HPIOGWHEERR
Numa viagem pelas montanhas dos Himalaias, onde os humanos vivem ao lado de uma das criaturas mais difíceis de encontrar do mundo, descobrimos as vantagens da conservação no empoderamento de grupos locais.
Oque é que devemos fazer quanto à condição de um animal? Se uma criatura é difícil de encontrar no seu habitat, será essa a forma que a natureza arranjou de erguer um cartaz a dizer “não incomodar”? Quando o animal vive num ecossistema frágil ameaçado pela atividade humana, será ético ir até lá, mesmo quando o turismo pode impulsionar a conservação do local? Quando olhei para os Himalaias a partir da janela do avião que sobrevoava Leh, na região de Ladakh, no extremo Norte da Índia, dei por mim a matutar nestas questões. Estava a ponto de participar numa viagem – uma expedição, na nomenclatura preferida das viagens de aventura – que tinha por objetivo avistar um animal cujo difícil avistamento se tornou o seu epíteto. Há o leão corajoso, a raposa astuta e o esquivo leopardo da neve.
Ao meu lado estava um jovem monge budista a dormir uma sesta em vestes cor de vinho e com um boné de basebol vermelho de aba plana que dizia “DOPE” em maiúsculas na parte da frente. Por baixo de nós, picos negros e pontiagudos cortavam os campos de neve ondulantes, as montanhas eram tão gigantescas que os picos pareciam ficar mesmo por baixo da barriga do avião. Há 15 anos, no verão depois de me licenciar, um amigo e eu apanhámos um autocarro durante quase mil quilómetros e fomos de Deli a Leh, um antigo centro da Rota da Seda e do budismo tibetano. Depois de três dias precários de curvas fechadas, deslizamentos de pedras e passagens que chegavam aos 5 mil metros de altitude, chegámos a meio de uma noite estrelada e acordámos num oásis verde espalhado pelo chão de um vale amplo e austero. Choupos cintilantes e bandeiras de oração tremulantes cercavam a nossa guesthouse. Antigos mosteiros empoleiravam-se em afloramentos rochosos por cima do rio Indo. Um lugar para o qual eu queria voltar antes mesmo de abandonar.
E agora estava a voltar no inverno. Era fevereiro, nas últimas semanas do que agora reconhecemos como beforetimes, quando a Covid-19 ainda não tinha estourado globalmente. Em Leh, as casas de estilo tibetano, os cães de rua deambulantes e as velhotas a vender montes de damascos secos ainda estavam lá, mas a maioria das lojas e dos restaurantes estavam fechados. Ao amanhecer, pela janela do hotel Grand Dragon Ladakh, as montanhas brilhavam num azul cor de gelo. Os leopardos das neves andavam lá por cima, a tratar das suas vidas. Parte da esquiva destes felinos é atribuída à sua agilidade em grandes altitudes e à sua tolerância a condições adversas. Outros fatores incluem o seu pequeno número e a distribuição dispersa: a população global da espécie é estimada entre 3.500 e 7.000 indivíduos espalhados por 12 países. O meu destino final era o Parque Nacional de Hemis, o maior da Índia, com 4.400 km quadrados, e habitat de cerca de 40 leopardos da neve – uma das concentrações mais densas do mundo, mas mesmo assim com apenas 40 agulhas num palheiro muito grande, alto e frio.
No voo, li o livro de Peter Matthiessen de 1978, The Snow Leopard. Nele, o autor narra uma difícil expedição pelo remoto Nepal com o naturalista George Schaller, que está a investigar a presa favorita dos leopardos da neve, a ágil ovelha azul (semelhante a uma cabra). Schaller avista um leopardo da neve, mas em dois meses inteiros Matthiessen vê apenas rastos e excrementos e os restos das suas matanças. Enquanto zen-budista dedicado, decide que não viu um leopardo da neve porque, na verdade, não estava pronto para tal. “[Saber] Que o leopardo da neve existe”, escreveu ele, “que está aqui, que os seus olhos gelados nos observam da montanha – é suficiente.”
