar no The Voice? Aos 16 anos escrevi uma música, que depois acabou por ser o meu primeiro single, chamada Antes Dela Dizer que Sim. Na faculdade comecei a mostrar aos amigos e a ter uma reação muito positiva, diziam-me que gostavam muito da música. E então tive vontade de a mostrar a mais pessoas. Acabei por ir ao The Voice, mesmo sem ter muitas expectativ­as. O que queria perceber era se o caminho era por ali ou não, se era a carreira para mim.

Como é que te sentiste no momento em que percebes que não tinhas passado à fase seguinte? Mesmo antes de entrar no palco eu tinha dito ao meu vocal coach que não ia passar. Eu tinha esse feeling. A experiênci­a foi boa, foi muito estranho porque tens ali quatro pessoas à tua frente que vês na televisão e foi quase como um teste da escola. Eu nunca fui muito boa aluna, por isso estava destinada a falhar.

Sentiste que era muito arriscado cantar a Jolene? Eu sempre gostei de música country e cresci a ouvir folk. E músicas em que a letra é mais carismátic­a e tem um papel mais relevante. Quando me propuseram cantar country, que foi o que levei para aqueles primeiros castings, fiquei entusiasma­da e essa música era a mais conhecida. Acho que foi arriscado, não cantei aquilo muito bem e continuo a não cantar bem. Mas foi uma escolha que fiz.

E, olhando para trás, o que sentes que poderia ter sido diferente, se tivesses passado? Eu acho que tenho um início de carreira tão bom, é uma história tão boa e bonita para contar aos meus netos, que não mudava nada. Fico muito contente por ter sido assim e não de outra forma. Se tivesse sido diferente, gostava que tivesse acabado da mesma maneira.

Como é que surge depois disso a oportunida­de para gravares o teu primeiro single? Depois do The Voice, o meu manager mandou-me uma mensagem no Instagram. Começámos logo a trabalhar e mostrei-lhe todas as minhas canções. Ele gostou e ficou muito contente por eu já ter tantas músicas. Eu fiquei muito entusiasma­da. Gravámos o single, com pouco orçamento e muita vontade de todas as pessoas envolvidas. Depois lançámos para o mundo. Nas primeiras semanas tinha mil visualizaç­ões e depois, de um momento para o outro, toda a gente andava a cantá-la. Fiquei superconte­nte.

E a experiênci­a de ouvir, pela primeira vez, a tua música na rádio, como foi? É uma coisa engraçada porque essa é a única música que eu sinto que já não é mais minha. Quando eu a canto ou oiço sinto que é das pessoas. Claro que fui eu que a fiz, mas ela existe por causa das pessoas. Sinto que é um bocadinho de todos. Mas ao início não conseguia ouvir. Porque tinha aquela sensação de quando uma pessoa ouve a sua própria voz e não gosta. Foi quase um sonho que eu não sabia que tinha, aquele momento em que a rádio que eu ouvia quando viajava de carro com os meus pais de repente passa uma música tua.

Qual foi a sensação de seres convidada para gravar o Barco Negro, da Amália, para o disco de homenagem da Antena 1? Foi muito divertido. Eu quando faço versões tento afastar-me ao máximo da original. E a minha forma de pensar aquela música é diferente da forma da da Amália, porque eu não vivi aquele tempo e não sei o que é esperar numa praia pelo regresso do marido. Para mim isso é uma ideia romântica do passado.

“SOU NETA DEU M CANTOR E DEU M POETA E, PORTANTO, A CHOQUE ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS AQUILO QUE MEIA ACONTECER”

Sentiste uma pressão acrescida por ser uma música da Amália? Fado, para mim, é uma coisa que eu gosto de deixar para os outros que acho que o fazem melhor. Mas acho que, apesar de tudo, o fado de alguma maneira me chama e tenho sido convidada para fazer muitos projetos com o fado e já escrevi alguns para diferentes fadistas. Portanto, o fado anda a namorar-me e eu vou-me deixando engatar.

O que significou para ti fazer parte do Festival da Canção? Na minha casa, a família sentava-se a ver o Festival da Canção e, ao crescer, para mim o título era muito apelativo. Porque eu era uma pequena compositor­a sonhadora que escrevia canções no meu quarto. É difícil cantar músicas que não foram escritas por nós, porque é difícil criar uma ligação. E como a ironia é o meu recurso expressivo preferido e com o qual eu escrevo as minhas canções, achei também a música do Tiago Nacarato bastante irónica, fiquei com muita vontade de a interpreta­r e disse logo que sim. Trabalhei com uma pessoa bastante diferente de mim e que me fez crescer. E ficámos em segundo lugar, portanto fizemos um bom trabalho.

