NOVO AMBIENTE NO BRASIL
O ano de 1961 foi aquele em que, de 31 de janeiro a 25 de agosto, a presidência do Brasil esteve entregue a Jânio Quadros. Ou seja, quando o “Santa Maria” chegou ao Recife, o momento político brasileiro diferia do que era antes, sendo agora mais favorável à presença dos opositores portugueses ( todavia, na sombra já se preparava o golpe de 31 de março de 1964, que viria a instituir a Ditadura Militar que governou o país até 1985). Ora, durante esse período de 1961, era clara a distinção entre dois grupos, o de Galvão e o de Delgado, com cada um a tentar angariar simpatias, adesões e apoios para a sua luta. Cada líder ia expondo as suas ideias, tentando recrutar adeptos para a sua causa e, se estes tivessem dinheiro, tanto melhor. Se, antes disso, já Delgado tinha alguma experiência de Brasil e evidente prestígio, o assalto ao “Santa Maria” tinha introduzido uma alteração de vulto nesse panorama, aqui descrita pelas palavras de Camilo Mortágua: “Um dos lados apresentava o jogo feito. Jogou! E isso servia, pelo menos, para dar credibilidade às pessoas”.
O retrato feito por Mortágua: “Havia a convicção de que da colónia portuguesa do Brasil teria de sair um esforço significativo para derrubar o regime. Não só a partir do Brasil, claro, mas dali teria de haver um impulso. Só que a colónia portuguesa do Brasil tinha de tudo... E as autoridades brasileiras respeitavam-nos a nós da mesma maneira que respeitavam os fachos, até porque alguns deles já lá estavam há muitos anos e já tinham poder económico suficiente para se fazerem respeitar”.
Andavam os chefes nisto, enquanto os operacionais de uma e de outra fação ansiavam pela sequência do que havia sido iniciado no começo do ano. “Eu estava à espera de continuar. Aquilo era o intervalo do jogo. Tinha havido a primeira parte, que era o ‘Santa Maria’, e o jogo havia de continuar até chegarmos a Lisboa”, conta Mortágua. Os “soldados” não eram muitos, chegando os dedos de uma mão para contar os operacionais de cada um dos lados e sendo um dado novo a presença, do lado do general, de recém-chegados ao Brasil, como Amândio Silva e Manuel Serra, que tinham estado envolvidos na chamada Revolta da Sé (conspiração contra o salazarismo em dezembro de 1959, que não veio a concretizar-se na revolta prevista), passando Serra a ocupar, junto de Delgado, posição similar à que Mortágua tinha junto de Galvão. “Nós encontrávamonos, uns e outros, até que concluímos o seguinte: ‘Vamos deixá-los lá com as manias deles [nota: Delgado e Galvão]. Nós é que somos o exército [risos], de maneira que vamos chegar a um acordo entre nós’. E chegámos a um acordo, que dizia ‘ na situação em que os chefes não se entendem, não sei que mais….’. Esse documento desapareceu, nunca mais se encontrou”.
Assim começou a caminhar- se rumo à “Operação Vagô”, o desvio de um avião da TAP que fazia a ligação entre Casablanca e Lisboa, em novembro de 1961. Na verdade, essa ação, marcada pelo lançamento de panfletos sobre a região de Lisboa, não era um objetivo em si: “Aquilo, para nós, era um faitdivers e parte complementar de um plano mais amplo e eficaz. Claro que, como o plano não se realizou, do que se fala é do fait-divers”.
De facto. O desvio de um avião era apenas parte de um plano que não se cumpriu, o plano de Galvão para tomar o poder em Portugal, que contrastava com o de Delgado.
O general preconizava que, em primeiro lugar, devia ser assaltado um quartel em território português, para, a partir daí, estando os revoltosos na posse do armamento lá obtido, marchar vitoriosamente pelo país. Essa veio a ser a estratégia aplicada na revolta de Beja, tentada no último dia de 1961, que resultou num fiasco.