Seria isso suficiente para mim? Estava errada por querer tentar realmente o avistamento? “Seguir o leopardo da neve é um ritual”, diz Behzad Larry, o fundador da Voygr Expeditions. Depois de um dia e uma noite quase inertes para nos ambientarmos à elevação de 3.500 metros da cidade de Leh, escalámos os muitos degraus do mosteiro do século XV, Thiksey, a caminho das orações matinais. “E vermos aquela cerimónia antiga realizada no coração do país dos leopardos da neve exatamente como vem sendo feita desde há milhares de anos traz-nos uma espécie de paz.” Behzad, que nasceu na Índia e foi educado nos Estados Unidos, tem cerca de 30 anos, uma barba escura e espessa e uma tez castanho-clara que, segundo ele, o ajuda a integrar-se em grande parte do mundo. Fotógrafo talentoso, trabalhou para organizações sem fins lucrativos na Ásia e em África antes de se tornar um ambicioso empresário de viagens direcionado para a conservação.
Questionei-o acerca de uns rumores que ouvi sobre operadoras de turismo que se envolviam em práticas antiéticas – atrair leopardos da neve para perto de aldeias com uma cabra ou um iaque bebé de forma a garantir um avistamento para os hóspedes. Behzad recuou, indicando o facto de que ensinar leopardos da neve a procurarem comida nas aldeias fomentaria o conflito humano-animal, colocando a espécie ainda mais em perigo. A sua missão, como ele a entende, é mais holística do que apenas ajudar os clientes com as suas listas de desejos. “Temos de ser um projeto social”, disse ele. “É fundamental que mais pessoas venham, porque cada dólar que vai para a comunidade está a reforçar a preservação dos leopardos da neve.”
No mosteiro, chegámos a uma varanda alta sob um céu frio cor de safira. A fumaça de lenha obscurecia o vale, em baixo. O nosso grupo incluía um pai e uma filha búlgaros, ambos dermatologistas, e uma inglesa aposentada que, tal como a búlgara mais velha, perseguia a sua paixão pela fotografia de vida selvagem à volta do mundo. Dois monges de chapéus amarelos com cristas sopravam em conchas para convocar a as
sembleia matinal, paravam para conversar e sopravam novamente. Monges novatos, ainda crianças, perambulavam pela entrada do salão de orações, batendo os ombros uns contra os outros enquanto deslizavam nos ladrilhos de mármore.
Na sala de orações, debaixo de vigas pintadas e cortinas de seda, os monges começaram os cânticos. Um novato bateu num tambor. Num sussurro, Behzad repetiu Matthiessen: “Entender que poderás ver o leopardo das neves ou não – deixar-se ir e observar – isso é que é verdadeiramente budista.” Mas tal fatalismo, por mais admirável que seja, pode não ser vendável para uma operadora de turismo, e em cinco anos de oferta desses passeios, a Voygr Expeditions manteve uma sequência perfeita de observações. O segredo tem sido a colaboração enérgica com os melhores observadores: ladakhianos nascidos e criados dentro do Parque Nacional de Hemis, que têm uma visão excecional, persistência inflexível e um desejo fervoroso de salvar o leopardo da neve.
O ACAMPAMENTO
Para chegar ao acampamento da Voygr em Hemis, viajámos durante uma hora num miniautocarro, com a foto do Dalai Lama a balouçar no espelho retrovisor, depois caminhámos cinco quilómetros montanha acima por um desfiladeiro sinuoso, a bufar atrás de póneis de carga que transportavam a nossa bagagem. Um rio congelado corria ao lado do trilho, mas a neve era escassa. O acampamento estava situado numa faixa inclinada de terra compacta perto da junção de três vales, imediatamente abaixo da aldeia de Rumbak, com nove famílias de habitantes, e logo acima do campo de cevada onde os observadores se instalam todos os dias. Havia uma cúpula geodésica para o jantar e fileiras organizadas de tendas com sinos para os hóspedes, bandeiras de oração penduradas nos seus picos, todas com aquecedores e sacos-cama resistentes para as noites de temperaturas de um dígito. Outras tendas albergavam os funcionários e a cozinha, onde três cozinheiros de expedição nepaleses faziam três refeições por dia usando apenas alguns fogareiros a gás. A casa de banho era, digamos, rudimentar, mas tinha a vantagem de gerar fertilizantes muito apreciados pelos fazendeiros locais. No fim da estação, todo o acampamento tinha de ser acondicionado e transportado por cavalos novamente.