Fala-me sobre a música Se o Mundo Acabar e o que ela significou para ti no período da quarentena? No início da quarentena, mais ou menos quando foi decretado que havia uma pandemia, comecei a aperceber-me de que as notícias eram muito assustador­as. Escrevi a letra da canção nos dias que se seguiram e apercebi-me de que as notícias falavam mais de números do que de pessoas e foi um pouco essa a inspiração. Fiz o vídeo da música com ajuda de amigos, à distância, e com os recursos que eu tinha. É um dos vídeos de que eu mais me orgulho. É especial porque foi uma coisa do momento e gravado de uma só vez.

Como é que te sentes em relação à rapidez com que as coisas acontecera­m e com o sucesso que tens agora? No início sentia-me muito pouco pronta, foi um bocadinho assustador, tinha medo de compor porque sabia que agora toda a gente ia ouvir a minha música. Tinha medo de não soar bem ao vivo e sentia a pressão. Mas agora tenho uma equipa incrível que ajudou esta miúda desastrada a transforma­r-se numa coisa com potencial e na qual estou muito orgulhosa. Era um sonho que eu tinha vergonha de dizer que tinha, porque era muito difícil. Eu queria ser compositor­a, nem era cantora, queria estar no pano de fundo e oferecer as minhas canções, esse era o único sonho que eu tinha coragem para dizer em voz alta.

O que é que esperas para o teu futuro? Quero fazer muito mais coisas, muito mais músicas. Quero sair mais da minha zona de conforto e crescer. Ter espetáculo­s novos, quero fazer tudo. Acho que o desafio é o que eu faço a partir daqui, e que as pessoas continuem a ouvir a minha música e a associá-la a momentos da vida delas. É ser a banda sonora da vida das pessoas, tal como outros artistas são a banda sonora da minha. A minha música é toda sobre amor, mas espero também escrever sobre outras coisas.

“A IRONIA É O MEU RECURSO EXPRESSIVO PREFERIDO E COM O QUAL EU ESCREVO AS MINHAS CANÇÕES”

Já estás a trabalhar num álbum? Sim, já tem um nome. Este primeiro álbum é uma coleção de canções que fiz enquanto era mais nova. São todas escritas por mim e decidi que não queria misturar com outras músicas que fiz com outros artistas. É um álbum escrito no meu quarto.

E pensas numa carreira internacio­nal? Se alguma vez tiver uma carreira internacio­nal espero que seja por um projeto que fiz em português, porque acho que isso não é impossível. Também gosto de outras línguas, mas a língua em que eu penso e em que eu sinto é o português.

Que artistas segues? Quem são os teus ídolos? Eu oiço tudo e a minha playlist vai sempre mudando, estou sempre a ouvir coisas novas. Ao crescer ouvia muito Miguel Araújo, era uma das minhas maiores referência­s quando comecei a ouvir música portuguesa, adoro a forma como ele escreve. Eu sou mais pelas palavras, oiço música mais pelas palavras do que pela melodia.

A nossa nova edição tem o mote contra a violência doméstica. O que tens a dizer sobre o assunto? Há alguma campanha que te tenha marcado especialme­nte?

Toda a gente sabe como é que começou o nosso ano e não é preciso voltar a referir. Mas tenho a sorte de não conhecer ninguém nessa situação e não sei muito bem falar sobre isso, soa-me ridículo ainda existir e fazer parte da sociedade. Parabenizo a GQ por fazer uma revista à volta deste assunto. Sou muito nova e tenho medo de falar sobre este assunto, porque não quero dizer coisas erradas. O que posso dizer é que recebi muitas mensagens de mulheres que agradecera­m a música e que sentiram a canção e, se foi assim que consegui ajudar de alguma forma, ainda bem. E se puder continuar a ajudar mais, estando aqui na GQ a falar sobre isso, ainda bem. Não sei muito bem o que dizer, como é que se fala de coisas horríveis? É um tema que mexe muito comigo, não gosto muito de pensar sobre isso, já tentei escrever música sobre isso e, se conhecer alguém nessa situação, espero ter um coração que saiba não julgar e que saiba ajudar.

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