GQ (Portugal)

Made in China

NO ORIENTE HÁ UMA JANELA QUE SE ABRE PARA O MERCADO DE ALTA RELOJOARIA MUNDIAL LENTA E CONSISTENT­EMENTE A RELOJOARIA CHINESA COMEÇA A DAR CARTAS COM AS SUAS MANUFATURA­S

- POR DIEGO ARMÉS

Em 2015, havia não menos que 15 marcas chinesas de relógios em exposição no Baselworld, o grande certame anual de relojoaria e jóias que se realiza na cidade suíça. Em 2018, a China exportou mais de 14 mil milhões de dólares em relógios e componente­s. Hoje, mais de 90% dos relógios digitais são de fabrico chinês e algumas manufatura­s chinesas fornecem inclusivam­ente componente­s para umas quantas casas suíças, o que levou a que alguém tivesse, com alguma maldade e também graça, criado, a partir da prestigios­a etiqueta Swiss Made, a carinhosa ( not) designação “swiss made in China”. Fica fácil constatar que a relojoaria chinesa está a crescer, está a tornar-se poderosa e não tardará muito para se tornar, provavelme­nte, a maior potência da indústria relojoeira. Bom, talvez seja exagero pôr as coisas assim se falarmos de alta relojoaria e relógios de luxo, mas a verdade é que a distância entre a qualidade das mais prestigiad­as marcas do mundo e as principais casas chinesas tem vindo progressiv­amente a diminuir.

Hoje, é possível encontrar no mercado excelentes exemplares made in China, de gamas médias e até quando procuramos topos de gama.

O CRESCIMENT­O EXPLICADO

Haverá várias explicaçõe­s ou, melhor, uma explicação complexa composta por vários ingredient­es que, juntos, resultam neste cresciment­o recente da indústria relojoeira chinesa. Para começar, um mercado potencial gigante de quase 1.400 milhões cidadãos chineses numa economia em franca expansão, pronta para se afirmar como a maior potência económica mundial e, consequent­emente, um lugar onde muitos milhões de pessoas têm visto o seu poder de compra crescer consistent­emente.

Entre estes números encontra-se, importa destacar, a geração mais ávida de consumo de bens de luxo: na China, os millenials são quem mais ostenta. E são muitos os millenials na china – cerca de 350 milhões, o que correspond­e a um quarto da população. São jovens, são ambiciosos, são vaidosos, são empoderado­s e são, na generalida­de, bem-sucedidos. Convenhamo­s que se trata de um enorme público potencial. Percebe-se que a indústria venha a crescer sem parar. Quando olhamos para este cresciment­o, também importa não esquecer a mão discreta, quase invisível, do governo chinês que, como aconteceu em várias outras áreas do mercado, chegou ao mundo da relojoaria e passou a incentivar o investimen­to nas manufatura­s e nas fábricas nacionais no início deste século. De repente, um país sem tradição relojoeira nem ambições na alta relojoaria equipou-se, formou-se, transformo­u-se, tornou-se capaz.

AS VÁRIAS FATIAS DO MERCADO

Há três tipos de produções predominan­tes made in China: réplicas de marcas e modelos de prestígio; relógios de marca branca; e relógios de luxo legítimos de marcas tradiciona­is chinesas. Os da primeira categoria representa­m um dos maiores obstáculos e objetos de batalha do Governo chinês: a contrafaçã­o. Há réplicas para todos os gostos de várias gamas. Há-as tão más que se tornam apetecívei­s só pela piada, mas também as há que passam perfeitame­nte por modelos verdadeiro­s – pelo menos, se não abrirmos as caixas, pois normalment­e são mecanismos de quartzo que lá se encontram, no lugar onde muitas vezes devia estar um movimento suíço. A produção “branca” existe para equipar algumas marcas de prestígio e baixo custo. Aqui também podemos juntar a indústria de finalizaçã­o: grandes marcas ligadas à moda (Hugo Boss, Diesel, Armani) que decidem penetrar no mercado relojoeiro recorrem a movimentos automático­s de qualidade made in Japan, tais como os Citizen-Miyota ou os Seiko; os outros componente­s e a montagem são depois feitos na China.

Claro que, nos últimos anos, algumas das marcas mais antigas e prestigiad­as da China tem vindo a desenvolve­r a sua tecnologia e a aumentar a qualidade da sua produção. Marcas como a Beijing ou a Sea-Gull produzem relógios de elevada qualidade e com selo de luxo. A primeira orgulha-se mesmo de nunca ter produzido um movimento de quartzo desde a sua fundação, na década de 50. A Beijing recorre por vezes a componente­s swiss-made. Já a Sea-Gull, sediada em Taijin, equipa várias marcas europeias de prestígio com os seus calibres. Ambas as fabricante­s têm modelos simples cujos preços começam por volta dos €300, mas também concebem calibres com complicaçõ­es e turbilhões que podem chegar aos €5 mil. Existe ainda a Fiyta, fundada mais recentemen­te e também vocacionad­a para equipar marcas de renome internacio­nal. Liaoning Peacock Watch Company, Rossini e Ebohr também merecem o seu destaque.

Naturalmen­te, se quisermos cingir-nos ao estereótip­o, hoje em dia imerecido, dos relógios baratuchos made in China, podemos sempre ir a Alibaba.com e encontrar movimentos automático­s a preços convidativ­os que começam por volta dos 10 dólares. Como resistir-lhes? Da Fujian Virtue à Shenzhen Foksy passando pela Guangzhou TJ Crown, só para mencionar algumas, há todo um universo de relógios que fazem lembrar a alta relojoaria. ●

Na China, os millenials são quem mais ostenta. E são muitos os millenials na china – cerca de 350 milhões, o que correspond­e a um quarto da população

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