Depois do almoço, quando o sol e a temperatura baixaram, fomos todos até ao campo de cevada, conhecido como Campo dos Sonhos. Os leopardos das neves são crepusculares, mais ativos ao amanhecer e ao anoitecer e, por isso, embora os observadores mantivessem a vigilância durante todo o dia, todos os outros se juntaram à vigília nas horas mais prováveis, por volta das 16h, até que a escuridão ou o frio nos levassem de volta ao acampamento para beber cidra quente com rum. Todos os observadores da Voygr estavam lá, ao lado de guias particulares contratados por pessoas acampadas nas proximidades ou que se hospedavam em casas de família nas aldeias. Os observadores mais jovens usavam ténis e fato de treino; os mais velhos preferiam calças camufladas e casacos almofadados. A maioria cresceu em Hemis. Eles brincavam enquanto se inclinavam sobre poderosos telescópios Swarovski montados em tripés, a examinar as cordilheiras.
Espiando através do binóculo, rapidamente percebi que, a não ser por pura sorte, ninguém, exceto os observadores, encontraria um leopardo da neve, ou shan, em Ladakhi. (O próprio Behzad já não via um há cinco anos.) A paisagem era avassaladora e tudo o que vivia nela, predador e presa, era adaptado por motivos de camuflagem. Uma encosta poeirenta a meia distância, vazia a olho nu, pode abrigar várias dezenas de ovelhas azuis enquanto pastam. Os observadores chamavam-me e eu olhava através dos seus telescópios e via ao longe, em detalhes nítidos, uma lebre peluda, uma águia dourada ou um galo de neve dos Himalaias parecido com uma perdiz. Uma noite, o círculo da luneta apanhou dois lobos tibetanos a quilómetros de distância, pontos distantes a pular e saltar na neve, as suas caudas espessas a captar a última luz da noite.
VIGIAR E GERIR
Dois dos observadores da Voygr, Khenrab Phuntsog e Smanla Tsering, receberam deferência especial. São ambos homens de voz calma, com cerca de 40 anos, que nasceram em aldeias dentro de Hemis; juntos, sem dúvida viram mais leopardos da neve do que qualquer pessoa no mundo. Há 20 anos, acabados de sair da escola, venceram 2.000 outros candidatos num teste escrito e depois numa meia maratona em altitude para conseguir empregos como guardas da vida selvagem – parte integrante do governo de Hemis. De repente, viram-se com a responsabilidade quase exclusiva de controlar todos os animais numa área enorme e acidentada que também continha 21 aldeias. Os habitantes tinham sido realojados vindos de outros parques nacionais da Índia, mas Khenrab e Smanla viram uma oportunidade. “O Hemis Park é um lugar especial porque temos humanos e animais que vivem juntos, coexistem”, disse Khenrab. “Os conflitos acontecem porque os leopardos da neve às vezes matam gado, então trabalhamos para reduzir o conflito. E temos de educar as pessoas para a importância destes animais para a sua ecologia e equilíbrio.” Os guardas viam os seus companheiros aldeões como potenciais deputados – eles tinham apenas de persuadir os fazendeiros e os pastores de que os leopardos da neve não eram pragas assassinas de gado, mas agentes de oportunidades económicas.
O primeiro passo foi encorajar as famílias a deixar de parte um quarto que pudesse ser alugado para o turismo de leopardos da neve no inverno e para trekkers no verão. Quando o pedido atingiu uma taxa de adesão satisfatória, seguiram-se mais homestays e foi estabelecido um sistema de rotação para garantir que as famílias se organizavam em turnos. Isso gerou empregos para guias e observadores, e toda uma economia secundária para os moradores locais: administrar cavalos de carga, alugar campos para acampamentos, vender artesanato e gerir um café administrado por mulheres no verão. Khenrab e Smanla também aumentaram as taxas diárias do parque e limitaram os visitantes a 50 por dia. A maior parte do aumento da taxa foi direcionada para fundos comunitários partilhados entre os residentes de Hemis, como rendimento direto e como financiamento para projetos de melhoria, tal como cercas para desencorajar ovelhas azuis de comer plantações, currais à prova de predadores para reduzir a predação do leopardo da neve e projetos solares.
