Todo o mundo a passar por cá
Dizer que a cristandade medieval, um sinónimo de Europa, salvas as distâncias, era o mundo de então é absolutamente incorreto e, hoje, tristemente eurocêntrico, até porque a descompartimentação de épocas posteriores revelaria melhor avançadíssimas civilizações a oriente. Mas era, sem dúvida, o mundo conhecido dos que por aqui habitavam, e Portugal já era, embora sem a importância que o processo expansionista lhe viria a dar depois, uma peça a ter em conta no concerto das nações (outro conceito anacrónico, mas que ajuda a perceber a ideia). Nesta edição, o tema principal é dedicado a um homem – João de Gante, duque de Lencastre – em torno de cuja vida conseguimos traçar uma panorâmica geral desse universo restrito de que os nossos antepassados (ou antecessores) faziam parte. Se há época, na vastidão de um milénio que é a Idade Média, mais dada aos chavões a esse tempo aplicados – a fome, a peste, a guerra... –, essa época é o século XIV, com a sua profunda crise. João de Gante, que foi o senhor feudal mais poderoso de Inglaterra mas nunca cumpriu o sonho de reinar algures (excetuando um curto período na Galiza), é, ele próprio, chave para retratar tempos conturbados, marcados pela Guerra dos Cem Anos ou pelo Cisma do Ocidente. Mas é também, avô que foi da Ínclita Geração e mentor da velhíssima aliança entre Portugal e Inglaterra, determinante para o tempo novo que se adivinhava. Pouco se fala dele, particularmente em Portugal, o que não faz sentido. É por isso que lhe damos – ou devolvemos – todo o protagonismo.