Museu Municipal de Penafiel
Muitas são, evidentemente, as formas de aquilatar a grandeza de um museu. A mais óbvia estará ligada ao valor intrínseco das coleções e à dimensão quantitativa das mesmas, mas não podemos estar limitados por uma visão unidimensional do que é o impacto de uma instituição deste tipo. Projetos de carácter local ou regional, como é o caso do Museu Municipal de Penafiel, desempenham papel fulcral na integração cultural e patrimonial de um determinado território, estimulando o sentimento de pertença das populações e proporcionando experiências mais estruturadas aos visitantes.
Enquanto estrutura municipal permanente, este museu existe desde 1948, resultando de forma significativa do empenho pessoal de Abílio Miranda, que foi o seu primeiro diretor. Originalmente instalado junto à Biblioteca, no palacete do barão do Calvário, está desde 2009 no palacete dos Pereira do Lago, na Rua do Paço. A reconversão do edifício para a atual utilização foi entregue a Fernando Távora, que faleceu em 2005, ficando o projeto então entregue ao filho deste, o também arquiteto José Bernardo Távora. Tal intervenção permitiu a implementação de uma retórica museológica moderna, que permitiu à cidade passar de um espaço meramente expositivo, com as limitações conceptuais de outros tempos, para um polo cultural dinâmico e multifacetado. Além dos espaços de exposição propriamente ditos – exposição permanente e exposições temporárias –, o museu dispõe de um auditório com capacidade para 150 pessoas, de um anfiteatro ao ar livre capaz de albergar duas centenas de pessoas e de várias outras valências, designadamente multimédia.
Percurso por cinco salas
Logo em 2010, ou seja, um ano depois da inauguração das atuais instalações, o Museu Municipal de Penafiel obteve o título de melhor museu português do ano, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia. E estamos, hoje, a falar de bem mais do que de um edifício, mas já lá chegaremos. Para já, centremo-nos no percurso seguido pelo visitante através das cinco salas que acolhem a exposição permanente, que, com linguagens diferentes, ajuda a traçar a memória e a identidade da região.
E “sala da identidade” é, justamente, o nome do primeiro espaço. A ideia passa por traçar “o percurso histórico da formação do concelho de Penafiel através da apresentação de um conjunto de documentos, com animação gráfica e tratamento visual muito apelativo”. Nesse diálogo com o visitante destaca-se a carta de fundação da igreja de Lardosa, na atual freguesia de Rans, essencial para esta narrativa, na medida em que, sendo datada do ano 882, é o mais antigo documento latino que se conhece em Portugal (naturalmente, o que há ali é uma reprodução, já que o pergaminho está à guarda da Torre do Tombo). Mas a identidade é ali sugerida de formas muito diversas, seja através da evocação de figuras dos primórdios da nacionalidade, como Egas Moniz, ou da contemporaneidade, como o padre Américo, fundador da Obra da Rua/casa do Gaiato, ou
até a “colcha municipal”, uma peça indo-portuguesa do século XVII que era utilizada para engalanar a varanda dos Paços do Concelho nas festas do Corpo de Deus.
Segue-se a “sala do território”, dominada pelo “olhómetro”, uma estrutura concebida para aquele espaço, colocada no centro do espaço, na qual é projetada em permanência uma animação. Os conteúdos desta sala são de natureza multimédia, propiciando um passeio virtual pela cidade e pelo restante território concelhio.
Na “sala da arqueologia”, contrariamente ao expectável, não estamos perante um “depósito” de vestígios materiais do passado remoto. É um espaço também pleno de modernidade, onde os recursos multimédia são essenciais para a recriação de monumentos, sítios e espaços à escala real, induzindo os visitantes a experimentar um pouco do que se julga que seriam as vivências desses espaços. Naturalmente que, havendo vestígios arqueológicos de cinco mil anos de ocupação humana do território hoje correspondente ao concelho de Penafiel, também aí encontramos diversos artefactos, expostos com grande originalidade.
Da arqueologia, a visita evolui para uma dimensão em que a história quase toca a etnografia, na “sala dos ofícios”, atendendo a que a evocação dos mesteres do passado nos leva a contactar muitas práticas cujos ecos penetraram na contemporaneidade. O ferro e a madeira, materiais trabalhados desde tempos remotos na região, têm lugar de detaque, que remete para o modos como os ofícios a eles ligados foram importantes para a evolução e grandeza da duas principais festividades penafidelenses – Corpo de Deus e festas de São Martinho –, evocadas em imagens que cruzam o passado com o presente. Materiais videográficos ajudam também a perceber o
funcionamento das várias oficinas, estando igualmente por ali expostos artigos que foram emblemáticos da atividade transformadora local, caso da chancas que eram fornecidas à Casa Real ou, ainda, das famosas candeias de Penafiel, produzidas em larga escala para os mercados de Portugal e do Brasil.