Já Galvão tinha outra estratégia: tomar um quartel, no Minho, com condições para um grupo aí resistir enquanto o rastilho da revolta era ateado pelo país. Aí entra a ideia do avião, que teria id duas dif diferentes t missões: iõ a primeii ra era transportar para Portugal Henrique Galvão e Humberto Delgado, que seriam levados para o dito quartel; a segunda consistia em distribuir pelo país, a partir do ar, panfletos que instruíssem a população para levar a cabo ações de sabotagem de diversa índole. Ou seja, a progressão da revolta, que teria Lisboa como óbvio destino final, seria feita ao longo de um tapete estendido pelos portugueses. Explica Camilo Mortágua: “Era aquilo a que se chama um plano de batalha, mas envolvendo a população. Ou seja, um avião era elemento fundamental, porque, ao mesmo tempo que dava a notícia do que estava a acontecer no Minho, com a presença do Delgado e do Galvão, estava enquadrando a população na ação que devia ser desempenhada por cada um na sua terra”. A capacidade de resistência do quartel minhoto e a presença dos dois chefes oposicionistas eram os sinais que, esperava-se, convenceriam a população a aderir.
Recuemos um pouco no tempo. A base operacional de qualquer das operações atrás descritas seria Marrocos, mas, como sabemos, os dois grupos oposicionistas estavam no Brasil. Ora, narra Mortágua, “houve um despique muito grande para ver quem é que chegava primeiro a Marrocos” (não obstante o acordo que havia sido feito pelos operacionais, à margem dos chefes). E os de Delgado – um grupo de operacionais chefiado por Manuel Serra – tomaram a dianteira. Todavia, um detalhe, sempre de acordo com a memória de Camilo Mortágua, anulou essa vantagem. Serra só aceitava entrar em Marrocos estando na posse de um passaporte diplomático, e ficou retido em Paris para o obter, na companhia de metade do grupo, tendo a outra metade seguido para o Norte de África. Sendo assim, e quando Galvão conseguiu angariar “uns tostões” no Brasil, enviou os seus para Marrocos. No grupo, de que fazia parte Camilo Mortágua, estava já integrado Hermínio da Palma Inácio, um operacional de grande relevo. Grossomodo, os de Galvão ultrapassaram Serra e os que o acompanhavam em Paris e seguiram para Marrocos, onde, afinal de contas, todos estariam reunidos passado algum tempo, motivados para seguir em frente com o plano de Galvão. Para tal, foi feito novo acordo entre os operacionais, à semelhança do que havia sido alcançado no Brasil: à revelia dos chefes.
Para preparar a operação, um pequeno grupo, de que faziam parte Manuel Serra e José Paulo Graça, seguiu para Portugal. A missão deles consistia em levar a cabo os contactos necessários para que fosse aprazada uma data para iniciar o golpe, que teria de coincidir com um voo da TAP de Casablanca para Lisboa, e para recrutar em Portugal, nas fileiras da oposição, elementos que se juntassem à revolta. Aí voltaremos.
Tempos interessantes, esses de Marrocos, onde entretanto chegou Henrique Galvão. Como no Brasil, as autoridades locais tinham um papel dúplice, tendo contactos tanto com os opositores do salazarismo como com os agentes da PIDE que ali afluíam, dando corpo a algum temor que havia em Lisboa quanto à possibilidade de estar a preparar-se uma invasão. Era um tempo em que os operacionais da oposição e os pides coincidiam nos mesmos locais sem se esconderem uns dos outros, chegando a protagonizar algumas trocas de piropos nas mesas de cafés. Portanto, os que preparavam o golpe estavam cientes de que eram vigiados, e tinham comportamentos destinados a confundir os agentes, como ir para o porto de Tânger discutir em voz alta o aluguer de barcos, entre outros exemplos. Quando os pides, percebendo quão rotineiro era o comportamento dos vigiados, decidiram deixar de os seguir para todo o lado e passaram a marcá- los “à zona”, posicionando agentes em pontos estratégicos, as rotinas dos oposicionistas tornaram-se ainda mais monótonas.
Enquanto Galvão partia para a Suécia, para fazer umas conferências na Universidade de Uppsala – que também serviram para baralhar as coisas, dando a entender que nada iria avançar por esses dias –, o pessoal em Tânger montava essa estratégia de adormecimento dos pides. “A páginas tantas, percebemos que a única saída que tínhamos era convencê- los de que aquilo seria sempre assim, até ao dia em que a gente quebrasse os hábitos. Foi o que se fez quando foi para assal
tar o avião. À meia-noite, fomos todos para as pensões, à uma da manhã estávamos todos reunidos e nos carros para dar o fora. A questão do avião foi feita nas barbas da PIDE”.