Fora do parque, o turismo é regulamentado com menos cuidado e é mais provável que ocorram abusos. Ocasionalmente, surgem tumultos quando uma aldeia decide que a aldeia vizinha está a usufruir mais da receita para o turismo e promulga medidas retaliatórias, como bloqueios de estradas e taxas de acesso. A equidade cuidadosa do modelo Hemis foi projetada para evitar tais disputas e respeitar o ecossistema humano dentro do natural. Como partes interessadas num sistema coletivo, as aldeias são tidas como aliadas, em vez de rivais.
Preservar um modo de vida não significa ficar congelado no tempo. A única mulher na nossa equipa do acampamento, Rigzin
Chosdon, cresceu numa aldeia de Hemis, mas estava agora a frequentar um mestrado em economia na cidade de Jammu, em Caxemira, depois de se formar na principal escola de montanhismo da Índia. Tinha regressado a casa para trabalhar para a Voygr durante as férias de inverno. A irmã era estudante de Matemática em Deli. Ambas esperavam voltar a viver em Ladakh.
Enquanto Khenrab e Smanla construíam o seu programa de conservação-base, também realizavam pesquisas populacionais, resgatavam gatos feridos, rastreavam leopardos da neve para os cineastas de Planeta Terra II [minissérie documental de David Attenborough] e treinavam todos os observadores em Ladakh. Hoje em dia, se um leopardo da neve aparece numa aldeia, não disparam sobre ele – chamam Khenrab e Smanla. “Eles trabalharam durante 20 anos para convencer os moradores de que os leopardos da neve são seus amigos”, disse Behzad. “Se eles não tivessem feito isso, eu não estaria aqui. É impossível para um não ladakhiano vir aqui e fazer isto. Mas, usando as bases que eles construíram, agora posso progredir.”
ORAÇÃO E NATUREZA
Uma tarde, o nosso grupo caminhou até Rumbak, passando por duas crianças que desciam o rio congelado em caixas de papelão achatadas. Behzad disse que o homem cujos póneis carregaram a nossa bagagem era o avô deles, e nós vimo-lo mais à frente no vale, a perseguir um cavalo indomável. Uma velhota com vestes cor de vinho caminhava no sentido dos ponteiros do relógio à volta de um muro baixo feito de pedras esculpidas com o mantra da compaixão em sânscrito: om mani padme hum. Ela trauteava as sílabas para si mesma enquanto caminhava. Às vezes, também ouvia observadores em oração, enquanto carregavam as suas miras pelos trilhos.
Behzad observou que a religião local era útil para a conservação, que as pessoas encaravam o leopardo da neve em termos cármicos. “Uma vez que é um ser senciente e as pessoas rezam por todos os seres sencientes – é mesmo certo matá-lo?” disse ele. “Tu encontras pessoas que se autodenominam conservacionistas que nunca se sacrificaram. Pois sem sacrifício não há conservação. Aqui, as pessoas vão dizer que é isso que temos de fazer.”
Numa casa em Rumbak, sentámo-nos em plataformas forradas a tapete à volta de um fogão central para comer biscoitos e beber chá com manteiga e uma cerveja fraca e ácida de cevada chamada chang. Perguntei à nossa anfitriã através de um tradutor se ela achava estranho que as pessoas viessem de tão longe para ver o leopardo da neve. Ela franziu a testa e balançou a cabeça. “Não”, retransmitiu o tradutor. “Às vezes as pessoas voltam para os seus países sem avistar um leopardo da neve, e isso fá-la sentir-se um pouco nervosa. As pessoas sentem-se felizes quando veem o leopardo da neve. Ela costumava ter medo que o animal matasse as suas cabras e ovelhas. Agora, ela sente-se muito feliz quando as pessoas o avistam, porque consegue um bom rendimento.” Depois mostrou-nos algumas estatuetas de lã feltrada que ela tinha feito, de leopardos da neve, iaques e íbex. Todos nos aproximámos, ansiosos para comprar.
LEOPARDO! LEOPARDO!
