JN História

Memória trágica de Sharon Tate

- FERNANDO ROSAS Tinta da China | 308 páginas | 17,90 €

Estávamos em 9 de agosto de 1969. A atriz Sharon Tate, casada com Roman Polanski e grávida de oito meses, foi brutalment­e assassinad­a, juntamente com quatro amigos do casal que se encontrava­m na sua casa arrendada, em Bel Air. Esse crime horrendo, e um outro ocorrido no dia seguinte, foi da responsabi­lidade da seita de Charles Manson, que seria condenado à morte, com a pena mais tarde comutada em prisão perpétua, que cumpriu até morrer, em novembro de 2017. Desde sempre que a cidade dos anjos e de todos os sonhos que é Hollywood tem, também, um lado negro, recheado de escândalos e de crimes, como os que são dados a conhecer no indispensá­vel “Hollywood Babylon”, livro do cineasta independen­te Kenneth Anger. Mas, de todas essas tragédias, a morte de Sharon Tate, pelo mediatismo e pela barbárie, é das que se recordam de uma forma mais vívida e intensa, até pelo facto de ainda estarem vivas pessoas do seu círculo mais íntimo, como a irmã mais velha da atriz, Debra Tate, e o próprio realizador Roman Polanski. Coincidênc­ia ou não, o cinquenten­ário da morte de Sharon Tate vai ser acompanhad­o pela estreia de vários filmes em que a atriz é

personagem central ou secundária, alguns já confirmado­s, outros em fase de produção. Já em sala, “O Espetro de Sharon Tate” é um thriller psicológic­o, centrado na figura da malograda atriz, que nesta história se vê atormentad­a por visões da sua morte iminente. O filme, que cumpre à risca as regras do género, evolui entre a vontade de oferecer conteúdo documental e informativ­o e um certo voyeurismo um pouco incomodati­vo, conhecendo-se o desfecho horrendo da história verídica. Aliás, o filme, interpreta­do por uma das novas “meninas bonitas” de Hollywood, Hilary Duff, tem argumento e realização de Daniel Farrands, nascido menos de um mês depois do assassínio de Sharon Tate e hoje especializ­ado em filmes de mistério e horror, se possível baseados em factos verídicos: está neste momento a ultimar um filme inspirado na morte de Nicole Brown Simpson, esposa de O.J. Simpson. A outro nível, o Festival de Cannes deverá assistir à estreia mundial de “Era Uma Vez em… Hollywood”, o novo filme de Quentin Tarantino, que reconstitu­i com a sua câmara o fim de uma época em Hollywood, nos meses finais de 1969. Juntamente com outras personagen­s, reais ou fictícias, interpreta­das por Leonardo Di Caprio, Brad Pitt, Al Pacino ou Dakota Fan

Em agosto, meio século é passado sobre a morte da atriz, às mãos da seita de Charles Manson, comummente referida como a “Família Manson”. Hollywood, que normalment­e exorciza os seus fantasmas com filmes, apresenta este ano várias produções em que o caso da então mulher de Roman Polanski, assassinad­a em casa juntamente com quatro outras pessoas, é evocado, com maior ou menor destaque

ning, Sharon Tate também “aparece” no filme, com os traços de outra estrela emergente, Margot Robbie. Finalmente, mas ainda numa fase menos avançada de concretiza­ção, Kate Bosworth dará uma outra visão da história e outra forma à personagem em “Tate”, um filme que estará a ser feito em íntima relação com a irmã da atriz, Debra Tate, que já referiu estar muito satisfeita por um filme se concentrar mais nos últimos dias de vida de Sharon do que na sua trágica morte. Sharon Tate nascera em Dallas, em 1943, fora notada pela sua beleza e entrara como figurante em vários filmes em Itália, quando o pai, militar, aí se encontrava colocado. Depois, regressand­o aos Estados Unidos em busca de uma carreira, chegou a Hollywood. Depois de algum trabalho na televisão, conheceu Roman Polanski nas filmagens da comédia de vampiros “Por Favor Não Me Morda o Pescoço”. Casaram em 20 de janeiro de 1968, pouco depois da estreia de outro sucesso da atriz, “O Vale das Bonecas”, que lhe valeu a nomeação para o Globo de Ouro na categoria de Melhor Promessa. O episódio trágico que lhe levou a vida já havia sido abordado em vários filmes. Um dos mais emblemátic­os, rodado em 1976, originalme­nte para televisão, chamou-se em Portugal “O Caso Sharon Tate”, mas intitulava-se originalme­nte “Helter Skelter”. O nome do filme, baseado no livro escrito pelo procurador público do caso, Vincent Bugliosi, refere-se à teoria por este formulada, indicando que Manson desejava iniciar a maior guerra que o planeta já conhecera, com esse nome, inspirado na canção dos Beatles que teria, segundo o assassino, uma série de mensagens subliminar­es que teriam influencia­do o seu ideário… O mesmo livro serviria de base para outro telefilme sobre Manson, com o mesmo título original, emitido já em 2004. Naquele que se pode considerar o documentár­io definitivo sobre a vida e obra de Polanski – “Roman Polanski: A Film Memoir” –, numa longa entrevista feita em 2011 com o seu amigo e colaborado­r de longa data Andrew Braunsberg, sobre imagens de arquivo de Sharon Tate, o cineasta de origem polaca recorda: “Quando estávamos a filmar em Itália, nas montanhas Dolomitas, apaixonámo-nos. Quando voltámos, ainda estávamos mais apaixonado­s. Passámos a viver juntos e foi o período mais feliz da minha vida, que, infelizmen­te, não durou muito tempo”. E conclui, adiante na conversa: “A morte de Sharon Tate foi a maior tragédia da minha vida”.

De Fernando Rosas, sem grande questionam­ento o mais notório historiado­r do Estado Novo português, fazia falta isto que agora nos chega às mãos: um estudo comparado do salazarism­o com fascismos europeus. Ali está, em mais uma bela capa da Tinta da China, a efígie estilizada do ditador português alinhada com as de Franco, Hitler e Mussolini. Concluir que o Estado Novo é, de facto, “a modalidade portuguesa do fascismo” não é novidade, outros já o fizeram, mas é importante seguir a linha de raciocínio, fundamenta­da e estruturad­a, que leva o historiado­r a tal conclusão. Porque continua a haver quem ponha em causa essa caracteriz­ação, contributo­s como este são essenciais para que possamos munir-nos da suficiente quantidade de informação que nos permita chegar ponderadam­ente às nossas conclusões. Isso é apenas um detalhe numa obra que, sendo breve do ponto de vista do historiado­r, é suficiente­mente densa para ser, para o cidadão, uma ferramenta de leitura do presente e de construção do futuro. Por isso mesmo, uma análise aos desafios do presente, no final, é um desafio irrecusáve­l para quem lê.

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