Como já vimos no artigo dedicado a esta ação, o grande plano não teve pernas para andar, tanto pela ausência de Delgado como pela incapacidade de o grupo que seguiu à frente mobilizar elementos para a causa em território português. Mas a espetacularidade estava garantida: pela primeira vez, um avião de linha comercial era tomado de assalto, e o lançamento de panfletos subversivos, redigidos pelo próprio Galvão, não sendo “uma bordoada no fascismo”, foi um momento evidentemente incómodo para o regime.
A partir daí, a memória de Camilo Mortágua centra-se, sobretudo, nas peripécias que o grupo enfrentou depois de regressar a Marrocos, concretizada que estava a ação com o avião da TAP. Desde um primeiro momento em que os quiseram meter num avião da British Airways com destino a Londres (e escala em Lisboa…), à cavalariça onde os meteram, num quartel de Casablanca, até que o governador local os retirou dali para um hotel de luxo: “Instalámo-nos, claro, e disserem que podíamos pedir tudo o que quiséssemos, desde que pagássemos. Nós não tínhamos dinheiro, mas toda a gente disse: ‘Eu vou pedir e depois logo se vê’. Comemos uns fillets mignons às duas da manhã, umas coisas fora de série, mas o hotel estava guardado e não podíamos sair. Dois dias depois, meteramnos num avião”.
O destino era o que o grupo de Galvão pretendia: Dacar, a capital do Senegal. Daí, desenhavam-se duas possibilidades: fazer a conexão com Amílcar Cabral e a Guiné-bissau, combatendo o regime a par da guerrilha daquela colónia, ou regressar ao Brasil. “Não tínhamos vistos para entrar no Brasil – conta Camilo Mortágua. – A ideia era consegui-los no consulado do Brasil em Dacar, mas, quando ligámos para lá, disseram-nos que o cônsul tinha ido para a caça e não sabiam quando voltava. O gajo, quando soube que o Galvão tinha chegado, pirou-se. Estávamos em Dacar, no aeroporto, sem saber para onde íamos, e também não podíamos sair do aeroporto”.
Ali ficaram dois dias, até que o primeiro-ministro senegalês, Mamadou Dia, os mandou chamar para um almoço inesquecível na Assembleia ia Nacional. Apesar da honraria, Dia, confronf tado também com a possibilidade de o grupo ficar no país, nada decidiu. Seria preciso esperar pelo regresso do presidente Léopold Senghor, por aqueles dias em Paris. A chegada de Senghor quebrou o impasse, mas ficar por ali estava fora de questão: “Ao fim de duas noites sem dizer nada, vão-nos buscar à pensão, metem-nos num autocarro e levam-nos para o aeroporto. Quando lá chegámos, vimos que era um avião da Air France, com destino a Santiago do Chile, fazendo escala no Rio de Janeiro. Concordámos, mas colocou-se o problema de pagar os bilhetes. Nós não tínhamos tostão. Discussão para um lado, discussão para o outro, até que a Air France nos disse que tínhamos de assinar termos de responsabilidade, declarando que pagávamos mal chegássemos ao Brasil. Tá bem!… Assinámos todos e fomos para o Brasil, sem vistos. Depois, quiseram levar-nos à força para o Chile, mas não fomos. Ficámos presos, mas no Brasil”.
Como atrás referimos, o ambiente no Brasil foi-se tornando cada vez menos propício à presença dos revolucionários estrangeiros. Adivinhava- se a Ditadura Militar, e Mortágua e os restantes precisavam de outra base para as suas conspirações feitas a partir de
fora. Paris foi o destino, e o problema de sempre, a falta de dinheiro, acabou por levar, já em 1967, à Operação Mondego, o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz.
“É sempre a mesma coisa: Eh, pá, estamos bloqueados por isto, então temos de romper com o bloqueio. Ou a gente desiste, e que se lixe o fascismo, ou a gente ataca o fascismo e vai buscar o dinheiro onde ele está, porque uma coisa sem a outra não dá”, justifica Mortágua, explicando que não bastava assaltar um banco qualquer: “Ali juntavam-se duas coisas. Tínhamos de ir buscar o dinheiro, mas queríamos ir buscá-lo ao Banco de Portugal. Não era o dinheiro dos depositantes. Colocavase sempre este problema: cada ação que se faça tem de merecer a aprovação da maioria das pessoas, porque senão é uma ação contra nós. O banco da Figueira calhou. A gente andou desde Viana do Castelo, por muitos lados a ver onde é que havia de ser. Calhou ser na Figueira”.
