Insanamente caros
SÃO O QUE O TÍTULO SUGERE RELÓGIOS CUJO PREÇO ULTRAPASSA LARGAMENTE OS LIMITES DO RAZOÁVEL MAS NÃO SERÁ TAMBÉM POR ISSO QUE SÃO TÃO COBIÇADOS?
Élegítimo que nos questionemos, quando contemplamos objetos de alta relojoaria, por que razão os relógios são tão caros. A explicação, tal como o movimento de um relógio, tem vários componentes. Há os mais técnicos – a elevada precisão de um movimento, o modo artesanal como é feito, as técnicas que, fundindo o melhor da tradição com as tecnologias mais sofisticadas, resultam em mecanismos quase perfeitos, a qualidade e a nobreza dos materiais utilizados (por exemplo, a Rolex tem a sua própria fundição para que até o ouro usado nas peças seja exclusivo) –, mas também os há de um âmbito, digamos, mais emocional.
A marca que alguém procura surge mais do desejo individual, da aspiração, do que da precisão técnica, se considerarmos que quase todos os relógios, a partir de um valor indeterminado mas necessariamente elevado, são nada menos que excelentes. Um relógio é muito mais do que a sua função de marcar o tempo e mostrar as horas; um objeto de alta relojoaria é uma afirmação pública.
É, por isso, lógico que um dos componentes que influem na escolha de um relógio seja a exclusividade alimentada pelo nosso instinto pecaminoso para ostentar – quem não quer ter aquilo que nenhum semelhante pode possuir? A exclusividade também se mede em euros (e em libras, e em dólares, e em rublos, e cada vez mais em yuans): quanto mais caro for o objeto, menos pessoas o podem comprar. É, por isso, lógico que um relógio de luxo se apresente ao mundo como o mundo o deseja: caro (ou muito caro, ou até absurdamente caro).
MILLIONS AND MILLIONS: ABSURDAMENTE CAROS
Deixando de lado as peças exuberantes cravejadas de diamantes, como o Graff Diamonds Hallucination
– uma alucinação de 110 carats de diamantes que ascende aos 50 milhões de euros –, e investindo somente nos relógios de pulso – para o bolso, um bolso bem fundo, diga-se, teremos sempre o Breguet Grande Complication Marie-Antoinette, por mais de 25 milhões de euros –, fomos em busca dos relógios que custam literalmente milhões de euros. Sim, eles existem.
PAUL NEWMAN’S ROLEX DAYTONA
O Daytona de Newman é um relógio sem paralelo. O facto de ser um Rolex, naturalmente, eleva-o de imediato à condição de luxo, porém, toda a história e todo o trajeto desta máquina magnífica acabaram por valorizá-lo muito para além do seu valor de mercado. Curiosamente, Paul Newman não pagou nem recebeu um cêntimo por ele. O Rolex Daytona mais famoso do mundo foi oferecido ao ator pela mulher, Joanne Woodward, contendo na caixa a inscrição “drive carefully” ( conduz com cuidado), já que Newman, protagonista de 500 Milhas, era um fanático das corridas de automóveis. O ator haveria de oferecer o relógio a um namorado da filha. O “Daytona de Newman” acabou por ser vendido em leilão por 13,5 milhões de libras (quase 15 milhões de euros). Esse montante chegaria para comprar 9 mil Rolex Daytona de 2017.
PATEK PHILIPPE GRANDMASTER CHIME
O Grandmaster Chime ficou famoso em 2019 quando, também em leilão, destronou o Rolex Daytona de Paul Newman, até então o relógio de pulso mais caro alguma vez licitado. Quando, em Genebra, o martelo
do pregoeiro bateu pela última vez, o valor da última licitação do Grandmaster Chime era de 26,6 milhões de euros. Esta obra de arte distingue-se por vários motivos. Talvez o que mais salta à vista seja o facto de ter dois mostradores, um na frente, como seria de esperar, e outro no verso. Este Patek Philippe apresenta mais de 20 funções que requerem 1.366 componentes de movimento e 214 joias. Já agora, um outro Patek Philippe (Ref. 1516 In Steel) foi vendido por 11 milhões de francos suíços (9,83 milhões de euros). Um bocadinho abaixo na escala de “querida, perdi a cabeça” surge o modelo Ref. 1527, construído em 1943, com um preço de 4,86 milhões euros. Este modelo tem a particularidade de se apresentar como um relógio tradicional, quase discreto. Olhando para ele, parece perfeitamente inofensivo.