No encerramento do circuito de visita, a “sala da terra e da água” leva-nos à intimidade ancestral das gentes da região com os recursos naturais. Muitos utensílios ligados à agricultura em tempos antigos continuam a ser usados nos nossos dias, outros dos que ali estão expostos já caíram em desuso, mas é ainda mais notória ali do que no caso dos ofícios a correspondência entre o presente e o passado. Uma vez mais, as soluções expositivas ajudam a transportar ( metaforicamente, claro) o visitante para esse universo de ruralidade que continua a ser uma espécie de bilhete de identidade da região.
E aí acaba a visita? Não. Quando, no início deste artigo, aludimos à integração patrimonial do território referíamo-nos à circunstância de o museu ter, como núcleos descentralizados, quatro elementos patrimoniais relevantes para a narrativa atrás descrita. O mais notável – e o primeiro a ter esse estatuto – é o castro de Monte Mozinho, povoação castreja do século I da nossa era que se notabiliza pela disposição das construções e pelo estado de conservação. Os restantes três elementos não são monumentais, pelo menos em sentido idêntico, mas representam bem, cada um a seu jeito, os modos de vida da região. Falamos do moinho da ponte de Novelas (moinho de água), do engenho de Sebolido ( remete para a ancestral produção de azeite) e da aldeia de Quintandona, que se evidencia pela preservação da arquitetura vernacular da região e pela manutenção de práticas agrícolas tradicionais.
Opassado dia 10 de abril ainda povoa de felicidade as páginas da ciência: o primeiro registo fotográfico de um buraco negro. Bom, tecnicamente será a primeira fotografia da sombra de um buraco negro e do material à sua volta, uma vez que, por definição científica, é impossível fotografar algo que suga tudo e todos, luz incluída, devido à força da sua tremenda gravidade – tudo e todos se curvam e são engolidos por um buraco negro.
Tal dia foi prodigioso para a ciência, mas também para a tecnologia e para a humanidade. Uma equipa de mais de 200 cientistas e engenheiros, petabytes (um petabyte são mil terabytes) de dados que tiveram de ser transferidos fisicamente em discos rígidos, pois seria impensável enviar tal volume de dados pela internet, décadas de planeamento e de criação de técnicas de sincronização de observações astronómicas, envolvendo oito radiotelescópios e envolvendo algoritmos inovadores – e poderosos – de processamento e tratamento de dados e de imagem.
Uma imagem que parece um donut: um buraco negro no centro, material a orbitar com uma cor alaranjada (cor que não é a “real”) assimétrica, com claras diferenças na sua luminosidade. O monstruoso buraco negro reside no coração da galáxia M87, a 55 milhões de anos-luz de distância da Terra, e apenas e tão só a sua zona interior negra – a
sombra do buraco negro – tem aproximadametne o triplo do tamanho da distância do Sol a Plutão, algo condizente com os 6,5 mil milhões de massas solares que detém! Terá de ser inventado todo um novo vocabulário para descrever esta paisagem e o esmagamento de tais números. Até agora, a representação visual de buracos negros estava reservada a artistas digitais e não digitais. Desconfiávamos como seriam, mas não em jeito de descuidado palpite: todas as projeções teriam de obedecer ao estabelecido por Albert Einstein no início do século XX, na Teoria da Relatividade Geral, da geometria da sombra do buraco negro à coreografia orbital do material em queda, bem como na variação do brilho, do ponto de vista do observador.