Na fuga, o regresso a Paris. Anos mais tarde, a liberdade. Sem qualquer dúvida que Camilo Mortágua e outros como ele foram decisivos no processo de desgaste da ditadura, mas a verdade é que ele faz, agora, um balanço mais humano do que político: “Mais do que derrubar um regime, ou o fascismo, o que é importante é o que se aprende nestas coisas. A lidar com as pessoas. Os comportamentos das pessoas em situações extremas são lições para a vida, e isso aprende- se muito mais nestas situações, porque marca. São climas terríveis: suspeita- se de tudo e mais alguma coisa”.
No artigo anterior desta série fizemos uma breve apresentação do primordial Regimento para o governo interno das Cortes Constituintes de 1821-22, que foi adotado interinamente logo no segundo dia de trabalhos das Cortes (em 27 janeiro de 1821), tendo sido depois sucessivamente aditado e aperfeiçoado na vigência das Cortes.
Importa agora abordar, na base do Regimento, a organização e funcionamento das Cortes gerais extraordinárias e constituintes de 1821-1822. Para esse efeito, selecionámos quatro tópicos que, rapidamente, nos permitirão uma visita guiada pelos meandros dessas primeiras Cortes Constituintes, depois replicados nas Cortes gerais ordinárias (1822-1823): (i) o estatuto dos deputados, que são as células do parlamento, (ii) os cargos dirigentes no seio das Cortes, (iii) a organização interna e o funcionamento através de comissões temáticas, e (iv) o ato de votar em Cortes.
Por último, importa mencionar os mecanismos pelos quais se consubs
tanciou a intensa participação popular nos trabalhos das Cortes Constituintes, sobretudo através das petições apresentadas por escrito.
O estatuto dos deputados constituintes
Embora ainda subsistam algumas dúvidas, o número mais consensual para o total de deputados “proprietários” (ou seja, titulares, sem contar os substitutos) que integraram as Cortes Constituintes de 1821-22 é de cento e oitenta e um ( 181), sendo cem ( 100) eleitos pela metrópole, nove (9) eleitos pelas ilhas adjacentes, sessenta e cinco (65) eleitos pelo reino do Brasil e sete ( 7) eleitos pelas possessões de África e Ásia. Como sabemos, uma parte dos deputados eleitos no Brasil e demais territórios ultramarinos não chegou tomar posse nas Cortes. Em todo o caso, para o funcionamento das sessões exigia-se um quórum de dois terços de deputados em funções.
Cada um dos deputados foi submetido ao escrutínio parlamentar de verificação da legalidade e legitimidade dos poderes – pela Comissão de Verificação dos Poderes – que lhe tinham
O regimento das Cortes Constituintes de 1821-1822, já abordado em artigo anterior desta série, funciona como guião para uma visita, quase dois séculos volvidos, ao funcionamento da casa onde o constitucionalismo português nasceu. Normas para a condução dos trabalhos, estatuto dos deputados ou comissões ali criadas e os nomes dos que as compunham trazem à luz os construtores de um novo modelo de soberania.
ceder-se-ia a uma segunda volta em que entrariam apenas os dois mais votados. Deliberou-se também que, em simultâneo, fossem eleitos quatro secretários – para os quais o Regimento previa uma eleição de três em três meses – por listas de quatro nomes cada uma, bastando uma maioria simples para se elegerem. Foi a primeira revisão ao Regimento, um dia antes de ter sido aprovado interinamente pelas Cortes. Nesse “ditoso dia” 26 de janeiro, como rezam as crónicas, foram eleitas as seguintes personalidades: para presidente, o arcebispo da Bahia (64 votos); para vice-presidente, Manuel Fernandes Tomás ( 49 votos); e para secretários, João Baptista Felgueiras (53 votos), José Joaquim Rodrigues de Bastos (47 votos), Luís António Rebelo da Silva (36 votos) e José Ferreira Borges (36 votos).
O curto período dos mandatos eletivos testemunha uma das características do nosso primeiro constitucionalismo, que apostava numa renovação frequente da legitimidade eleitoral, para proporcionar a renovação dos seus titulares. A própria Constituição de 1822 veio estabelecer um mandato de dois anos para as Cortes ordinárias, seguindo o exemplo da Câmara dos Representantes nos Estados Unidos.
