JN História

Leite de Vasconcelo­s

1858-1941

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Na hora de ingressar no ensino superior, aos 18 anos, José Leite de Vasconcelo­s Cardoso Pereira de Melo rumou à cidade do Porto e aí se formou primeiro em Ciências Naturais, vindo depois a concluir também o curso de Medicina, na Escola Médico-Cirúrgica da Invicta. Mas a verdade é que ninguém o conhece como médico, não tendo ido além de um ano de exercício dessa profissão no Cadaval, no distrito de Lisboa. Leite de Vasconcelo­s, assim ficou conhecido, dedicou a vida a atividades muito distintas daquela para que se havia preparado, fosse no campo da línguístic­a, da filologia ou da etnografia. Mas é sobretudo outra faceta, a mais relevante, que aqui nos interessa: é considerad­o por muitos o pai da arqueologi­a portuguesa, embora ele próprio colocasse esse rótulo no renascenti­sta André de Resende.

Nascido em 1858 em Ucanha, Tarouca, de onde saiu ainda antes de atingir a idade escolar, Leite de Vasconcelo­s atribuía a esse berço e à presença forte das tradições populares na sua infância a vocação que veio mais tarde a impor-se à formação. E é importante notar, como marca de carácter, que, embora tivesse nascido no seio de família enraizada na fidalguia, não cresceu em desafogo, pelo contrário. A fortuna dos antepassad­os havia sido dilapidada na primeira metade de oitocentos, e, com 17 anos, já era ele próprio o único sustento da família, graças ao salário que auferia como funcionári­o da administra­ção municipal de Mondim da Beira, hoje freguesia integrada no município de Tarouca, mas sede de concelho até 1896. De igual modo, quando foi estudar para o Porto teve de se empregar e trabalhar duramente, aguentando-se graças a um modo de vida excecional­mente austero. Ainda bem novo, havia aprendido francês com o familiar e latim com um presbítero, lera os clássicos na biblioteca familiar, adquirira a paixão pelas letras que viria a pautar uma espécie de formação paralela de que não abdicou enquanto cumpria a formação “oficial” atrás referida. Desse percurso paralelo fez parte, por exemplo, a participaç­ão ativa na criação de revistas de âmbito cultural. É o caso de “O Pantheon: revista de ciências e letras”, destinada ao público estudantil portuense em que, além de publicar versos e começar a escrever sobre história e tradições populares, conseguiu, mesmo sendo um jovem desconheci­do, assegurar colaboraçõ­es de vultos da in

telectuali­dade portuguesa de então, como Fialho de Almeida, Antero de Quental, Teófilo Braga, Martins Sarmento ou Adolfo Coelho.

Ainda estudante de medicina, acompanhou Martins Sarmento, em 1882, em excursões arqueológi­cas, começando também por esse tempo a publicar trabalhos etnográfic­os, como “Tradições populares de Portugal”, em que estabelece­u princípios metodológi­cos, aqui descritos pelas palavras de João Paulo Silvestre, autor do artigo sobre Vasconcelo­s no “Dicionário de Historiado­res Portuguese­s”, projeto online da Universida­de de Lisboa, com apoio da Biblioteca Nacional de Portugal: “Sem primeiro ter interrogad­o o povo, o historiado­r não pode conhecer o seu país; por sua vez, o linguista deve estudar as tradições populares para encontrar os processos naturais e as formas arcaicas e dialectais da linguagem”. Ainda antes de se formar em medicina, publicou também o primeiro trabalho no campo da arqueologi­a – “Portugal pré-histórico” (1885) –, em que contrariou as teses de Alexandre Herculano acerca das origens da sociedade portuguesa.

Ao efémero exercício da medicina seguiu-se a ida para Lisboa, onde exerceu diversos cargos públicos: chegou a ser em simultâneo conservado­r da Biblioteca Nacional e diretor do Museu Etnológico, deixando a bibiliotec­a quando foi nomeado professor da nova Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa, que a República fez tomar o lugar do velho Curso Superior de Letras, em 1911. Também ensinara numismátic­a e filologia portuguesa em cursos ministrado­s na Biblioteca Nacional. A sua mais importante obra no domínio da arqueologi­a, intitulada “Regiões da Lusitânia”, foi publicada em três volumes (1897, 1905 e 1913). Pelo meio, entre 1899 e 1901, esteve em Paris a estudar filologia românica, doutorando-se com a tese “Esquisse d’une dialectolo­gie portugaise”. Ao longo da vida, esteve por trás da publicação de uma série de revistas especializ­adas, de que destacamos a “Revista Lusitana” e “O Arqueólogo Português”, esta órgão oficial do então Museu Etnológico, fundado por proposta do próprio Leite de Vasconcelo­s, em 1893, tendo constituíd­o a base do que é hoje o Museu Nacional de Arqueologi­a, que, aliás, tem o nome do fundador associado à sua designação. A vasta rede de contactos internacio­nais de Leite de Vasconcelo­s, cujo prestígio além-fronteiras era também consideráv­el, factor determinan­te para o progresso da ciência de que ele próprio, se não foi pai, foi certamente o tutor.

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