A primeira (e provisória!) surpresa está aí: a ilustração ficcional é mesmo muito próxima desta impressão fotográfica. A arte conseguiu imitar na perfeição a natureza, com a ajuda da ciência. E Einstein parece estar de novo certo, mesmo num cenário tão extremo como é o caso de um buraco negro e as suas redondezas. Por isso, o génio alemão andou novamente nas bocas e mentes do mundo, quase lhe sendo atribuída a paternidade dos buracos negros. Mas a história tem muitas estórias, e a ciência também assim é. Em boa verdade, não foi Einstein o primeiro a pensar na possibilidade de existirem corpos tão exóticos em termos gravitacionais. Esse estatuto cabe a alguém muito à frente do seu tempo e, injustamente, menos lembrado pela história da ciência. Os primeiros pensamentos
sobre a violência dos buracos negros nasceram num lugar contrastantemente tranquilo: Thornhill, perto de Leeds, Inglaterra. Na segunda metade do século XVIII. Nasceram de alguém que, então, era retratado como “um homem baixo, de pele escura e gordo”, mas também reconhecido como um génio ímpar, que tocou várias áreas do conhecimento humano. Nascido três anos antes da morte de Isaac Newton, como este ficou ligado à Universidade de Cambridge, onde estudou e foi professor durante 15 anos, antes de se retirar para a pequena Universidade de Thornill. John Michell, dele falamos, personificou o espírito largo da curiosidade científica. Num tempo em que o entendimento da força da gravidade dado por Newton fazia a atualidade da ciência, Michell começou por se interessar pelo fascinante mundo do magnetismo, sendo o primeiro a demonstrar que a força magnética exercida por cada polo de um íman diminui com o quadrado da distância. Foi um exímio experimentalista e teórico, usando essa combinação para se aventurar com sucesso noutras áreas do conhecimento. E uma dessas incursões teve inspiração portuguesa.
Falamos do grande terramoto de 1 de novembro de 1755. As ondas de choque ficaram-se por Portugal, mas as ondas de espanto estenderam-se por toda a Europa. E tocaram a efervescente curiosidade de Michell. Estudou detalhadamente o evento e tentou perceber a sua dinâmica, sabendo que pouco se conhecia sobre o que se passava no interior do nosso planeta. E lançou uma hipótese certeira: propôs que os sismos se propagam como ondas através dos meios sólidos do interior da Terra, ajudando assim a estabelecer o campo da sismologia. Este momento de felicidade científica valeu-lhe a eleição para a Royal Society.
A astronomia foi outra das suas paixões, sendo pioneiro no tratamento estatístico aplicado a essa ciência. Estudou como as estrelas estão distribuídas no céu noturno e argumentou que as estrelas não são maioritariamente pontos singulares, como o nosso Sol. A sua análise levou-o a considerar que existem muitos mais sistemas binários de estrelas e, por que não?, enormes enxames de estrelas que orbitam em grupo pelo Cosmos. Hoje, isso está cientificamente comprovado.
Mas a sua ideia mais arrojada surge numa carta escrita ao amigo e cientista Henry Cavendish, em novembro de 1783, que viria a dar origem a um artigo na revista da Royal Society. Inspirado pela conceção de gravidade dada por Newton, interrogava-se sobre as formas de medir a massa de uma estrela. E pegou noutra revolucionária teoria de Newton, sobre a natureza corpuscular da luz e como esta é feita de partículas, questionando: será que tais partículas, emitidas pelas estrelas, sofrem alguma redução na sua velocidade devido ao efeito da gravidade das próprias estrelas?
Michell desconfiava que sim. E que, para estrelas de grande massa, a luz teria alguns problemas em “sobreviver”. Além disso, para corpos de grande massa, a luz podia mesmo ser... invisível. Entidades indetectáveis porque não emitiam luz!
John Michell chamou-lhes “estrelas negras”, mas pensava que elas teriam de se denunciar, de ser detetadas indiretamente. Como? Através das órbitas de estrelas próximas ou de material nas redondezas – justamente os meios que a ciência moderna tinha para detetar buracos negros, até ao surgimento da fotografia agora revelada!...
Para todos os efeitos, Michell apresentou a ideia da existência de buracos negros mais de 120 anos antes do revolucionário trabalho de Einstein. Mas, apesar das contribuições notáveis que deu a várias disciplinas científicas, Thornhill não lhe dava a projeção que merecia. As suas “estrelas negras” foram também pouco detetáveis entre a comunidade científica do seu tempo. Nem sequer foi mencionado quando, em 1796, Pierre-simon Laplace, no famoso “Expositiondusystèmedumonde”, sugere a existência de corpos que, pela sua incrível massa, criam “armadilhas” à luz.
John Michell morreu em 1793, na sombra – tal como as suas “estrelas negras”. E se hoje sabemos destas suas digressões pelos ambientes de gravidade estelar extrema, tal deve-se à redescoberta de alguns dos seus escritos, na década de 1970. Só assim se criou a oportunidade de repor alguma verdade em torno da origem histórica – e científica – do pensamento sobre um dos mais fascinantes corpos do nosso Universo.