As eleições seguintes realizaram-se, quase todas, no dia 26 de cada mês. Deduzida a eleição interina do arcebispo da Bahia, com um mandato que durou apenas um dia para presidir à sessão preparatória do dia 24 de janeiro, realizaram- se 22 eleições presidenciais até à dissolução das Cortes, no dia 4 de novembro de 1822. Por ordem cronológica, foram os seguintes os presidentes eleitos: 1. º Vicente da Soledade e Castro, arcebispo da Bahia; 2.º Manuel Fernandes Tomás; 3. º Hermano José Braamcamp de Almeida Castelo Branco, conde do Sobral; 4.º Idem; 5.º José Joaquim Ferreira de Moura; 6.º Idem; 7.º José António Faria de Carvalho; 8.º José Vaz Velho; 9.º João Maria Soares de Castelo Branco; 10.º Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato; 11. º Idem; 12.º Manuel de Serpa Saraiva Machado; 14.º Luís Nicolau Fagundes Varela; 15.º António Camelo Fortes de Pina; 16. º Idem; 17.º Carlos Honório de Gouveia Durão; 18.º Idem; 19.º Agostinho José Freire; 20.º Idem; 21.º Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato; 22.º Idem.
– Comissão da Guerra – Póvoas (70 votos), barão de Molelos (70 votos), Sepúlveda ( 67 votos), Sousa e Almeida (65 votos), Calheiros (64 votos), Osório (60 votos), Magalhães (54 votos), Rosa (47 votos), Melo (40 votos); – Comissão de Saúde Pública – Baeta (63 votos), Queiroga (63 votos), Rebelo (61 votos), Franco (44 votos), Silva (57 votos); – Comissão de Instrução Pública – Pimentel Maldonado (54 votos), Pinheiro (60 votos), Carvalho (49 votos), Xavier Monteiro ( 33 votos), Brotero ( 55 votos), Travassos (33 votos), Couto (33 votos), Navarro ( 45 votos), Anes ( 39 votos); – Comissão do Comércio – Borges (70 votos), Vanzeler ( 72 votos), Monteiro (72 votos), Santos (72 votos), Brito (39 votos), Braamcamp ( 34 votos), Alves do Rio (34 votos); – Comissão Eclesiástica – bispo de Lamego ( 63 votos), bispo de Castelo Branco (71 votos), bispo de Beja (70 votos), Pinheiro de Azevedo (40 votos), Gouveia Osório ( 71 votos), Madeira Torres (39 votos), Castelo Branco (60 votos), Rebelo da Silva ( 28 votos), Brandão (35 votos); – Comissão do Regimento da Regência – Moura ( 55 votos), Serpa ( 43 votos), Castelo Branco ( 9 votos), Braamcamp (49 votos), Fernandes Tomás (7 votos); – Comissão de Estatística – Margiochi (69 votos), Miranda (69 votos), Travassos (68 votos), Faria Carvalho (68 votos), Freire (65 votos), Bastos (33 votos), Silva Correia (57 votos); – Comissão de Pescarias – Vaz Velho (52 votos), Jerónimo José Caneiro (61 votos), Silva Negrão (31 votos), Gouveia Durão (36 votos), Pacheco (31 votos).
Foram pedidas quatro escusas, que foram aceites – Xavier Monteiro, da Comissão da Fazenda; Travassos, da de Instrução Pública; Braamcamp, da do Comércio; e Anes de Carvalho, da do Diário. Para preencher os lugares vagos, aclamou-se Trigoso para a Comissão de Instrução Pública e deliberouse que os outros fossem substituídos pelos imediatos em número de votos, tendo ficado eleitos: Sousa, para a da Fazenda (23 votos) e Couto, para a do Comércio (33 votos).
