O ZX SPECTRUM VIVE PARA SEMPRE
O primeiro museu do mundo dedicado ao ZX Spectrum e ao fantástico universo do seu inventor, Clive Sinclair, nasceu em Cantanhede, obra de um engenheiro informático que já não tinha espaço para guardar a sua coleção pessoal.
Há 40 anos, mais coisa menos coisa, era esta a frase mais escrita num computador: Load “”. Load aspas aspas, seguida de Enter. Era assim que começava o processo de carregar, num mero gravador, um jogo guardado numa vulgar cassete de música, para o ZX Spectrum, uma longa espera que chegava a durar uns bons cinco minutos e que às vezes (demasiadas vezes…) falhava completamente. Tape loading error, a mensagem que ninguém queria ler depois de uma eternidade a carregar o Chuckie Egg, o Match Day, o Skool Daze, o Manic Miner, enquanto olhávamos para um ecrã de televisão às riscas e ouvíamos um ruído estridente.
O ZX Spectrum foi o primeiro computador que muitos, mas mesmo muitos, quarentões e cinquentões dos nossos dias possuíram. Durante a década de 80, a máquina criada pelo inventor britânico Clive Sinclair foi o mais popular computador pessoal, apresentado ao mundo a 3 de abril de 1982. O ZX Spectrum, que era na realidade um microcomputador, deixou de ser produzido em 1992, descontinuado, em linguagem empresarial contemporânea. Mas vive para sempre no coração de quem cresceu a jogar naquela maquineta de 8 bits com teclas de borracha. Como o de João Diogo Ramos, o colecionador que em outubro abriu, em plena pandemia e na improvável cidade de Cantanhede, o Museu Load ZX Spectrum.
Engenheiro informático de profissão, João Diogo resolveu partilhar com o mundo a sua coleção pessoal, que começou a reunir há mais de 10 anos. Este novo museólogo, que tinha 8 anos quando recebeu o seu primeiro Spectrum, concluiu que começava a faltar-lhe espaço para guardar todo o material que juntara ao longo do tempo. E daí até à ideia do museu o tempo passou num ápice.
“O meu objetivo era homenagear um objeto que foi tão importante para uma geração inteira”, conta à GQ. “Comecei a aperceber-me de que havia muitos mais objetos do que eu próprio pensava. Eu tinha as variantes de todas as placas, tinha computadores do Egito, da Argentina, de Portugal, de Inglaterra”, enumera, antes de explicar o que o levou a embarcar na sua aventura colecionadora: “Havia a curiosidade de tentar compreender melhor como apareceu o Spectrum, quem eram as pessoas por trás do computador, e isso levou-me ao Clive Sinclair, o inventor, que teve uma carrada de empresas e fez muitas outras coisas, de calculadoras a rádios e relógios. E assim comecei a colecionar tudo o que a marca Sinclair fez.”
O microcomputador criado pelo inventor britânico, que a 30 de julho último festejou 80 anos de vida, ficou em Portugal indelevelmente ligado à Timex, a marca de relógios norte-americana (ver caixa). “Se este museu tivesse nascido em Inglaterra chamar-se-ia Museu Sinclair. Cá, por causa da ligação à Timex, e não havendo nome melhor, decidi chamar-lhe Museu Load ZX Spectrum”, refere João Diogo Ramos.
O museu foi inaugurado a 17 de outubro passado, mas a sua génese já tem mais de um ano. “Na prática, já vem desde abril de 2019. Foi quando fizemos uma exposição temporária, chamada Load Aspas Aspas, no Museu da Pedra, em Cantanhede. O sucesso da exposição foi tal que durante oito meses passaram alguns milhares de pessoas por Cantanhede, até de outros países, da Polónia, do Brasil, de Inglaterra, de Espanha”, recorda João Diogo, que é natural da cidade do distrito de Coimbra, onde aliás reside.
“O MEU OBJET IVO ERA HOMENAGEAR UM OBJE TO QUE FOI TÃO IMPORTANTE PARA UMA GERAÇÃO INTEIRA”
João Diogo aproveitou o inesperado êxito e passou então à fase seguinte: a exposição temporária teria de se tornar um museu permanente e independente, para o qual contou mesmo com a ajuda de quem, há quase 40 anos, trabalhou para a Timex. “Se calhar, um museu dedicado à tecnologia teria mais interesse do que um simples museu do ZX Spectrum. Só que a relação de paixão que temos com o nosso primeiro computador, um bocadinho parecida com a que temos com o nosso clube de futebol, é uma relação especial.”
A aposta de João Diogo não podia ser mais certeira. “Passámos a barreira das 100 pessoas logo no primeiro mês. Se me dissessem antes que o museu ia ter visitantes todos os dias em pleno contexto de pandemia, numa altura em que não podem entrar mais de cinco pessoas de cada vez, eu não acreditaria. Aliás, eu digo aos meus amigos para não virem agora”, refere o engenheiro informático de 42 anos, a quem falta uma inauguração à séria: “Tenho tudo preparado para fazer uma festa de inauguração de arromba, com convidados e jornalistas do estrangeiro, mas com a pandemia não dá. Vamos ter de esperar.”
E o que pode o visitante encontrar no Museu Load ZX Spectrum, que resulta de uma parceria com o município de Cantanhede? “É um museu que homenageia também o empreendedorismo, o empreendedorismo de quem criou os primeiros computadores, que os colocou nas nossas casas”, diz João Diogo Ramos.
A visita começa numa secção dedicada à vida de Clive Sinclair. O que fez o inventor britânico para além do ZX Spectrum, os livros que publicou, os sistemas de alta fidelidade que lançou, os rádios, as calculadoras. A seguir, ficamos a saber como funcionam os computadores, como são os seus processadores. “As pessoas saem de lá a saber três ou quatro coisas como, por exemplo, porque é que o Spectrum foi um sucesso e era tão barato? A resposta: porque aproveitou duas coisas que tínhamos em casa: o gravador de cassetes e a televisão”, explica o criador do museu.
Temos também direito a uma sala decorada como se fossem os anos 80, onde não falta sequer o malfadado quadro do menino com a lágrima, e uma sala com carteiras de escola antigas, cada uma com dois ZX Spectrum, onde os visitantes podem jogar. Seja pela primeira vez, seja para viajar até à infância.
A saída do museu ficou dedicada à mobilidade elétrica. “Em 1985, o Clive Sinclair lançou um triciclo elétrico, o C5, que custou 7 milhões de libras a fazer e foi um fiasco comercial. Mas tornou-se um objeto de culto, um exemplo de uma ideia que acabou por vingar. E quem é que fez o chassis do C5? A Lotus. E quem andava com um triciclo daqueles? O Ayrton Senna, nas boxes da Fórmula 1”, conta João Diogo com prazer. E o museu tem, naturalmente, um exemplar. ●