VACHERON CONSTANTIN TOUR DE I’ILE
A casa responsável por um dos mais caros, sofisticados e complicados relógios do mundo (o 57260, que só não entra nesta escolha por se tratar de um relógio de bolso) junta-se a esta lista com o modelo comemorativo dos 250 anos da marca. Com mostradores na frente e no verso, o Tour de l’Ile era, aquando do lançamento, em 2005, o relógio de pulso mais complicado do mundo. Tem turbilhão e, entre as complicações, destacam-se a repetição de minutos, o calendário perpétuo, as horas do nascer e do pôr do sol e as fases da Lua. O preço? Um milhão e 280 mil euros.
LOUIS MOINET METEORIS
Acreditamos que é aqui que se encontra o epítome do luxo sob a perspetiva da exclusividade. O Meteoris não é um relógio, é um conjunto de quatro relógios. E só existem esses quatro relógios, não há mais. Cada peça – chamemos-lhes peças, já que se trata de uma elevação da alta relojoaria à expressão artística – contém um elemento-ingrediente recolhido no espaço sideral. Ou seja, não bastava que se tratasse de quatro turbilhões de uma das mais conceituadas casas da história da relojoaria (inventores do cronógrafo e pioneiros da cronometragem): os Tourbillon Mars, Tourbillon Rosetta Stone, Tourbillon Asteroid e Tourbillon Moon contêm, respetivamente, um pedaço do meteorito Jiddat al Harasis 479 (provavelmente vindo de Marte), um fragmento do meteorito Sahara 99555 (possivelmente oriundo de Mercúrio), um bocadinho do misterioso meteorito Itqiy e uma amostra do Dhofar 459, caído da Lua. Cada bocadinho do universo custa 1 milhão de euros.
FRANCK MULLER AETERNITAS MEGA 4
Complicações e complicações e mais complicações, estamos sempre a falar delas quando o assunto são os relógios mais caros de todos. É normal, a quantidade de complicações que um objeto ostenta é algo que o valoriza em relação aos demais. O caso do Aeternitas Mega 4 da Franck Muller é um excelente exemplo. O preço de etiqueta de 2,3 milhões de euros deve-se em boa parte ao facto de ter 36 complicações, 25 delas visíveis, o que fez dele o relógio de pulso com mais complicações do mundo. O desafio da casa suíça de Genthod, perto de Genebra, foi conseguir enfiar todas as complicações num relógio que era mesmo para ser usado no pulso. Foram cinco anos de trabalho até conseguirem, mas valeu a pena: o modelo tem inclusivamente o turbilhão à mostra.
LANGE & SÖHNE GRAND COMPLICATION
A grande manufatura alemã deu ao mundo aquela que pode ser vista como a sua obra-prima em 2013: o Grand Complication, uma peça em ouro rosa. Como o nome indica, é um objeto altamente complexo e repleto de complicações constituídas por 876 componentes. A quantidade de componentes pode ajudar a explicar a dimensão generosa da caixa, que tem 55 mm de diâmetro. Custa, hoje em dia, cerca de 2,2 milhões de euros e não é só por ser um pináculo da elegância e do bom gosto. Acontece que só foram fabricados seis exemplares.
JAEGER-LECOULTRE HYBRIS MECHANICA GRANDE SONNERIE
Definitivamente, um relógio para o qual queremos olhar, não tanto para ver as horas, mas para nos perdermos no intrincado movimento e mostrador. Complexo sob qualquer perspetiva – chegou, inclusivamente, a ser o relógio mais complicado do mundo, com as suas 26 complicações (16 das quais visíveis) –, inspira à descoberta. Dá vontade de nos perdermos neste elegante labirinto e ir descobrindo aos poucos o que significa e o que nos diz. Esta magnífica peça da Jaeger-LeCoultre pede que a decifrem. O nome Grande Sonnerie tem a ver com os três tipos de som que o relógio produz. Custa cerca de 2,13 milhões de euros.
GREUBEL FORSEY ART PIECE 1
É a peça menos extravagantemente cara desta escolha, mas nem por isso é menos bela e enigmática. Talvez seja mesmo a mais abertamente artística, ao ponto de incluir uma nanoescultura do artista Willard Wigan. Um dos enigmas do relógio consiste mesmo no sítio onde se encontra a tal escultura. Outro, não menos enigmático, desafia-nos a descobrir como se veem as horas. O preço deste modelo ronda 1,3 milhões de euros. ●
Um relógio é muito mais do que a sua função de marcar o tempo e mostrar as horas; um objeto de alta relojoaria é uma afirmação pública