Em 7 de junho de 1821 constituiu-se uma nova Comissão das Comissões – composta por José António Faria de Carvalho, Francisco Soares Franco, Francisco Trigoso de Aragão Morato, Manuel de Serpa Machado e Manuel Borges Carneiro – para se proceder a diversas nomeações de comissões, cujo número foi aumentado e que “não fossem compostas de menos de 5 nem mais de 7 membros” (o Regimento previa um número mínimo de 5 e máximo de 9 membros). Poucos dias depois, a 12 de junho de 1821, foi apresentada e mandada imprimir a seguinte relação de 23 comissões parlamentares, por ordem alfabética (salva a última): – Comissão da Agricultura – Bettencourt, Coelho Pacheco, Girão, Macedo, Peçanha, Pedro José Lopes e Soares Franco; – Comissão das Artes e Manufaturas – Braamcamp, Miranda, Pereira da Silva, Silva Correia e Sobral; – Comissão do Comércio – Brito, Ferreira Borges, Monteiro, Santos e Vanzeler; – Comissão da Constituição e suas Infrações – Borges Carneiro, Castelo Branco, Fernandes Tomás, Moura e Pereira do Carmo; – Comissão de Expediente da Eclesiástica – Bernardo António de Figueiredo, bispo de Castelo Branco, Ferreira
(título X, § 5.º). As matérias submetidas a votação nominal na Constituinte de 1821-22, em relação aos principais temas constitucionais, foram sobretudo: (i) o número de câmaras das Cortes: duas ou uma; (ii) o veto do rei aos decretos das Cortes: absoluto, suspensivo ou nenhum; (iii) a existência ou não do Conselho de Estado e, no caso afirmativo, (iv) se deveria ser proposto ou nomeado pelas Cortes; (v) o valor máximo da pena para os abusos da liberdade de imprensa; (vi) a pena para os que recusassem jurar as Bases da Constituição; e (vii) o ordenado dos membros do tribunal de proteção da liberdade de imprensa.
A intervenção popular nos trabalhos das Cortes – as petições
Acumulando funções constituintes e legislativas, assim como de controlo político do governo, as Cortes de 182122 converteram-se no centro nevrálgico do novo sistema político-constitucional e de debate das questões políticas, tendo os trabalhos parlamentares suscitado uma assinalável atenção popular, quer através da imprensa política adrede criada nesses anos, quer pela presença direta nas sessões na Sala das Cortes no Convento das Necessidades – que incluiu vários tumultos –, quer através do exercício do direito de petição.
De facto, depois do direito de sufrágio, o próximo direito político dos cidadãos a ser reconhecido foi o direito de petição. Por força do artigo 14.º das Bases da Constituição, aprovadas interinamente pelas Cortes logo a 9 de março de 1821 – que constituíram a primeiro texto constitucional da nova era –, todo o cidadão podia apresentar às Cortes e ao poder executivo reclamações, queixas ou petições por escrito. Em consequência deste normativo constitucional adveio um alargamento exponencial do direito de petição, que assoberbou os deputados constituintes com trabalho extra, chegando a causar alguns embaraços ao regular funcionamento das Cortes. Este movimento peticionário fez com que o magno Congresso de 1821-22 interferisse diretamente no poder judicial e no poder executivo, colocando em causa o estandarte constitucional do liberalismo contra a concentração de poderes do absolutismo – o princípio da separação de poderes.
O fluxo peticionário dirigido às Cortes era tal que, em sessão de 13 de março de 1821, se resolveu criar uma Comissão de Petições, composta por sete membros nomeados pelo presidente, para classificar e distribuir (ou mesmo indeferir, caso não cumprissem com as formalidades exigidas, nomeadamente, estarem assinados) os requerimentos pelas respetivas comissões especializadas ( acima referidas) e pela Regência do reino. No dia seguinte, o presidente das Cortes nomeou para membros da Comissão de Petições os sete deputados seguintes: Francisco Barroso Pereira, João Baptista Felgueiras, José Maria Xavier de Araújo, José Peixoto Sarmento de Queirós, Isidoro José dos Santos, Manuel José Plácido da Silva Negrão e Alexandre Tomás Morais Sarmento.
O legado parlamentar das Cortes Constituintes
Tendo sido as primeiras cortes democráticas na história política portuguesa, as primeiras Cortes Constituintes inauguraram entre nós o parlamentarismo moderno. As instituições do direito parlamentar, desde o estatuto dos deputados (verificação de poderes, imunidades) aos procedimentos de votação, passando pela organização do parlamento (mesa e comissões permanentes e eventuais), todas constituem legado das Cortes Constituintes de 1821-22.
Se a sua obra constitucional – a Constituição de 1822 – não se revelou duradoura, tendo soçobrado menos de um ano depois da sua entrada em vigor, devemos aos deputados constituintes de 1821-22, não apenas o que ficou desse legado constituinte para a posteridade, retomado na Constituição de 1976, mas também o legado das instituições parlamentares, afinal, a peça-chave da democracia constitucional moderna.
Através do Diário das Sessões, as Cortes Constituintes de 1821-22 também nos deixaram a primeira plêiade de grandes tribunos com lugar assegurado na história do Parlamento em Portugal, onde se contam nomes como Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, Manuel Borges Carneiro ou Manuel Trigoso de Aragão Morato, entre outros.