No terceiro dia de manhã, quando eu estava sentada a beber café na cúpula do jantar, os rádios do acampamento ganharam vida. “Shan! Shan!” Eu corri até ao Campo dos Sonhos tão rápido quanto aquele oxigénio limitado me permitiu. Disse a mim mesma que não estava numa missão, mas era impossível não me sentir arrebatada pela procura. Um observador apontou-me para a sua mira. Lá estava ele: um leopardo da neve, em escalada e sem esforço aparente, cuja ponta da cauda extravagante apresentava um caracol elegante. No cume, imobilizou-se contra o céu e examinou as encostas abaixo antes de chegar ao topo e desaparecer. Para minha surpresa, descobri que estava a chorar. Senti-me como se tivesse acabado de ver um eclipse solar: maravilhada com a autonomia da natureza, reduzida à minha insignificância, mas de certa forma também expandida.
A atmosfera no Campo dos Sonhos era como o Mission Control depois de um lançamento bem-sucedido: muitas palmadinhas nas costas e sorrisos aliviados e conversas tolas. Behzad abriu uma garrafa de champanhe ao pequeno almoço.
Num mundo ideal – um mundo justo – criaturas selvagens, tal como os eclipses solares, existiriam fora das economias humanas e do nosso alcance. Mas a realidade é que, no nosso planeta cada vez mais populoso e afetado pelas alterações climáticas, tudo encontra um valor. “Neste momento, o leopardo da neve e todos esses ecossistemas estão a ser conservados porque os moradores ligam as suas economias ao animal”, disse Behzad. “Esse equilíbrio só funciona com turistas.” A pandemia alterou esse equilíbrio; enquanto antes a preocupação era que pudesse haver muitos visitantes, agora há poucos. Se os aldeões sofrem com a repentina falta de receita que vinha do turismo, os leopardos das neves também sofrem. E isso acontece com mais que uma espécie. Como estes animais requerem grandes extensões de habitat selvagem para sobreviver e, como superpredadores, regulam as populações das espécies de que se alimentam, eles podem ser considerados uma espécie “guarda-chuva”: isto é, um animal de cuja preservação depende a manutenção da integridade de todo um ecossistema.
“Tenho esperança”, disse Behzad. “Eu não estaria aqui com todos os desafios e problemas que enfrento se não visse alguma luz ao fundo do túnel. Mas é necessário que desenvolvamos rapidamente estes bolsões, de forma a manter estes ecossistemas relativamente intocados.” Por isso, tenta aplicar as lições positivas do modelo de turismo do Hemis a outros países da Ásia Central onde vivem os leopardos da neve, começando pelo Quirguistão. Ele imagina uma espécie de escola internacional de guardas-florestais em Hemis, onde os futuros Khenrabs e Smanlas podem aprender com os mestres. Como estes homens demonstraram, alguns indivíduos podem precipitar uma grande mudança, mas a situação é urgente. “Uma das coisas que me motivam é a falta de tempo”, disse Behzad. “Não temos mais tempo. Ser capaz de ver os leopardos da neve para sempre, essa é a definição de sucesso.”
No dia seguinte ao nosso primeiro avistamento, um observador encontrou uma mãe e dois filhotes a descansar no alto de uma encosta. Encontrámos uma posição ao longo do vale num planalto coberto de neve, e observámos durante horas através de miras os gatos que esticavam, preguiçosos, as patas e caudas. À medida que a tarde ia passando e o frio começava, os filhotes inquietos discutiam. Os fotógrafos, devido à luz fraca, voltaram para o acampamento, mas eu fiquei durante mais algum tempo com os guias e observadores. Esses veteranos de incontáveis avistamentos de leopardos das neves ainda se engasgavam de excitação enquanto os filhotes se perseguiam uns aos outros pelos cumes e se escondiam atrás de tufos de vegetação, treinando a sua perseguição e ataque – fofos e majestosos ao mesmo tempo. “Este é um dos grandes avistamentos”, disse Smanla. “Ver filhotes a brincar...” Abanou a cabeça, sem palavras.
No crepúsculo, a família transformou-se em silhuetas ténues, desaparecendo, como é próprio dos leopardos das neves. Segui Behzad de volta ao acampamento com os nossos iPhones a iluminar o caminho. Peter Matthiessen estava certo ao dizer que basta que o leopardo da neve exista. Ver um é mais que suficiente, uma maré de boa sorte. Ver o que eu vi foi uma abundância impensável. Enquanto eu descia o vale, os filhotes ainda saltavam e perseguiam-se na minha memória. Sabemos que o leopardo das neves é vulnerável, mas o leopardo das neves não sabe nada disso. O leopardo das neves só sabe que nasceu para andar no topo das montanhas.
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